*Texto da jornalista Giovanna Castro
Conversando com uma amiga esses dias, me lembrei de alguns momentos de infância e voltei a comentar sobre o jeito de viver dessa criançada de hoje em dia. Nessa nossa contemporaneidade pós-moderna, para ser mesmo redundante, criança usa cada vez menos a imaginação. Tudo em torno da criança é comprado nas lojas e muitas delas nem sequer viram um morango, apesar de tomar todos os dias o iogurte com esse sabor. São crianças de apartamento e supermercado.
Uma gurizada altamente super protegida que não pode sequer andar alguns metros do carro até a porta da escola porque os pais insistem em praticamente deixá-las dentro da sala de aula, de carro. E haja fila dupla. Entendo perfeitamente os argumentos sobre a violência que assola Salvador, mas convenhamos, é um exagero de classe média que atrapalha muitas vias nos horários de entrada e saída dos estabelecimentos. Vamos ser cuidadosos, mas neurose faz mal até mesmo para a própria criança que cresce poupada da realidade em seu entorno. Que acha que qualquer guri que não pareça com ela é pivete e vai ameaçá-la de morte tentando levar seu tênis ou celular da moda.
Para muito além dos benefícios que alguns alardeiam sobre os jogos eletrônicos, essa criança dos dias de hoje anda muito automatizada. Guardadas as sempre honrosas exceções, não sabe fazer trabalhos manuais, não mexe mais com papel de seda, papel cartão, cola, linha, pedaços de sucata e madeira. Eu me lembro muito bem que em épocas festivas como São João e Copas do Mundo, meu pai me chamava para ajudar a fazer bandeirolas do tipo pé de banco ou mesmo correntes feitas com tiras de papel de seda colorido.
Mesmo que uma atividade inicialmente divertida, terminasse virando cansativa, afinal, poucas crianças pequenas conseguem se concentrar por muito tempo numa mesma tarefa, aquilo era marcante para mim, pois eu tinha criado alguma coisa. A sensação de ver o papel colorido em folhas enormes, ser recortado, transformado em figuras geométricas e depois estendido com capricho no alto perto do teto de casa, era indescritível.
Eu até hoje sei fazer arraia, como a gente chama aqui em Salvador, ou pipa, em outros lugares, sei fazer balões, sei fazer chapéu de soldado com folhas de jornal, aviõezinhos de papel e lembro que isso me distraía por bastante tempo. Volta e meia me pego fazendo dobraduras relaxantes. Mas o que é que acontece hoje, em tempos de São João? Pais e mães vão às lojas, compram tudo pronto e só têm o trabalho – isso se não mandarem a assistente do lar ou a diarista fazer – de pendurar o material.
Em tempo de Copa é a mesma coisa. Poucos são os que estimulam a garotada a fazer pinturas de camisa com as cores da bandeira nacional, inventar sua própria decoração e brincar de imaginar mesmo. Será que é porque dá trabalho? Despende-se muita energia nesse serviço? Porque com certeza sai mais caro e bem menos divertido fazer as coisas com as próprias mãos. Se um dia eu tiver um filho ou uma filha, ele ou ela com certeza vai aprender a fazer trabalhos manuais porque isso trabalha a imaginação, trabalha a paciência, ensina regras e ainda melhora a coordenação motora. Praticidade demais, às vezes, só atrapalha.
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