Reflexões sobre a intransigência e as pequenas mesquinharias

*Texto e reflexões de Andreia Santana

Intransigência é a incapacidade de reconhecer um erro ou aceitar uma opinião divergente. Ao longo da vida, vez por outra, nos deparamos com pessoas intransigentes. Não que elas sejam obrigadas a aceitar nosso modo de ver a vida, mas mesmo que as suas opiniões não mudem por nossa causa (seria pretensão da nossa parte e pretensão também é defeito), ao menos que elas sejam capazes de reconhecer esse outro lado, outra forma de fazer, que aceite e que respeite. Infelizmente, não é o que acontece e na maioria dos casos, os intransigentes, os que nunca admitem ou reconhecem estar errados, são justamente os que praticam os pequenos atos mesquinhos do título do post.

Julgar alguém mesquinho pode parecer injusto e há os que sequer admitam que devamos julgar os outros. Mas, me pergunto, como saber em quem confiar se você não julga – no sentido de avaliar e não de apontar o dedo – o caráter das pessoas? Já defendi uma vez aqui mesmo no blog que julgar (avaliar), todos julgamos sempre, desde o tipo de dieta que vamos adotar até se determinada pessoa é alguém com quem vale a pena construir um relacionamento, seja a dois ou uma amizade. O que não temos o direito é de condenar, de ser intransigentes e de não tentar ao menos entender os motivos pelos quais as pessoas fazem determinadas coisas, tomam certas atitudes. Mesmo quando não concordamos com a atitude, temos ao menos de tentar entender.

No final, o que está em jogo é saber se queremos manter-nos fieis a alguém que na primeira dificuldade age como uma porta fechada ou um muro de pedra, de forma intransigente e incapaz de doar-se, de fazer a sua parte. E aí, o não condenar não significa que sejamos ingênuos e portanto, alvos fáceis para os pequenos – e os grandes – atos de mesquinharia que os intransigentes geralmente praticam. O não condenar significa apenas: “não concordo com você, aceito que você tem a sua forma de ver e fazer as coisas, mas eu não quero tomar parte nisso”. Afastarmo-nos de intransigentes e mesquinhos, ao meu ver, é muito mais nobre e saudável do que praticar a vingança e dar o troco (esse sim, ato dos mais vis e mesquinhos).

O raciocínio pode parecer meio confuso, mas é bem simples e gira em torno de uma única palavra, que por sua vez traduz um único sentimento, que por sua vez é a base de qualquer relacionamento humano: confiança. Vira e mexe estou falando nela por aqui, vai ver é porque já sofri algumas decepções ao longo da vida e, ao contrário do que muita gente pensa, quanto mais decepções sofremos com determinadas pessoas, mas a confiança naquelas que valem a pena aumenta. É uma forma de compensação. Ao ser traídos em um relacionamento, tendemos a nos jogar de cabeça no relacionamento seguinte, justamente por acreditar que dessa vez vai ser diferente. Confiança não faz rima com esperança apenas por capricho da gramática.

Isso vale também para as amizades. Quando sofremos uma decepção com alguém que trouxemos para nosso círculo íntimo, tendemos a nos curar da ferida ao lado daqueles outros amigos que temos a certeza plena, como a de respirar todos os dias, que são de extrema, máxima, ilimitada e incondicional confiança.

Esses amigos para todas as horas agem como os fãs daquele cantor da banda de rock. No palco, o cantor precisa ter uma confiança cega de que ao se jogar do palco para a plateia, de costas e de olhos fechados, seus fãs fieis vão ampará-lo e não deixá-lo estatelar-se no chão. É o que a psicologia chama de confiança básica, porque é a primordial, a que agrega o animal humano em bandos grandes como a sociedade e pequenos como a família. E a não ser nos casos de violência extrema e total retirada do alicerce desde a mais tenra infância, todos desenvolvemos o mínimo de confiança básica para permiter a vida possível e, lógico, agradável.

Nos dias de hoje não é fácil confiar como o cantor da banda de rock. As relações são fugazes e sem profundidade. As pessoas usam umas as outras sem remorsos, da mesma forma que costumam usar uma peça de roupa até gastar e depois, jogá-la fora e comprar outra. Daí para atitudes intransigentes e atos mesquinhos em quem menos esperamos é um pulo. Por ambição, as pessoas sacrificam amizades, sacrificam o próprio nome e o de outros, tornam a ética algo tão maleável e flexível, que deixa de ser ética. Reconhecemos esse tipo de pessoa de diversas formas ao longo da vida – e elas tanto podem estar dentro ou fora da família -, mas na construção de uma parceria que envolve por exemplo, benefícios como prestígio e dinheiro é que se revelam de imediato.

Mas, embora lamente essa perda da confiança básica de forma generalizada na humanidade, ainda acredito nas pessoas que valem a pena. Elas são raras, mas existem. Uma vez, inclusive, numa entrevista para o escritor e jornalista americano Norman Mailer, Sigmund Freud, ao ser questionado sobre o que o faria realmente feliz, respondeu que o que esperava era que em toda a sua vida fosse capaz de encontrar uma única pessoa que o compreendesse e a quem ele pudesse chamar de amigo, no sentido irrestrito da palavra.

Amigos assim como Freud descreve são raríssimos, quase milagrosos, mas existem. Pessoalmente, tenho pouquíssimos desses, mas eles são do tipo que, tenho certeza como a de respirar todos os dias, vão me amparar se eu me jogar do palco de costas e com os olhos fechados.

*Andreia Santana, 37 anos, jornalista, natural de Salvador e aspirante a escritora. Fundou o blog Conversa de Menina em dezembro de 2008, junto com Alane Virgínia, e deixou o projeto em 20/09/2011, para dedicar-se aos projetos pessoais em literatura.

