O Conversa de Menina recebeu um bom artigo sobre educação da professora Débora Vaz, consultora pedagógica de uma escola em Tamboré, estado de São Paulo. No texto, ela analisa a educação atual e a postura das escolas diante das novas tecnologias, da nova conjuntura social, das mudanças de comportamento. Valoriza as lições passadas, mas oferece a perspectiva de olhar o presente e projetar o futuro. Certas lições não devem jamais ser relegadas, enquanto outras precisam ser atualizadas. Para quem gosta do tema educação ou para quem tem filhos em idade escolar, é um ótimo texto de análise. Confiram:
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Fundindo passado e futuro
Débora Vaz*
A escola que dará aos alunos condições para se tornarem adultos comprometidos com as questões de seu tempo, com a vida profissional e cidadã tem um compromisso com o presente e o futuro, mas também é resultado de um passado de referencias, ganhos e perdas. Uma escola inteligente deve acompanhar o tempo e as transformações históricas. Tem uma discussão interessante a se fazer com a comunidade de educadores e pais que é sobre quais aspectos da educação que não gostaríamos que fossem alterados, porque são princípios atemporais.
Valores como o respeito, cooperação, procedimentos de cuidado com material e organização pessoal não deveriam e nem podem ser substituídos ou abandonados. Mas também deveríamos compreender melhor quais são os aspectos que o tempo e as pesquisas aprimoram, ou seja, sabemos algumas coisas hoje sobre as formas de ensinar e aprender que nossos professores não sabiam quando estudávamos. Não são mudanças geradas por desejos empíricos ou não fundamentadas.
Hoje sabemos coisas que não sabíamos antes. Sabemos, por exemplo, que decorar tabuada é bom se os alunos compreenderem o campo multiplicativo, porque se eles não aprenderem os conceitos de multiplicação, não adianta decorar, pelo contrário, atrapalha porque eles não sabem o uso que tem que fazer disso.
A escola tradicional do passado acreditava que boa parte das aprendizagens acontecia pela memória. Sabemos hoje que uma parte pequena do aprendizado de fato é operada, ou melhor, acontece pela memória. Porém, existem outros tipos de aprendizagens escolares que acontecem quando o aprendiz entra em contato direto com o objeto de conhecimento, é pelo uso freqüente e acompanhado por alguém que saiba e que o oriente que a aprendizagem se dá. Também aprendemos a nos relacionar com o conhecimento de uma determinada área, quando nos relacionamos ou presenciamos pessoas que gostam de fato daquilo que desejam ensinar, que sejam usuárias competentes, os alunos podem dessa forma observarem um ambiente coerente.
E é nesse ambiente que os alunos constroem uma atitude favorável em relação ao ato de conhecer. Uma outra coisa que sabemos é que conceito não se ensina por definição, mas estabelecendo relações de semelhanças e diferenças, comparando, negando, substituindo, observando, verificando, comprovando e analisando. É uma diferença enorme entre a tradicional do passado e algumas boas escola de hoje.
Se essas explicações sobre a aprendizagem e o ensino são fundamentadas e carregam uma lógica potente, por que a escola é tão resistente a trazer para dentro dela esses conhecimentos mais recentes? Por que uma instituição que deveria funcionar para entender melhor o mundo em que vive usa metodologias que, comprovadamente, não funcionam e que pouco ajudam e auxiliam as crianças a viverem e aprenderem melhor? Um exemplo disso é o uso da tecnologia.
Existem escolas que insistem em caligrafia para alunos que têm uma escrita legível, mas não “aquela” letrinha de professor. Ora, esses meninos digitarão. Que insistência é essa com esse modelo de escrita que vem sendo substituído pela escrita digitada?
Essa escola de hoje reconhece que, assim como a tradicional, escrever bem é bom, mas que existem mecanismos de ensino que nós temos hoje que antes não existiam. Pertenço a um grupo de educadores que acredita que devemos debater e refletir sobre COMO usaremos a tecnologia a serviço de melhores aprendizagens, mas não perdemos tempo em debates se a utilizaremos ou não – ela está aí.
A questão é como a escola vai ensinar os alunos a usar onde ela é de fato potente. Um exemplo bom é a norma de escrita. Se eu acho que um bom trabalho com a linguagem é aquele que ensina os alunos a adequarem a escrita ou a fala à situação comunicativa, isso também serve para a tecnologia. Os alunos têm uma gramática de escrita dos intertextos e tudo que eles usam no msn e orkut serve para aquela situação comunicativa, mas não serve para escrever em outras situações.
Eles precisam então, aprender a adequar a escrita à situação comunicativa. Eu tenho a convicção de que os pais não precisam entender didaticamente as escolhas das escolas, eles precisam compreender o que é fundamental para poder legitimar. Nesse sentido, eu acho importante desenvolver esse discurso que ajuda os pais a compreenderem melhor a escola. É da minha experiência nas situações de atendimento com os pais e também em pesquisas sobre as didáticas de hoje, que fui compreendendo quais eram as dificuldades que os pais tinham e ainda têm para compreenderem a escola atual.
Eu não sei se a escola de antes funcionava tão bem como o nosso saudosismo nos permite acreditar. Vou dar um exemplo: o primeiro índice de insucesso escolar ao final da primeira série do IBGE é de 1956, que apontou que nem 50% dos alunos eram aprovados. Mas por que é que tinha tanta reprovação e a gente não percebia? Primeiro porque o número de alunos que freqüentava a escola era menor, segundo porque as famílias acreditavam que essas crianças não tinham talento e mandavam para a roça ou para outros fazeres que naquela época pudessem prescindir do estudo formal. E, se considerássemos que talvez, a nossa escola – a que estudamos- não tenha de fato sido tão boa e efetiva? Nós somos uma geração de pessoas que, tendo estudado não lê, e tendo estudado tem problemas com a escrita.
O mercado de trabalho está esperando profissionais que convivam com a diversidade, que tenham uma boa relação para transitar entre diferentes situações comunicativas. Se a escola não formar para isso, aí sim eles terão um problema na formação.
*Débora Vaz é diretora pedagógica da Escola Castanheiras, em Tamboré, SP
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