Michael Jackson se foi há um ano, mas não está morto

*Texto da jornalista Giovanna Castro

Eu amo Michael Jackson, sempre amei, desde criança. Depois que cresci um pouco e comecei a entender como as coisas funcionavam, percebi que o meu amor servia como uma forma de tentar fazê-lo sentir melhor diante de tanta dor que parecia emanar dele.  Não duvido que muitos outros tantos fãs pensassem da mesma forma, ainda que inconscientemente.

Para mim, MJ era também um caso a ser observado, volta e meia me questionava sobre como um homem brilhante como ele se deixou consumir pela roda viva da fama que acabou virando seu algoz. Amanhã, 25 de junho, faz exatamente um ano que ele se foi e a dor continua. Mas é uma dor que não vai passar porque faltam respostas para entender como a genialidade sucumbiu a si mesma. Porque Michael, mesmo ainda magnífico como se vê nas cenas do documentário-despedida This is it, que registra os ensaios do que seria sua última série de shows, se retirou de cena tão cedo, com apenas 50 anos de vida?

Para mim, sempre foi um grande enigma entender porque Michael mudou sua aparência tão radicalmente

Morrer cedo talvez tenha sido uma forma de ele se livrar do sofrimento que certamente o afligia internamente desde o dia que nasceu numa família doente, num contexto de pobreza, violência, frustrações, castração de desejos infantis, trabalho forçado, porque não?, e da omissão de uma mãe de nove crianças que deixava o genitor dos seus filhos fazer deles o que quisesse com requintes de humilhação e violência física e psicológica. Nunca vou entender o papel desta mãe que, ao que parece, fechou os olhos à tirania do velho Joey.

O tamanho que Michael atingiu como astro pop, como personalidade, como celebridade e alvo de críticas e recriminações foi maior do que ele poderia suportar. Um psicanalista me diria agora, neste momento, que nada acontece à revelia de quem quer que seja, que Michael construiu esse caminho para si próprio, que ele fez escolhas que o levaram a esse angustiante fim. É óbvio que sim, mas o que ele sofreu na infância, de acordo com seu próprio relato, de não poder brincar na rua, jogar bola, interagir com outras crianças, foi definidor para o resto da sua weird existência, pouco compreendida por quem está de fora, seus fãs inclusive. Muitos o taxavam de Jacko uma corruptela que significa algo como “doidão/esquisitão”, no jargão dos americanos. Excêntrico, ricaço sem ter o que fazer, que passou a viver de forma esquisita, astro que não mais conseguiu repetir o brilhantismo de fases anteriores e se rendeu ao ostracismo. Fácil julgar, mas eu não gostaria de estar na pele dele.

A morte de Michael Jackson me atingiu num dia como se fosse uma daquelas notícias falsas que circulam e que depois alguém desmente dizendo que foi apenas um boato. Liguei para minha mãe e disse “Michael Jackson morreu”, meio que sem acreditar que aquilo fosse verdade e tentando confirmar com alguém de confiança se aquilo não tinha sido um engano. O mesmo aconteceu quando falei com meus irmãos. Àquela altura, era apenas um boato propagado por um site de celebridades, mas que depois foi se consolidando como a notícia mais bombástica do mundo artístico do nível das über celebridades, que era a estratosfera que pairava sobre o mundo dos pobres artistas pop que aprenderam tudo com MJ.

Aos poucos, o meu racional se rendeu às notícias. Lembro exatamente da sensação daqueles dias, a música de MJ onipresente na Redação, emanando das televisões ligadas acompanhando minuto a minuto os acontecimentos, as notícias do hospital, as confirmações e desmentidos sobre enterro e funeral, os filhos, a família, o testamento, a mãe e o pai. Acompanhava tudo com imensa curiosidade, queria respostas sobre o que teria acontecido realmente. Respostas que não vieram e provavelmente, acredito, nunca virão por que, a menos que alguém daquela família, incluindo seus filhos, resolver contar a verdadeira história, tudo ficará encerrado para sempre entre eles.

Também me lembro perfeitamente de onde estava quando ouvi pela primeira vez o clipe de Thriller. Eu devia ter uns 11 anos de idade. E ter essa idade, há 26 anos, definitivamente não é a mesma coisa que ter 11 anos atualmente. Naquele tempo, os melhores clipes da música mundial estreavam com estardalhaço e expectativa no Fantástico.  E não poderia ser diferente com MJ. Era um clipe que definiria o astro que ele se tornaria dali em diante, dominando a cena pop norte-americana, internacional e minha cena interior, de pré-adolescente que gostava de ouvir música e ver a Sessão da Tarde.

Houve um momento, no auge da carreira, em que o peso da fama não tirou o brilho dos olhos de Michael Jackson, que sorria à tôa

Lembro que era tarde da noite e eu estava sozinha na sala de casa. Não sei bem se meus pais estavam dormindo e onde estavam meus irmãos. Mas lembro de ter me esforçado para ficar acordada e acompanhar a estreia do material. Consegui não dormir e fui sendo envolvida por aquela aura de mistério que é marca do clipe. Tudo escuro e eu estava sentada no chão. Assisti aquelas cenas inspiradas no clássico filme O Lobisomem Americano em Londres, de John Landis – que também dirigiu o clipe – com muita curiosidade, amando a música, a dança e a historinha do rapaz que se transforma em lobisomem e ameaça a própria namoradinha.

