Cronicamente (In)viável: Ciclos de morte e renascimento. Ou, O mito da fênix

“Na mudança, na metamorfose e no caos, a vida se completa”.

Acredito em ciclos. Que a vida é circular, mas não repete-se igual. A frase em destaque, acima, é de um amigo. Um dia, ele leu um dos meus desabafos sobre o eterno desejo de mudança e comentou com essa frase. Vira e mexe, a gente precisa se reinventar e recomeçar do zero. Não é um processo fácil. Requer, além de desapegar do que já não nos serve, a capacidade de se moldar às novas circunstâncias. Resiliência é só uma palavra da moda, dirão alguns. Mas quem cumpre um destino de fênix conhece seu significado nas entrelinhas.

Recordo de uma frase do romance Os versos satânicos, de Salman Rushdie: “Para renascer, é preciso morrer primeiro”. É dita pelo personagem Gibreel Farishta, um ator famoso que vive uma metamorfose após sobreviver a um desastre aéreo. Quantos de nós não enfrenta suas pequenas mortes cotidianas? E precisam juntar as próprias cinzas, aquecê-la e desse montinho disforme renascer?

A fênix era conhecida como Bennu entre os antigos egípcios

Os ciclos de renascimento e o mito da fênix

O mito da fênix, embora atribuído à cultura greco-romana, surgiu no antigo Egito. Depois, foi adotado pelos gregos e, mais tarde, pelos cristãos. Ana Lucia Santana, mestra em Teoria Literária pela Universidade de São Paulo (USP), explica em artigo (leia aqui) que entre os egípcios, a fênix estava associada ao culto de Rá, o deus-sol.

Algumas versões do mito dizem que a ave, que vivia séculos, pressentia a chegada da própria morte e construía uma pira funerária onde se auto-incendiava, renascendo das cinzas do antigo ser. Outra versão diz que a fênix se jogava nas chamas do altar de Rá, na cidade egípcia de Iunu, chamada pelos gregos de Heliópolis (Cidade do Sol).

Para os egípcios, a fênix era o símbolo da imortalidade, sendo ainda associada ao nascer e ao pôr do sol. Para os cristãos, na arte sacra, a ave representa a ressurreição de Cristo.

Os russos chamavam a ave mítica de Pássaro de Fogo

A fênix como avatar dos recomeços

Adotei a fênix como avatar pessoal há alguns anos. Justamente quando enfrentei um ciclo de morte e renascimento. Desde então, recorro ao arquétipo como metáfora pessoal, para lidar com as reviravoltas da vida, com as mudanças repentinas, com as alterações que exigem alta capacidade de adaptação.

Em sua versão mítica, e mais uma vez recorro a Ana Lucia, a fênix é considerada ícone de “esperança, persistência e transformação”. É benéfico para o espírito eleger um símbolo de tamanha força para suportar turbulências.

Nas situações complexas da vida, como recuperar-se de uma doença grave, superar a perda de uma pessoa muito querida ou enfrentar uma mudança de carreira na meia-idade, após, por exemplo, um desemprego involuntário, a ideia de que somos capazes de nos reerguer das quedas mais monumentais, realmente me inspira.

Autodescoberta no ritmo de cada um

Processos de autodescoberta também me estimulam. A cada vez que preciso me incendiar na fogueira da fênix, lembro primeiro de queimar todas aquelas coisas desnecessárias que vão se acumulando na alma, para depois abrir espaço para as verdadeiras transformações. E por mais que a literatura de autoajuda esteja recheada de dicas para “sair de zona de conforto” de forma pasteurizada e nem sempre realista, creio na capacidade humana de adaptar-se e de traçar novas rotas a cada golpe do destino ou empecilho no caminho.

Nenhum estudioso do mito da fênix sabe exatamente quanto tempo após virar cinzas, a ave renascia como um bebê “aberto a eterna novidade do mundo”, parafraseando verso famoso de Fernando Pessoa. Acredito que ela reabria os olhos para a vida de forma lenta e gradual, com profundidade e acúmulo da sabedoria de muitas vidas.

