O último espetáculo da velha Fonte Nova

*Texto da jornalista Giovanna Castro

Quando acordei hoje de manhã e comecei a me preparar para ir para o Dique do Tororó, onde acompanharia a implosão do estádio da Fonte Nova, não imaginei que viveria a experiência insólita de vibrar juntamente com a torcida do Bahia. Imagina só, eu que sou rubro-negra desde criancinha! Mas era por uma boa causa. A Fonte Nova veio abaixo em cerca de 12 segundos unindo corações de torcedores das mais diferentes agremiações, mas especialmente das dezenas de torcedores do Bahia que equivocadamente ou não, tomaram a Fonte como sua ao longo dos anos, e que foram dar adeus ao que consideravam sua propriedade devidamente uniformizados. Enfim, coisa de torcedor apaixonado. Mas também vi por lá, caminhando no trecho do Dique liberado para o público, leões uniformizados e igualmente tomados pela expectativa de testemunhar o último espetáculo da velha Fonte Nova.

Torcedores que têm história pessoal com a Fonte, especialmente os tricolores, se posicionaram à beira do Dique do Tororó para acompanhar a queda do velho estádio

A expectativa crescia à medida em que o tempo ia passando e chegando mais perto da hora marcada para a implosão, 10h. Cheguei cedo, por volta das 9h e comecei a me sentir tomada por uma nostalgia e ao mesmo tempo me sentindo uma pessoa muito importante porque no futuro vou poder contar para meus filhos ou netos, se os tiver, que vi a implosão da velha Fonte. Um momento histórico do qual participei antes (já já explico o porquê deste antes), durante e, se tudo der certo, depois. Foi um espetáculo lindíssimo e emocionante. O estopim vermelho prenunciou a queda da fonte que rapidamente virou pó. Me emocionei muito a ponto de deixar de lado o foco da câmera digital que levei para gravar o episódio e preferir ver a olho nu o que se passava na minha frente. “Muito bom, muito bom, muito bom!”, repeti, impressionada.

Logo em seguida, uma nuvem de fumaça enterrou as minhas lembranças de jogos que fui ver com amigos e ex-namorado. Sabe como é, quando a gente gosta até assiste jogo do Bahia achando tudo lindo! E foi assim comigo. Vi jogo do Palmeiras nos anos 90, na era Parmalat, quando o palestra ganhava tudo e mais um pouco, vi jogos do Vitória, vi jogos do Bahia e também jogos sem muita repercussão nas tabelas dos campeonatos e em campeonatos inexpressivos. A sensação era sempre a mesma, a emoção de ver os torcedores gritando palavras de ordem a uma só voz, bandeiras, lenços e braços agitados, rolos e mais rolos de papel higiênico, fogos de artifício, fumaça, muito fumaça. E era como se pudesse tocar a energia que era passada para cada um dos jogadores lá dentro do campo.

Imprensa compareceu em peso para registrar momento histórico da primeira implosão de estádio da América Latina. Disputada pelos jornalistas, a elegância sutil de Bobô, ídolo tricolor

Quando vi a Fonte cair, me lembrei dos muitos degraus que subi até chegar a uma melhor posição. Nunca sentava atrás dos gols, sempre numa posição central que, na minha opinião, proporcionava melhor visão da partida. Lembro que sempre me fazia falta o replay da jogada, mas também me lembro muito claramente da sujeira dos corredores, do fedor de mijo nas arestas de concreto, da impossibilidade de ir ao banheiro, do concreto imundo das arquibancadas em qualquer local do estádio, mesmo nos chamados camarotes, nome pomposo demais para o que eram na prática.

Nada disso, acostumados que estávamos a tamanho descaso, atrapalhava o envolvimento com as trocas de passe e não calava cada grito de gol, nem a gostosa sensação de ver o time sair vencedor. E também a gozação de ver o Bahia perder para algum time de menor representatividade. Afinal, lá se vão dez anos de segundona.

Mas, voltando ao dia de hoje, sabe aquela sensação de que algo muito importante vai acontecer na cidade e que você precisa estar presente? Foi exatamente isso que eu senti. Devo confessar que fiquei um tantinho nervosa, tamanha a expectativa em torno da queda da mega estrutura. Ontem mesmo dava boas risadas com minha mãe que estava lá dentro da Fonte quando foi inaugurado o anel superior, em 1971. Eu nasceria no final do ano seguinte. Minha mãe conta que foi ao local com meu pai acompanhar a inauguração e lembra que naquela semana havia surgido um boato na cidade de que a estrutura desabaria.

Minha última foto da Fonte, tirada minutos antes do início da implosão

Na época, algumas construções edificadas por um funcionário que trabalhava na prefeitura, conta minha mãe, caíram, criando o temor de que o mesmo aconteceria com a Fonte, ainda que uma coisa não tivesse nada a ver com a outra. Coisas do imaginário coletivo. Minha mãe fala entre séria e risonha que perdeu o sapato na confusão e que foi segura pelo meu pai enquanto ficaram esperando a confusão passar. No meio do tumulto, ela não recorda exatamente, mas parece que alguém soltou uma bomba no meio do estádio e o estrondo despertou o pânico entre as pessoas que já estavam ressabiadas com a história do empreiteiro, digamos, picareta.