A noite, a história bem roteirizada, as belíssimas atuações me transportaram para aquele universo e eu senti medo. Aquela risada final, a voz grave de Vincent Price, me fizeram demorar a dormir. É uma daquelas coisas impactantes que se constituem em momentos marcantes da nossa existência nas mais variadas fases da nossa vida. E dali em diante meu fascínio por MJ só aumentava e minha curiosidade por sua história de vida também.

É no mínimo intrigante que uma criança que tenha crescido num contexto de violência e rigidez absoluta tenha conseguido construir coisas tão lindas. Michael foi um vitorioso por bastante tempo. Pelo menos, passou por cima do que eventualmente o fazia sofrer e curtiu o seu momento de fama no topo do mundo da música. É genuína a felicidade que se vê no brilho dos seus olhos nos clipes de músicas como Thriller, Off the Wall, Rock with you, Beat it entre tantas outras do auge da fama.

Depois que ele morreu, me questionei sobre o que sempre considerei omissão daquela mãe de expressão não menos dura do que a carranca do velho Joey e me surpreendi que ela tenha sido “premiada” com a citação do seu nome no testamento e sendo encarregada de criar os três netos. Parece que aquela mulher deve ter dado algum tipo de suporte emocional para o filho mais famoso e genial, do contrário, nenhuma recompensa – ainda que representada pelo simbolismo do dinheiro – seria atribuída a ela. A menos que Michael não tivesse melhor escolha a fazer. Vai saber?

A imagem de MJ sempre chegou a mim como uma expressão de grande sofrimento. Sabe-se que ele não tinha nada de ingênuo, em muitos momentos usou a imprensa para propagar informações sobre si mesmo a fim de criar “espuma” em torno do seu nome. Não é novidade para ninguém que ele sabia como poucos usar elementos de marketing para catapultar sua carreira. Mas pelo menos três “factóides” que ele criou, conforme sua biografia mais importante escrita por J. Randy Taraborrelli, se reverteram negativamente, que foi o caso de que ele dormia com um macaco e conversava com o bicho a quem levaria para todos os cantos, incluindo restaurantes; a câmara de oxigênio que, na verdade, era uma foto feita pelo próprio MJ e “plantada” na imprensa; além da ossada do  Homem-Elefante, que ele teria comprado a peso de ouro.

Era para mim também algo enigmático a insistência em mudar a aparência – claramente um distúrbio de identidade, ele procurava um MJ que não era o que ele se tornou, um cara branco, glamuroso, maquiado, de cabelo liso. Reflexo do violento racismo que nos EUA se materializa em forma de segregação, não a tôa MJ começou na Motown, que era uma gravadora especializada em tornar “mais palatável” para os brancos a música vigorosa dos negros. Michael soube, como poucos, e com a ajuda de outro gênio, Quincy Jones, se equilibrar entre esses dois mundos e unir as duas porções dos EUA em torno da sua música. Mas não passou por isso impunemente.

Jamais nenhum artista conseguiu superar os 13 prêmios Grammy que Michael ganhou ao longo da carreira artística

Como já disse, não é adequado negar a participação do próprio MJ em toda a extensão do seu tormento. Ele poderia ter procurado ajuda, não se deixado levar por todo o glamur, mas é sintomático e motivo para se pensar quando após a sua morte descobre-se que ele realmente sofria de vitiligo, que a imprensa de modo geral fazia questão de colocar em dúvida.  Ser vítima de racismo num país como os EUA deve ser algo brutal e MJ desafiou a tudo e a todos quando conseguiu mostrar seu talento avassalador.

Os brancos que, apenas três anos antes de Michael nascer, agrediram Rosa Parks em 1955 por ter sentado num banco de ônibus reservado exclusivamente aos brancos e se negar a cedê-lo, eram obrigados a engolir um negro americano invadindo suas casas sem pedir licença e espalhando sua música por todos os cantos. Para quem não tem uma estrutura psicológica forte e não possui uma identidade solidamente construída e uma auto-estima alquebrada, como parecia ser a personalidade de Michael, é difícil resistir à pressão de não ser aceito pelo que se é.

Acredito que complexidade semelhante pode ser aplicada às acusações por supostamente molestar meninos. Mentes estranhas podem realmente fazer coisas estranhas mas nada ficou provado em relação ao primeiro rapaz cuja família aceitou uma bolada para desistir do processo (quanto vale, em milhões de dólares, para um pai ou uma mãe verdadeiramente indignados por ver a inocência do seu rebento violada, abrir mão de ver o criminoso atrás das grades?). No último julgamento, em 2005, MJ foi inocentado das acusações. Manobras legais podem ser facilmente criadas, principalmente quando há muito, mas muito mesmo dinheiro envolvido.

Amo e sempre vou amar Michael Jackson. Lembro que durante todo o tempo que durou a cobertura da mídia sobre sua morte e até o seu enterro, ouvia sua música sem cansar, belas eternamente.  Sua obra me faz feliz, me faz dançar, me transporta para momentos bons, traz lembranças felizes e o melhor é que sempre que tiver vontade de me sentir assim, bastará ligar o aparelho de som ou o DVD e trazê-lo de volta ao meu convívio. God bless you, Michael. You will always be the best.

Veja um pouco da genialidade precoce do mestre no primeiro teste do The Jackson 5 na gravadora Motown:

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