Toda mudança, para ter significado real, não pode ocorrer apenas para demonstrar aos outros “o quão bem sucedidos somos”, mas para nos revelar a beleza da nossa jornada em um universo em eterna transformação…

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*Cronicamente (In)viável é uma série de reflexões sobre ser e estar no mundo, inspirada nas minhas vivências e naquilo que observo ao redor. A série tem irmã gêmea, em outro blog, chamada (Im)paciente Crônica. Quem sabe um dia, transformo as duas em livro…

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Michael Jackson se foi há um ano, mas não está morto

*Texto da jornalista Giovanna Castro

Eu amo Michael Jackson, sempre amei, desde criança. Depois que cresci um pouco e comecei a entender como as coisas funcionavam, percebi que o meu amor servia como uma forma de tentar fazê-lo sentir melhor diante de tanta dor que parecia emanar dele.  Não duvido que muitos outros tantos fãs pensassem da mesma forma, ainda que inconscientemente.

Para mim, MJ era também um caso a ser observado, volta e meia me questionava sobre como um homem brilhante como ele se deixou consumir pela roda viva da fama que acabou virando seu algoz. Amanhã, 25 de junho, faz exatamente um ano que ele se foi e a dor continua. Mas é uma dor que não vai passar porque faltam respostas para entender como a genialidade sucumbiu a si mesma. Porque Michael, mesmo ainda magnífico como se vê nas cenas do documentário-despedida This is it, que registra os ensaios do que seria sua última série de shows, se retirou de cena tão cedo, com apenas 50 anos de vida?

Para mim, sempre foi um grande enigma entender porque Michael mudou sua aparência tão radicalmente

Morrer cedo talvez tenha sido uma forma de ele se livrar do sofrimento que certamente o afligia internamente desde o dia que nasceu numa família doente, num contexto de pobreza, violência, frustrações, castração de desejos infantis, trabalho forçado, porque não?, e da omissão de uma mãe de nove crianças que deixava o genitor dos seus filhos fazer deles o que quisesse com requintes de humilhação e violência física e psicológica. Nunca vou entender o papel desta mãe que, ao que parece, fechou os olhos à tirania do velho Joey.

O tamanho que Michael atingiu como astro pop, como personalidade, como celebridade e alvo de críticas e recriminações foi maior do que ele poderia suportar. Um psicanalista me diria agora, neste momento, que nada acontece à revelia de quem quer que seja, que Michael construiu esse caminho para si próprio, que ele fez escolhas que o levaram a esse angustiante fim. É óbvio que sim, mas o que ele sofreu na infância, de acordo com seu próprio relato, de não poder brincar na rua, jogar bola, interagir com outras crianças, foi definidor para o resto da sua weird existência, pouco compreendida por quem está de fora, seus fãs inclusive. Muitos o taxavam de Jacko uma corruptela que significa algo como “doidão/esquisitão”, no jargão dos americanos. Excêntrico, ricaço sem ter o que fazer, que passou a viver de forma esquisita, astro que não mais conseguiu repetir o brilhantismo de fases anteriores e se rendeu ao ostracismo. Fácil julgar, mas eu não gostaria de estar na pele dele.

A morte de Michael Jackson me atingiu num dia como se fosse uma daquelas notícias falsas que circulam e que depois alguém desmente dizendo que foi apenas um boato. Liguei para minha mãe e disse “Michael Jackson morreu”, meio que sem acreditar que aquilo fosse verdade e tentando confirmar com alguém de confiança se aquilo não tinha sido um engano. O mesmo aconteceu quando falei com meus irmãos. Àquela altura, era apenas um boato propagado por um site de celebridades, mas que depois foi se consolidando como a notícia mais bombástica do mundo artístico do nível das über celebridades, que era a estratosfera que pairava sobre o mundo dos pobres artistas pop que aprenderam tudo com MJ.

Aos poucos, o meu racional se rendeu às notícias. Lembro exatamente da sensação daqueles dias, a música de MJ onipresente na Redação, emanando das televisões ligadas acompanhando minuto a minuto os acontecimentos, as notícias do hospital, as confirmações e desmentidos sobre enterro e funeral, os filhos, a família, o testamento, a mãe e o pai. Acompanhava tudo com imensa curiosidade, queria respostas sobre o que teria acontecido realmente. Respostas que não vieram e provavelmente, acredito, nunca virão por que, a menos que alguém daquela família, incluindo seus filhos, resolver contar a verdadeira história, tudo ficará encerrado para sempre entre eles.

