Warat: por uma nova filosofia do direito

Luis Alberto Warat

Amar y participar de un aula es la misma cosa.
Si no se puede crear un clima mágico, lo mejor es desistir
.”
(Luis Alberto Warat)

Ouvi falar em Luis Alberto Warat durante uma aula de hermenêutica jurídica. O professor da disciplina, Clovis, advogado militante da causa dos sem-terra, já tinha conquistado o meu respeito um semestre antes, durante as discussões que provocou quando tentava nos fazer compreender os ensinamentos da filosofia do direito. Para mim, o fato de ele mencionar o nome de Warat já significava muita coisa. Lembro de ter pesquisado um pouco sobre ele na época e de ter desenvolvido uma admiração pelas suas ideias sobre a necessidade de humanizar mais o direito. Mas admiração mesmo nasceu ao vê-lo ali, em minha frente, junto com mais um grupo de dez alunos em círculo, discutir arte, amor e sensibilidade em pleno curso de ciências jurídicas.

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Quer saber quem é Warat?
>> Veja vídeos do professor falando sobre sua história pessoal, formação intelectual e visão do futuro (em espanhol)
>> Acesse o currículo de Warat no CNPQ
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Lembro claramente da primeira pergunta que Warat fez àqueles alunos em início de curso, igualdadeansiosos por respostas a tantas dúvidas. Ele queria saber o que era direito. E por incrível que pareça, ficamos todos calados. Acho que por dois motivos especiais. O primeiro deles, porque quem estava perguntando era ninguém menos que Warat. E havia aquele receio comum de falar alguma coisa precipitadamente. E, segundo, porque o conceito de direito, embora pareça algo tão claro, é motivo de divergência entre os estudiosos mesmo. Alguns acreditam até que nem deve ser considerado ciência, embora eu não compactue com esta visão. Mas o fato é que após os segundos iniciais de silêncio, começamos, aos poucos, arriscar alguns palpites e participar da discussão. E entre um pitaco e outro, um aluno levantou a questão do direito x igualdade.

Claro, pensamos todos naquele momento, o direito precisa incidir de forma igualitária sobre todos. Ou, melhor dizendo, o direto deve tratar de forma igual todos os membros da sociedade. Foi quando Warat nos alertou, em seu espanhol arrastado aos nossos ouvidos atentos: Não. A função do direito não é tratar todos de forma igual. Pelo contrário, deve o direito tratar os desiguais de forma desigual, para que, aí sim, cheguemos perto de uma igualdade material. Não podemos viver diante de uma igualdade formal (aquela que sobrevive apenas nas letras da lei), mas precisamos de uma igualdade substancial (real, na qual os pares brigam judicialmente nas mesmas condições). Bastou para me fazer apreciar o pensamento de Warat e fazer mudar a compreensão que aquela caloura do curso de direito tinha construído até ali, reforçada pouco depois pelos ensinamentos de Hannah Arendt.

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Warat escreveu e você não pode deixar de ler:
>> Amor tomado pelo amor
>> Por quem cantam as sereias
>> A ciência jurídica e os seus dois maridos
>> Os quadrinhos puros do direito
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sensibilidadeEm sequência, uma nova reflexão, desta vez sobre a importância da sensibilidade aos operadores do direito. E eu concordei imediatamente após breves divagações que foram amadurecendo ao longo do curso. Os litígios judiciais são longos, recheados de conflitos. E no meio disso tudo existe uma coisa chamada processo (o meio de solução dos conflitos) e outra chamada procedimento, que são regrinhas que determinam a forma de andar do processo. A questão é que a coisa é tão cheia de detalhes, de prazos, de exigências, de burocracias… que em um determinado momento os operadores do direito esquecem que ali naqueles milhões de páginas amontoadas existem pessoas que precisam de uma resposta justa aos seus problemas. Esquecem que ali naquelas linhas existem sentimentos, expectativas, dores, sofrimento…

O Amor é expressão de conciliação, de mediação,
frente à segregação do universo, é o anseio do homem

(Platão, em O Banquete)

A sensação é que cada uma daquelas pessoas que vai buscar uma prestação jurisdicional do Estado acaba se transformando em mais um número. Só que desta vez, o número do processo. E com tantas normas, tanta questão prática a se resolver, esquecem as pessoas que lidar com problemas de outras pessoas exige mais do que mero conhecimento de regramento jurídico. Exige compreensão, exige sensibilidade e, como pontua Warat, exige amor. Não apenas pela profissão, mas pelo outro, pelas pessoas…  E por isso mesmo é que ele defende uma modificação sistemática no ensino do direito. Não mais nos tornaremos decorebas de códigos, mas, agora, nos tornaremos humanos. É o que mais precisamos nesse momento, nos tornar mais humanos para que consigamos compreender que por trás de cada processo há vida.

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