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De onde vem a família moderna

Família. O que vem à sua cabeça ao pronunciar esta palavra? Talvez a primeira coisa em que você pense seja seus pais, irmãos, avós, tios e primos. O assunto família é um dos que mais me instiga. Talvez por isso eu tenha fuçado alguns livros que falam sobre sua evolução histórica. “Que assunto mais chato”, há quem pense assim. Pra mim, esse conhecimento do contexto de formação da unidade familiar contemporânea ajuda muito a compreendermos tantos dramas sociais que se desenvolvem hoje nas relações conjugais. Ajuda a entendermos nossos papéis, de mulheres, nisso tudo.

Fazendo uma passagem relâmpago pelo estudo da evolução das relações conjugais, a gente vai perceber que houve momentos históricos bem pontuais. Passamos das relações grupais para as individuais. Tudo começou com uma fase de promiscuidade sexual, anos lá atrás. Apesar do significado pejorativo que o termo já adquiriu na sociedade moderna, aqui estou tratando a promiscuidade apenas como as relações carnais desenvolvidas em uma determinada época em que não havia restrições impostas pelos costumes sociais. A sociedade não exigia a fidelidade masculina, então, naquela época, trair fazia parte do sistema.

FamiliaConsaguínea, punaluana, sindiásmica – Quando nasceu a família consanguínea, em que os grupos conjugais classificavam-se por gerações, ainda havia as relações grupais. E assim permaneceu com a chegada da família punaluana, quando foram proibidas as relações sexuais entre irmãos dentro dos grupos. O primeiro passo para as relações individuais veio com a família sindiásmica, em que um homem vivia com uma mulher, sem, contudo, perder o direito à infidelidade casual. E, então, vimos nascer a tal da monogamia, que, a princípio, garantia o direito à infidelidade masculina. O Código de Napoleão trazia expressamente esse direito, desde que a concubina não fosse levada ao domicílio conjugal.

O que eu acho mais curioso de tudo isso é a razão da formação das relações monogâmicas. A principal finalidade, naquela época, era tornar indiscutível a paternidade dos filhos. Não, meus caros, os homens não se tornaram fiéis por amor à mulher, por valores maiores. Nada disso. A aparente fidelidade masculina nasceu para garantir que a riqueza fosse mantida dentro da família. Porque com a morte dos pais, os filhos tornavam-se herdeiros diretos de seus bens (se bem me recordo das aulas de direito de família, antigamente o parentesco era considerado juridicamente até o 10º grau, justamente para garantir que a herança ficasse dentro daquele círculo familiar).

Nesse contexto, nós mulheres precisávamos aceitar tudo isso e, mais ainda, precisávamos ser fiéis. Imagina carregarmos em nosso ventre um filho de outro homem? Imagina descentralizarmos as riquezas de nossa família? É fácil perceber que a monogamia nasceu para escravizar um sexo ao outro e acabou fazendo surgir na sociedade expressões como “o amante da mulher casada” e, até, “o marido corneado”. Em toda a trajetória, a mulher sempre foi reprimida e submetida aos desmandos masculinos. Passamos a história caladas, obrigadas a nos manter em silêncio, obrigadas a aceitar tudo isso.  Fico um pouco angustiada lendo sobre estas questões, porque vejo que sempre acabamos nos reafirmando a serviço do capital, como falei certa vez em um post anterior.

Familia modernaHora de comemorar – Mas por outro lado, conseguimos conquistas valiosas ao longo da história. A ponto de hoje assumirmos uma produção independente, por exemplo, e, ainda assim, podermos chamar de família este núcleo familiar composto por duas pessoas, sem a presença de um homem para garantir o sustento. Esse novo conceito de família, devo dizer, me traz um certo alívio. Podemos decidir, escolher, podemos ter filhos sem mesmo precisar que um homem aceite a idéia. E isso, de alguma forma, traz uma sensação de liberdade.

Minha intenção aqui não é fazer julgamentos. Não vou tratar de qual a melhor forma de se criar um filho, ou qual o melhor tipo de família…  O propósito deste post é apenas de fazer com que nós, mulheres, possamos sentir orgulho de termos superado fases tão cruéis, de termos sobrevivido a tantas agressões sociais e, hoje, podermos estar aqui, discutindo estas questões. Podermos estar aqui decidindo que tipo de família queremos constituir. É um avanço, meninas. Um avanço considerável. Claro que há muito ainda a alcançarmos, mas preciso dizer que, analisando de onde começamos até onde chegamos, só posso concluir, orgulhosa, que somos vencedoras.

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Trecho do livro, para refletir:  “Assim, pois, o que podemos conjecturar hoje acerca da regularização das relações sexuais após a iminente supressão da produção capitalista é, no fundamental, de ordem negativa, e fica limitado principalmente ao que deve desaparecer. Mas o que sobreviverá? Isso se verá quando uma nova geração tenha crescido: uma geração de homens que nunca se tenham encontrado em situação de comprar, à custa de dinheiro, nem com a ajuda de qualquer outra força social, a conquista de uma mulher; e uma geração de mulheres que nunca se tenham visto em situação de se entregar a um homem em virtude de outras considerações que não as de um amor real, nem de se recusar a seus amados com receio das conseqüências econômicas que isso lhes pudesse trazer. E, quando essas gerações aparecerem, não darão um vintém por tudo que nós hoje pensamos que elas deveriam fazer. Estabelecerão sua próprias normas de conduta e, em consonância com elas, criarão uma opinião pública para julgar  a conduta de cada um. E ponto final.”

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