Também me lembro perfeitamente de onde estava quando ouvi pela primeira vez o clipe de Thriller. Eu devia ter uns 11 anos de idade. E ter essa idade, há 26 anos, definitivamente não é a mesma coisa que ter 11 anos atualmente. Naquele tempo, os melhores clipes da música mundial estreavam com estardalhaço e expectativa no Fantástico.  E não poderia ser diferente com MJ. Era um clipe que definiria o astro que ele se tornaria dali em diante, dominando a cena pop norte-americana, internacional e minha cena interior, de pré-adolescente que gostava de ouvir música e ver a Sessão da Tarde.

Houve um momento, no auge da carreira, em que o peso da fama não tirou o brilho dos olhos de Michael Jackson, que sorria à tôa

Lembro que era tarde da noite e eu estava sozinha na sala de casa. Não sei bem se meus pais estavam dormindo e onde estavam meus irmãos. Mas lembro de ter me esforçado para ficar acordada e acompanhar a estreia do material. Consegui não dormir e fui sendo envolvida por aquela aura de mistério que é marca do clipe. Tudo escuro e eu estava sentada no chão. Assisti aquelas cenas inspiradas no clássico filme O Lobisomem Americano em Londres, de John Landis – que também dirigiu o clipe – com muita curiosidade, amando a música, a dança e a historinha do rapaz que se transforma em lobisomem e ameaça a própria namoradinha.

A noite, a história bem roteirizada, as belíssimas atuações me transportaram para aquele universo e eu senti medo. Aquela risada final, a voz grave de Vincent Price, me fizeram demorar a dormir. É uma daquelas coisas impactantes que se constituem em momentos marcantes da nossa existência nas mais variadas fases da nossa vida. E dali em diante meu fascínio por MJ só aumentava e minha curiosidade por sua história de vida também.

É no mínimo intrigante que uma criança que tenha crescido num contexto de violência e rigidez absoluta tenha conseguido construir coisas tão lindas. Michael foi um vitorioso por bastante tempo. Pelo menos, passou por cima do que eventualmente o fazia sofrer e curtiu o seu momento de fama no topo do mundo da música. É genuína a felicidade que se vê no brilho dos seus olhos nos clipes de músicas como Thriller, Off the Wall, Rock with you, Beat it entre tantas outras do auge da fama.

Depois que ele morreu, me questionei sobre o que sempre considerei omissão daquela mãe de expressão não menos dura do que a carranca do velho Joey e me surpreendi que ela tenha sido “premiada” com a citação do seu nome no testamento e sendo encarregada de criar os três netos. Parece que aquela mulher deve ter dado algum tipo de suporte emocional para o filho mais famoso e genial, do contrário, nenhuma recompensa – ainda que representada pelo simbolismo do dinheiro – seria atribuída a ela. A menos que Michael não tivesse melhor escolha a fazer. Vai saber?

A imagem de MJ sempre chegou a mim como uma expressão de grande sofrimento. Sabe-se que ele não tinha nada de ingênuo, em muitos momentos usou a imprensa para propagar informações sobre si mesmo a fim de criar “espuma” em torno do seu nome. Não é novidade para ninguém que ele sabia como poucos usar elementos de marketing para catapultar sua carreira. Mas pelo menos três “factóides” que ele criou, conforme sua biografia mais importante escrita por J. Randy Taraborrelli, se reverteram negativamente, que foi o caso de que ele dormia com um macaco e conversava com o bicho a quem levaria para todos os cantos, incluindo restaurantes; a câmara de oxigênio que, na verdade, era uma foto feita pelo próprio MJ e “plantada” na imprensa; além da ossada do  Homem-Elefante, que ele teria comprado a peso de ouro.