Foi o fim de pelo menos cinco décadas de grandes espetáculos do futebol

Ela me contou também que, alguns anos depois, voltou à Fonte comigo e meu irmão mais velho ainda pequenos para ver o Papai Noel descer de helicóptero no meio do gramado. Outra confusão, mais aterrorizante ainda para ela porque estava sozinha com duas crianças totalmente indefesas. Restou a ela encostar-se num paredão e aguardar a turba passar espremidinha com a cria. “Desde aquela época, não quero saber mais de aglomeração. Não quero conta”, diz, meio traumatizada, porque minha mãe não é de se consumir com as coisas, não. No segundo seguinte, ela está dando risada lembrando do sapato perdido e do boato sobre a queda da Fonte que rondou a inauguração do novo anel. Coisas de uma época em que as pessoas não eram tão acostumadas com a tecnologia e o fato de uma construção não estar exatamente “assentada no chão” causava medo.

Espetáculo da engenharia foi concluído em cerca de 12 segundos e a nuvem de poeira se dissipou rapidamente

Enquanto aguardava a enorme cortina de fumaça assentar, observava os gritos de empolgação das pessoas, que me remetiam aos momentos de gol comemorados nas arquibancadas da Fonte. É engraçado, mas a queda da Fonte também trouxe alegria para o público que pode ver de perto o acontecimento. Era como uma catarse que servisse para guardar para sempre na memória os momentos bons e apagar de vez da mente momentos trágicos. O grito das pessoas, em sua maioria torcedores e soteropolitanos que tinham o equipamento como parte da cidade e de suas vidas, foi uma forma de cumprimentar o estádio pelos serviços prestados e dar as boas vindas para a Nova Fonte.

É como disse o jogador da elegância sutil, Bobô: “A gente vai começar a construir uma nova história. Momento que não vou esquecer nunca é após a saída dos portões do estádio, com a torcida nos esperando lá fora. Este talvez tenha sido o momento mais marcante. Famílias inteiras, crianças que esperavam o ídolo com um presentinho. Até hoje me lembro com muita frequência. Cada um que construiu seu legado aí, não vai esquecer. Fico muito feliz de estar participando de dois ciclos, da velha Fonte Nova, que vivi com muita intensidade, com orgulho muito grande, e de estar trabalhando na nova Fonte Nova que é uma outra história a ser construída por uma geração nova de atletas”, disse o ídolo do campeonato brasileiro conquistado pelo Bahia em 1988.

Fonte Nova agora são escombros e o espaço dará lugar à nova arena, que deve começar a funcionar em janeiro de 2013, com expectativa de 80 eventos anuais com média de preço do ingresso de R$39

Jogador que, nos anos 70, foi ídolo das torcidas do Vitória e do Bahia, Osni demonstrou emoção: “Sinto hoje mais alegria que tristeza. Eu joguei nessa Fonte Nova, na outra não vou jogar, estarei lá somente como torcedor. Aquilo que eu vivi, que Bobô viveu e todos os jogadores da Bahia e do Brasil que fizeram história na Fonte Nova, que fizeram gols bonitos, já está marcado. O que é importante não é pensar em tristeza, vemos uma antiga era terminando e vamos ver uma nova era começando. A Fonte Nova de 2013 é a Fonte Nova que o torcedor merece”.

Para mim, a sensação foi um misto de alegria e tristeza. De não ter mais a velha Fonte e da expectativa de comprar os ingressos, possivelmente pela internet, para ver os jogos da Copa do Mundo de 2014 na nova Fonte. Faço questão de voltar à Fonte, que não vai ser mais a mesma, é óbvio, mas que vai certamente incorporar toda a mística do nosso maior templo esportivo. Amanhã, volto a fazer meu trajeto rumo ao trabalho, de manhã cedinho, e vai ser o primeiro dia em toda a minha existência em que não verei no horizonte o anel superior do estádio Otávio Mangabeira. A gente se acostuma com tudo nessa vida, mas vai ser uma espera difícil. Mas, pensando bem, três anos não demoram tanto assim…

Confira a implosão da Fonte Nova, neste domingo, 29 de agosto:


Gente, peço mil desculpas por não ter postado mais cedo, mas hoje foi o dia em que a tecnologia não me favoreceu. Levei máquina digital para filmar a implosão e filmei, além de ter gravado no celular entrevistas com o ministro dos esportes, Orlando Silva, com os jogadores do Bahia Osni e Bobô, além do titular da Secopa, secretaria que cuida dos assuntos da Copa de 2014 em Salvador, Ney Campelo, mas não consegui editar o vídeo e não consegui baixar do celular os áudios. Tudo que planejei foi por água abaixo. Fico devendo as minhas imagens e os meus áudios, mas ficam algumas das minhas fotos e o registro da emoção no dia em que a Fonte Nova virou pó e entrou inapelavelmente para a história do futebol nacional e para o imaginário dos torcedores que lá tiveram grandes e inesquecíveis momentos de divertimento.

