Para que tantas leis?

Desde a promulgação da nossa Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, vimos nascer no sistema jurídico cerca de 3,7 milhões de normas. Mais umas continhas e vamos descobrir que esse número representa nada menos que 766 novas leis no ordenamento por dia útil. Hoje, de acordo com levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), alcançamos a marca recorde da edição de duas novas normas tributárias a cada duas horas. LegislaçãoAs associações não param por aí, não. No intervalo de 1989 a 2008,  foi editada uma norma para cada grupo de 50 habitantes.

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>> Veja o estudo completo da quantidade de normas publicadas no Brasil
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Os números são assustadores. Imagino como será a situação daqui a mais alguns anos. Será mesmo que precisamos de regramentos sociais para cada passo que damos? Precisamos de leis que nos digam absolutamente tudo o que não podemos fazer? (afinal tudo o que não está proibido no direito, está permitido, à excessão do que concerne à administração pública, cuja atuação é restrita ao que está exposto em lei). O tempo inteiro são colocadas em vigor novas leis, como se aqueles pedacinhos de papel riscados com palavras bonitas e de compreensão complicada fossem resolver todos os nossos problemas sociais.

Aborto? Lei. Feto anencefálico? Lei. Eutanásia? Lei. Qualquer problema social? Mais uma lei. E mais uma, e outra e mais outra. Estamos criando um amontoado de textos, muitas vezes, inclusive, incompreensíveis ou, ainda, que deixam margem  às  mais diversas formas de compreensão. Não que eu seja contrária à regulamentação de determinadas condutas sociais. Até porque precisamos de uma sociedade muito mais madura, informada e educada para deixar que os impasses cotidianos sejam decididos por cada indivíduo dentro de seu próprio contexto.

lei_do_estagio_img_interna1Quanto mais evoluída uma sociedade, tanto menos regramentos precisarão seus membros para conviver em harmonia. E quando falo em evoluída, acrescentem as questões sociais, econômicas e políticas. O que eu defendo não é a ausência das regras, mas a dedicação dos nossos representantes para fazerem com que tenhamos em nosso sistema apenas aquelas normas que nos são úteis, que tenham valor prático, que traduzam uma tentativa de se fazer justiça e de se construir uma sociedade igualitária.

No direito, o simples desuso de uma lei não a extingue. Para que seja retirada do sistema, é preciso que uma outra lei a revogue expressa ou tacitamente. Ou, então, é preciso que seja considerada inconstitucional (o que significa que contraria os preceitos da Constituição Federal). Enquanto algumas destas regras adormecidas podem ser revitalizadas em alguma situação social futura, outras simplesmente já não mais se eLegislaçãonquadram às novas exigências humanas. Mas continuam ali, fazendo pesar ainda mais os tantos códigos que operam os juristas.

Não é raro um professor da área jurídica fazer ressalva em sala de aula sobre um artigo específico, porque está ele incompatível com algum regramento superior ou novo. E não são poucos os artigos, incisos, alíneas e parágrafos que são alvos de discussão. É por essa razão que eu defendo é que o Congresso tire férias da função de fazer leis e assuma uma nova, a de analisar as leis que já estão em vigor. Poderiam todos ser levados a um lugar calmo e tranquilo para que pudessem fazer um estudo detalhado do sistema de normas que está em vigor antes de nos jogar mais uma série de novas leis na caixa dos peitos.

O que precisamos agora, antes de seguir em frente, ao meu ver, é de uma revisão minuciosa. De passar o pente fino no que está imposto e de fazer uma verdadeira limpeza geral no monte de textos que muito dizem e nada fazem de bem para a sociedade. Para mim, isso seria fundamental. Não precisamos de novas leis, neste momento. Precisamos rever as que já estão em vigor e jogar fora o que não nos serve, que deixou de ser útil. Não consigo conceber que em pleno século XXI ainda precisemos ouvir expressões do tipo “letra morta” e tentar entendê-la. Se já estão mortas as letras, vamos nos movimentar para enterrá-las. E já.

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