Era para mim também algo enigmático a insistência em mudar a aparência – claramente um distúrbio de identidade, ele procurava um MJ que não era o que ele se tornou, um cara branco, glamuroso, maquiado, de cabelo liso. Reflexo do violento racismo que nos EUA se materializa em forma de segregação, não a tôa MJ começou na Motown, que era uma gravadora especializada em tornar “mais palatável” para os brancos a música vigorosa dos negros. Michael soube, como poucos, e com a ajuda de outro gênio, Quincy Jones, se equilibrar entre esses dois mundos e unir as duas porções dos EUA em torno da sua música. Mas não passou por isso impunemente.

Jamais nenhum artista conseguiu superar os 13 prêmios Grammy que Michael ganhou ao longo da carreira artística

Como já disse, não é adequado negar a participação do próprio MJ em toda a extensão do seu tormento. Ele poderia ter procurado ajuda, não se deixado levar por todo o glamur, mas é sintomático e motivo para se pensar quando após a sua morte descobre-se que ele realmente sofria de vitiligo, que a imprensa de modo geral fazia questão de colocar em dúvida.  Ser vítima de racismo num país como os EUA deve ser algo brutal e MJ desafiou a tudo e a todos quando conseguiu mostrar seu talento avassalador.

Os brancos que, apenas três anos antes de Michael nascer, agrediram Rosa Parks em 1955 por ter sentado num banco de ônibus reservado exclusivamente aos brancos e se negar a cedê-lo, eram obrigados a engolir um negro americano invadindo suas casas sem pedir licença e espalhando sua música por todos os cantos. Para quem não tem uma estrutura psicológica forte e não possui uma identidade solidamente construída e uma auto-estima alquebrada, como parecia ser a personalidade de Michael, é difícil resistir à pressão de não ser aceito pelo que se é.

Acredito que complexidade semelhante pode ser aplicada às acusações por supostamente molestar meninos. Mentes estranhas podem realmente fazer coisas estranhas mas nada ficou provado em relação ao primeiro rapaz cuja família aceitou uma bolada para desistir do processo (quanto vale, em milhões de dólares, para um pai ou uma mãe verdadeiramente indignados por ver a inocência do seu rebento violada, abrir mão de ver o criminoso atrás das grades?). No último julgamento, em 2005, MJ foi inocentado das acusações. Manobras legais podem ser facilmente criadas, principalmente quando há muito, mas muito mesmo dinheiro envolvido.

Amo e sempre vou amar Michael Jackson. Lembro que durante todo o tempo que durou a cobertura da mídia sobre sua morte e até o seu enterro, ouvia sua música sem cansar, belas eternamente.  Sua obra me faz feliz, me faz dançar, me transporta para momentos bons, traz lembranças felizes e o melhor é que sempre que tiver vontade de me sentir assim, bastará ligar o aparelho de som ou o DVD e trazê-lo de volta ao meu convívio. God bless you, Michael. You will always be the best.

Veja um pouco da genialidade precoce do mestre no primeiro teste do The Jackson 5 na gravadora Motown:

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Para não esquecer José Saramago

O escritor José Saramago, muito amado pelas meninas deste singelo blog, morreu nesta sexta-feira, em sua casa, em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, aos 87 anos de idade. O autor de Ensaio Sobre a Cegueira e de uma infinidade de livros maravilhosos –  os recentes Caim e a A Viagem do Elefante -, prêmio Nobel de literatura em 1998 (venceu com o livro Memorial do Convento, que no momento estou lendo), era um grande filósofo, um humanista, socialista radical, de opiniões fortes, que lhe renderam a fama de ser de difícil trato. Para nós, a memória de Saramago é totalmente afetiva e, quem o chama de intransigente, na verdade, não compreende a profundidade do pensamento do autor. Por meio de seus livros e de suas declarações na mídia, Saramago nos fazia acordar, enfiava o dedo na ferida, nos mostrava nosso lado mais brutal e mesquinho e nosso lado mais terno e nobre, as dicotomias da alma humana. Era um gênio! E aos gênios, permitimos até um pouco de mau-humor. Além disso, nos seus 87 anos de vida, sábio, maduro e calejado, ainda tinha muito a nos dizer, muito o que nos provocar à reflexão. Sua morte, apesar da idade, é prematura, pois ele estava no auge da forma e da lucidez. Aqui, deixamos nossa homenagem, reunindo os links de alguns textos publicados sobre a morte do autor nos sites noticiosos da internet e nos nossos blogues pessoais…

