Família. O que vem à sua cabeça ao pronunciar esta palavra? Talvez a primeira coisa em que você pense seja seus pais, irmãos, avós, tios e primos. O assunto família é um dos que mais me instiga. Talvez por isso eu tenha fuçado alguns livros que falam sobre sua evolução histórica. “Que assunto mais chato”, há quem pense assim. Pra mim, esse conhecimento do contexto de formação da unidade familiar contemporânea ajuda muito a compreendermos tantos dramas sociais que se desenvolvem hoje nas relações conjugais. Ajuda a entendermos nossos papéis, de mulheres, nisso tudo.
Fazendo uma passagem relâmpago pelo estudo da evolução das relações conjugais, a gente vai perceber que houve momentos históricos bem pontuais. Passamos das relações grupais para as individuais. Tudo começou com uma fase de promiscuidade sexual, anos lá atrás. Apesar do significado pejorativo que o termo já adquiriu na sociedade moderna, aqui estou tratando a promiscuidade apenas como as relações carnais desenvolvidas em uma determinada época em que não havia restrições impostas pelos costumes sociais. A sociedade não exigia a fidelidade masculina, então, naquela época, trair fazia parte do sistema.
Consaguínea, punaluana, sindiásmica – Quando nasceu a família consanguínea, em que os grupos conjugais classificavam-se por gerações, ainda havia as relações grupais. E assim permaneceu com a chegada da família punaluana, quando foram proibidas as relações sexuais entre irmãos dentro dos grupos. O primeiro passo para as relações individuais veio com a família sindiásmica, em que um homem vivia com uma mulher, sem, contudo, perder o direito à infidelidade casual. E, então, vimos nascer a tal da monogamia, que, a princípio, garantia o direito à infidelidade masculina. O Código de Napoleão trazia expressamente esse direito, desde que a concubina não fosse levada ao domicílio conjugal.
O que eu acho mais curioso de tudo isso é a razão da formação das relações monogâmicas. A principal finalidade, naquela época, era tornar indiscutível a paternidade dos filhos. Não, meus caros, os homens não se tornaram fiéis por amor à mulher, por valores maiores. Nada disso. A aparente fidelidade masculina nasceu para garantir que a riqueza fosse mantida dentro da família. Porque com a morte dos pais, os filhos tornavam-se herdeiros diretos de seus bens (se bem me recordo das aulas de direito de família, antigamente o parentesco era considerado juridicamente até o 10º grau, justamente para garantir que a herança ficasse dentro daquele círculo familiar).
Nesse contexto, nós mulheres precisávamos aceitar tudo isso e, mais ainda, precisávamos ser fiéis. Imagina carregarmos em nosso ventre um filho de outro homem? Imagina descentralizarmos as riquezas de nossa família? É fácil perceber que a monogamia nasceu para escravizar um sexo ao outro e acabou fazendo surgir na sociedade expressões como “o amante da mulher casada” e, até, “o marido corneado”. Em toda a trajetória, a mulher sempre foi reprimida e submetida aos desmandos masculinos. Passamos a história caladas, obrigadas a nos manter em silêncio, obrigadas a aceitar tudo isso. Fico um pouco angustiada lendo sobre estas questões, porque vejo que sempre acabamos nos reafirmando a serviço do capital, como falei certa vez em um post anterior.
Hora de comemorar – Mas por outro lado, conseguimos conquistas valiosas ao longo da história. A ponto de hoje assumirmos uma produção independente, por exemplo, e, ainda assim, podermos chamar de família este núcleo familiar composto por duas pessoas, sem a presença de um homem para garantir o sustento. Esse novo conceito de família, devo dizer, me traz um certo alívio. Podemos decidir, escolher, podemos ter filhos sem mesmo precisar que um homem aceite a idéia. E isso, de alguma forma, traz uma sensação de liberdade.
Minha intenção aqui não é fazer julgamentos. Não vou tratar de qual a melhor forma de se criar um filho, ou qual o melhor tipo de família… O propósito deste post é apenas de fazer com que nós, mulheres, possamos sentir orgulho de termos superado fases tão cruéis, de termos sobrevivido a tantas agressões sociais e, hoje, podermos estar aqui, discutindo estas questões. Podermos estar aqui decidindo que tipo de família queremos constituir. É um avanço, meninas. Um avanço considerável. Claro que há muito ainda a alcançarmos, mas preciso dizer que, analisando de onde começamos até onde chegamos, só posso concluir, orgulhosa, que somos vencedoras.
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Trecho do livro, para refletir: “Assim, pois, o que podemos conjecturar hoje acerca da regularização das relações sexuais após a iminente supressão da produção capitalista é, no fundamental, de ordem negativa, e fica limitado principalmente ao que deve desaparecer. Mas o que sobreviverá? Isso se verá quando uma nova geração tenha crescido: uma geração de homens que nunca se tenham encontrado em situação de comprar, à custa de dinheiro, nem com a ajuda de qualquer outra força social, a conquista de uma mulher; e uma geração de mulheres que nunca se tenham visto em situação de se entregar a um homem em virtude de outras considerações que não as de um amor real, nem de se recusar a seus amados com receio das conseqüências econômicas que isso lhes pudesse trazer. E, quando essas gerações aparecerem, não darão um vintém por tudo que nós hoje pensamos que elas deveriam fazer. Estabelecerão sua próprias normas de conduta e, em consonância com elas, criarão uma opinião pública para julgar a conduta de cada um. E ponto final.”
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