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O Vitória não perdeu a Copa do Brasil. Foi o Santos que ganhou

*Texto da jornalista Giovanna Castro

Nos últimos dias tenho ouvido muito falar na palavra “planejamento”. Parece que é uma palavrinha mágica que resolve todos os problemas da vida. Mas para planejar é preciso saber onde se quer chegar, para onde se pretende ir. E é aí que entra a inspiração deste texto de hoje, o jogo do Vitória contra o Santos, pela final da Copa do Brasil, disputado nesta quarta- feira, no Barradão, em Salvador. Eu sou torcedora do Vitória e serei julgada por isso nestas minhas bem traçadas linhas, especialmente pelos torcedores do nosso maior rival, o Bahia.

Mas esse não é o ponto. A questão é que o Vitória tem um objetivo e está trabalhando para chegar lá. É claro que não serei ingênua a ponto de afirmar que não há problemas no clube em termos de gestão, estrutura e organização de equipe. Certamente há, mas a trajetória que o time desenha mostra claramente que o primeiro título nacional do nosso escrete é uma questão de tempo, obviamente se o plano for seguido à risca como aparentemente vem sendo.

Torcida empurra o Vitória com as mãos, na goleada de 4X0 contra o Atlético-GO, numa demonstração de paixão rubro-negra. Quem disse que nossa torcida é "fria"?

A partida de ontem foi boa, o Vitória jogou bem, teve chances e conseguiu sufocar o time do Santos em alguns momentos, mas não conseguiu superar a enorme vantagem conquistada na Vila Belmiro (SP). O atletas do Vitória apresentaram muita raça e brio ao longo do jogo inteiro. E a presença da torcida com seu apoio incondicional até o final foi uma forma incontestável de mostrar que estamos todos confiantes no trabalho que vem sendo feito. Ou pelo menos na raça que nossos jogadores deixaram em campo.

Ganhamos a partida por 2X1 e, se não fosse o percalço de Santos, não dá para saber exatamente, mas as coisas poderiam ter sido bem diferentes. Já ouvi coisas horríveis sobre a torcida do Vitória e a mais recente delas é que a nossa torcida é “fria”. Não foi isso que eu vi naquele belo espetáculo no nosso Barradão.

As luzes vermelhas dos sinalizadores, os braços agitados ao som dos gritos de guerra das organizadas – “VI-TÓ-RIA!!!!!!” – uma verdadeira declaração de amor das mais contundentes e emocionantes que impressionou até mesmo os mais sisudos narradores do Sul/Sudeste. Sempre mal informados sobre o que acontece aqui no Nordeste e auto-centrados nos seus umbigos em torno do “Curíntia”, do “Flamêêêango” e, no máximo, de algum time mineiro ou gaúcho.

Me incomoda altamente o jeito com que nossos clubes nordestinos continuam sendo tratados, com desdém e até desprezo mesmo. E isso inclui o “glorioso” Bahia. Semana passada, vi um programa esportivo de grande repercussão nacional, transmitido pela Band, em que o locutor dizia que não havia chance para o “Vice-tória”. O que é isso? Sou torcedora, mas também sou jornalista e acredito que essa postura é altamente desrespeitosa e não o é somente com o Vitória, mas com qualquer time dos lados de cá do Brasil que merecem análises corretas, baseadas em números e a trajetória do Vitória apresentou números à mancheia que pouco foram mencionados.

Vermelho flamejante dos sinalizadores da partida contra o Atlético-GO, se repetiu na noite de gala contra o Santos

A campanha dentro do Barradão foi irretocável. Teve várias goleadas, algumas delas de 5, outras de 4. A zero. O menor placar foi de 2X0 e construído contra o Vasco. Porque exaltar somente os triunfos do adversário? Minha torcida pelo Vitória não tem a ver com fanatismo. Eu torço, mas analiso racionalmente também. Obviamente que, neste momento, o Santos é um time superior ao Vitória e soube controlar a partida que foi liquidada no momento do primeiro gol.

Torci muito para que o Vitória marcasse nos primeiros 15 minutos, mas não deu porque os jogadores que estavam do outro lado eram os jogadores sensações de 2010, talentosos, bem treinados e num esquema bem armado por Dorival Jr, que teve a inteligência de saber usar o talento de cada um deles nas posições em que eles podem exercer seu talento com liberdade, ao invés de engessá-los num esquema e obrigá-los a jogar de um modo diferente da sua essência.

Neymar, Robinho, Ganso, Arouca, André, Wesley e os demais mereceram o título, são excelentes jogadores e o Vitória mostrou que está à altura deles. Apresentou um espetáculo único, lutou de igual para igual até o fim. Não ganhou, é do jogo. O importante é que somos vice novamente, mas chegar numa final deste porte já demonstra várias coisas muito significativas. A permanência do valoroso Ricardo Silva no comando – diferente da cultura do mundo boleiro que é demitir o treinador à primeira dificuldade – é uma delas. Demonstra, no mínimo, que o caminho que está sendo trilhado é acertado e a vitória do Vitória, certamente virá. Estarei ao lado do time quando isso acontecer. Parabéns, Vitória! Vamos em frente!

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