Portal A TARDE On Line:

>>Escritor José Saramago morre aos 87 anos

>>Última mensagem no blog de Saramago lamenta a falta de filosofia

>>Saramago sofria de problemas respiratórios, diz jornal

>>Velório de Saramago será na localidade espanhola de Tías

Portal UOL:

>>Morre o Prêmio Nobel da Literatura José Saramago

>>“Forma Saramago” desafiou o leitor e fez escritor popular

>>Saramago representa triunfo para a língua portuguesa, diz Scliar

>>Conheça a história do autor de “Ensaio sobre a Cegueira” e “Memorial do Convento”

>>Português José Saramago recebe o Nobel de Literatura em 1998

Portal G1:

>> Morre aos 87 o escritor José Saramago

>>Veja fotos históricas do escritor português

>>Artistas prestam homenagens no Twitter

>>Saramago disse em entrevista que não tinha medo de morrer

Público (Portugal):

>>Morreu José Saramago

>>Corpo de Saramago esperado amanhã em Lisboa

>>Presidente diz que Saramago será “sempre uma referência” da cultura nacional

El País (Espanha):

>>Muere Saramago a los 87 años

>>Pensar, pensar, pensar…’, último post del blog de su fundación

>>Su última entrevista a EL PAÍS: “Seremos más pobres si Haidar muere”

>>Su última campaña: Solidaridad con Haití

>>Conmoción en Portugal

>>Saramago: “La muerte es la inventora de Dios”

Mar de Histórias (blog de Andreia Santana):

>>Luto por Saramago

>>“Deus é maneta”

>>Resenhando José Saramago

>>“Saramageando”

>>A lista de Saramago

>>Saramago chora com Chaplin

Pequenas Digressões (blog de Alane Virginia):

>>Ensaio Sobre a Cegueira

>>Ensaio sobre a cegueira no cinema

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Chuvas castigam cidades e evidenciam inação dos governantes

*Texto da jornalista Giovanna Castro

Em meio a tanta comoção por causa do desabamento de uma gigantesca quantidade de terra do Morro do Bumba, no Rio de Janeiro, esta semana, vi uma foto que me tocou de uma forma diferente da que vinha tocando, diante da “over” cobertura feita pela imprensa brasileira, em todos os canais de TV, sites, jornais impressos, revistas, blogs e outros veículos mais. A foto mostrava sob uma montanha de barro, lixo (o local era um lixão clandestino, há 25 anos) e lama, uma mulher e uma criança aos seus pés, deitada, nitidamente surpreendidas pela avalanche que avançou dentro da escuridão daquele morro em Niterói, levando tudo que encontrava pela frente. Ambos mortos.

Beleza da Cidade Maravilhosa foi ofuscada, nesta semana, pela tragédia provocada pela chuva

Imediatamente pensei sobre o sentimento que teria invadido aquele bombeiro que se inclinava sobre os dois corpos, sem mais qualquer esperança. Uma tragédia. Mas uma tragédia anunciadíssima, como tantas tragédias que poderiam ser evitadas no Brasil.  Vi inúmeros programas de TV meio que colocando a culpa da tragédia na ocupação desordenada, o que é um fato, mas atribuindo à negação dos moradores em sair do local de risco. Mas a análise é tão simplista quanto parece a displicência de seguidos governos que ignoraram a situação e permitiram que casas fossem construídas no local.

Aquelas pessoas estão ali, nitidamente, por falta de opção. Ninguém escolhe morar em cima de um terreno instável, fofo e cheio de lixo em decomposição porque quer. Essas pessoas não possuem conhecimento técnico para avaliar as condições sejam favoráveis ou desfavoráveis de determinado terreno. Na falta de uma política habitacional que contemple todos os brasileiros, na falta de ação do poder público que simplesmente ignora a parcela mais humilde da população, o que resta aos mais pobres? Construir com orgulho e sacrifíco sua morada, sua residência,  seu lar, seu refúgio, no lugar onde dá.

Não consigo admitir órgãos públicos de Defesa Civil emitindo alertas para moradores de áreas de riscos e claramente se eximindo da responsabilidade ao dizer em notas encaminhadas para a imprensa “a Defesa Civil recomenda que ao menor sinal de chuvas e rachaduras nos imóveis, as pessoas se retirem das suas casas”. Lindo! Mas e a alternativa? Para onde essas pessoas vão? Para a casa do vizinho, que está submetida ao mesmo risco, à casas de familiares, provavelmente em outros lugares da cidade que sofrem sem esperança a ação das chuvas? Vão para debaixo das pontes?

Carnaval em Salvador, assim como no Rio, é produto vendido como face mais brilhante do povo que vive nestes lugares

É preciso que os governantes comecem a atentar que os cargos que ocupam não se prestam somente a locupletação. Ao assumir um cargo na prefeitura de uma cidade, qualquer uma, ele assume o compromisso de ser um administrador. Cabe ao administrador fazer as coisas funcionarem, o que, vergonhosamente, não vem acontecendo nem no Rio de Janeiro e muito menos em Salvador, que não tem tanta visibilidade na mídia nacional como tem a cidade maravilhosa.

Pelos lados de cá, o caos é o mesmo em época de chuvas. Todo ano, as tragédias se repetem, moradores de áreas humildes perdem bens acumulados em uma vida inteira de trabalho duro, e vidas são perdidas impunemente. Foram mais de 200 mortos no Rio.

Quantos terão que morrer em Salvador para que alguma providência seja tomada? O mais leigo dos soteropolitanos e o mais distraído em questões climáticas sabe que, ano após ano, entre os meses de março e abril, as chuvas castigam a cidade e o estado. Onde estão as ações preventivas? O que é oferecido para essas pessoas? Ajuda de custo por alguns meses em valores pífios que não dão conta de um aluguel decente? É altamente frustrante perceber que as pessoas se encontram temerosas em relação ao período de chuvas e sentem que a história se repetirá com famílias chorando seus mortos e suas perdas afetivas e materiais.

E não venham afirmar que é falta de dinheiro para ações preventivas. O dinheiro chega através do governo federal como chegou a Salvador no ano passado, quando a cidade ficou em estado de emergência em decorrência dos temporais, e chegou também ao Rio de Janeiro nesta tragédia de agora. Para onde foi o dinheiro? Porque com esta verba, não foram construídos conjuntos habitacionais, com estrutura urbana, presença do poder público e saneamento básico? Agora, como antes, as pessoas sofrerão madrugadas insones esperando por uma ajuda divina que não parece chegar.

Alegria do povo e belezas naturais desviam a atenção das agruras enfrentadas pelos soteropolitanos no dia a dia

Quem morrer neste ano de 2010, por causa da chuvarada, quem perder seus bens, vai ouvir o quê do poder público? Até quando essa história vai se repetir? Até quando os governantes vão se dedicar às áreas mais nobres das cidades,
construindo belas praças para a classe média, com banquinhos e brinquedos de balanço, tapando rios, indo numa total contramão das iniciativas tomadas em outros lugares do mundo, e relegando a nenhum plano, os mais pobres, os bairros suburbanos, as pessoas que usam o ineficiente e insuficiente sistema de transporte coletivo e tem que esperar a condução embaixo de abrigos que não abrigam nada, que molham quando chove e queimam quando faz sol.

Parece lugar comum, mas é a mais pura realidade: e se os políticos morassem em áreas de risco no subúrbio, precisassem tomar ônibus para se locomover na cidade e  “fizessem uso” da cidade no seu cotidiano, coisas como essas aconteceriam? Essa postura precisa mudar, o governante precisa estar conectado com as necessidades do povo que está sob sua responsabilidade. E aqui, vem mais um lugar comum, o voto precisa ser usado com consciência. Não basta esbravejar que não há opções, que as alternativas postas na urna eletrônica são igualmente ruins. Há que se agir, exercer seu direito até que os governantes incompetentes sejam banidos das administrações públicas. Leva tempo, muito tempo, mas a mudança ainda está em nossas mãos.

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Morte… e a dor da perda

Morte. A palavra, por si só, já carrega um peso. É a única certeza que temos na vida, a de que todos morreremos um dia. Mas é difícil se preparar para perder alguém. Algumas almas elevadas conseguem lidar bem com as perdas, mas acredito que a grande maioria das pessoas não está pronta para ver arrancado de sua vida alguém que ama. A gente sente uma saudade diferente. É uma saudade amarrada pela certeza de que nunca vai passar. É uma saudade que vai ser eterna. A gente apenas se acostuma a conviver com a ausência, mas não esquecemos, não deixamos de sentir falta… as memórias permanecem, o peito aperta em cada lembrança, e só o tempo mesmo para acalmar o coração…

A compreensão da morte vai depender da crença religiosa de cada um. Cada um interpreta o ato de morrer de uma forma diferente. Para alguns, voltaremos em uma nova encarnação; para outros, ali acaba a vida…. Teorias não faltam para tentar explicar a morte… Mas o fato é que é difícil perder alguém. Para mim, pelo menos. Um vazio parece invadir nosso peito, a sensação de que você não está vivendo aquilo, uma vontade de que seja tudo um sonho, um desespero que a gente não consegue explicar… O descontrole inicial passa, e você cai na real: a pessoa já não está em sua vida, não daquele jeito a que você estava acostumado.

Aquela rotina que vocês cumpriam já não existe. Você sempre espera a pessoa chegar naquela hora de costume, mas ninguém bate à porta… No horário do telefonema, ele simplesmente não toca… Ouvir a voz dando bom-dia, ouvir a voz falando qualquer coisa… As fotos trazem lágrimas, você pensa que podia ter feito tanta coisa mais, pensa que podia ter falado tanto mais, pensa que podia ter feito algo diferente, ainda que não tenha feito nada de errado… Enfrentar a morte é um processo que exige tempo para que consigamos lidar melhor com a situação, com a ausência em si… Eu perdi alguém. E eu nunca havia pensado no quanto dói perder alguém.

Mas a vida segue seu rumo, impiedosa. Os dias continuam passando a cada 24h e o resto de sua vida caminha a passos largos, ainda que você precise dar um tempo de tudo. Só que hoje, não temos tempo nem para o luto. Não que ninguém deva se entregar à dor e lá ficar. Não é isso… A questão é que é impossível exigir que funcionemos como se nada tivesse acontecido. É impossível desvincular o emocional das nossas rotinas diárias. Mas a nossa sociedade apressada não quer saber disso. Não temos mais tempo para chorar. Ou então choraremos a caminho de algum lugar, ou enquanto executamos alguma atividade…

A fase de luto não é fácil. Dói, machuca… nossas lembranças se viram contra nós, porque trazem à tona as imagens que gostaríamos de esquecer. O mundo não para, os segundos correm, o tempo passa… Sinto falta de termos mais tempo pra gente. Sinto falta de termos tempo pra ficar em casa vendo sessão da tarde e comendo pipoca… Porque um dia nós é que vamos morrer… e a perda me fez pensar no quanto é importante se preocupar com o que você anda fazendo da sua vida… Eu queria poder ter mais tempo pra chorar, mas ele, meu tio, tenho certeza de que só ficará feliz quando me vir rindo, lá de cima… Ele sempre ficava feliz quando eu estava bem.

As lágrimas ainda caem, mas o riso já estampa meu rosto, em homenagem a ele, que passava a vida a sorrir… Um dia seremos cada um de nós, deixando esse mundo. Mas enquanto eu tiver nele, escolhi que vou fazer o melhor pra ser feliz e viver. Viver mesmo, dedicando tempo àquilo que me dá prazer, a sentar com meus amigos, a ficar deitada vendo filme… Toda perda nos faz refletir…. Eu quero aproveitar cada momento que eu posso ter ao lado das pessoas que amo. Quero aproveitar cada segundo ao lado delas… Chorarei pela perda de cada um que amo, mas farei brilhar no rosto um riso, por ter podido compartilhar tudo o que foi possível enquanto estavam ao meu lado.

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Livros que podem te ajudar a superar o momento:
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>> Terapia do luto (J. William Worden)
>> Do luto à luta (Glaucia Rezende Tavares)
>> Consolo para quem está de luto (Renold Blank)

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