Breve comentário sobre a eleição de Dilma

O Brasil terá a primeira presidenta da sua história. A petista Dilma Rousseff foi eleita, com aproximadamente 56% dos votos do eleitorado nacional. Nos últimos dias, ouvi diversos comentários sobre o pleito, participei de uma série de bate-papos sobre o assunto. Muita gente questionando o papel de Dilma, afirmando ser ela desconhecida e inexperiente. Ouvi sobre a falta de carisma, sobre o receio de que ela poderia afundar o País. Ouvi também críticas à população, sobre o equívoco que muitos estavam cometendo ao achar que, votando em Dilma, estariam votando em Lula.

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>> Veja os resultados do 1º e 2º turnos, geral e por região
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Não participei diretamente da cobertura de eleições este ano. Como jornalista, minhas atribuições neste período passaram longe do acompanhamento do pleito. Como cidadã, conversei muito e dividi opiniões neste momento de mobilização política. Fiz questão de pensar a respeito do assunto, de tentar minimamente entender o contexto histórico de mudanças que estamos presenciando. Num distante amanhã (quando tudo isso for atropelado pelo passar do tempo), estarão muitos levantando teses sobre os últimos anos de transformações políticas. É o efeito do passado.

A meu ver, quando a população decidiu dar um basta no reinado direitista em 2002, ao eleger Lula, não se sabia muito bem o que seria o governo petista. Claro que Lula fez promessas tentadoras durante a campanha, mas nós não sabíamos quem, de fato, era o político Lula. Imaginávamos o que esperar de um Governo de esquerda, por todas as ideias disseminadas nas campanhas, mas, na prática, precisamos pagar para ver. Quando criticam o fato de a população colocar no poder uma desconhecida, me lembro muito claramente de que com Lula fizemos a mesma coisa. Em 2002, assumimos o risco de ter um Governo que prometia muito, mas que nunca havia assumido o poder. Até porque o primeiro cargo político de Lula fora a Presidência da República.

Muitos vão questionar que é diferente. Que Lula já havia concorrido à Presidência em diversas oportunidades (1989, 1994, 1998, 2002 e 2004). Que ele tem uma história de luta social; que fora presidente do Partido dos Trabalhadores; que participou da assembleia constituinte responsável pela elaboração da Constituição Federal de 1988; que embora não tivesse assumido nenhum cargo eletivo, tinha a vivência política a seu favor. E eu concordo que tudo isso tenha sido relevante para a formação do político Lula. E é mesmo diferente votar em Lula e votar em Dilma. São pessoas diferentes, não é? Não haveria como ser igual. Não existia a menor possibilidade de ser igual.

Mas o que quero dizer com toda essa discussão é que o voto em Dilma significa a vontade nacional de manter uma situação. Significa que o povo, de alguma maneira, aprovou a forma de condução gerenciada por Lula. Mesmo com o escândalo do mensalão estourando no governo dele, mesmo com o caso Erenice, só para exemplificar, a população admitiu, nas urnas, preferir a esquerda no poder. Votar em Dilma, no meu entendimento, tem a ver com a vontade de que a liderança do País continue na linha desenvolvida por Lula. Nossa opção foi correr mais um risco, foi votar acreditando que Dilma vai manter, na essência, o modelo de Governo de Lula.

Não, não acho que a população votou em uma desconhecida. Acho que a população votou em uma ideologia, ainda que fragilizada. É o voto de confiança.

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O que Dilma já fez?*
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>> Militou na Polop (Organização Revolucionária Marxista – Política Operária).
>> Integrou o Colina (Comando de Libertação Nacional), movimento adepto da luta armada.
>> Recebeu treinamento de guerrilha, embora não tenha participado de ações armadas
>> Foi presa em São Paulo e ficou detida na Oban (Operação Bandeirantes), onde foi torturada. Foi condenada a 6 anos e 1 mês de prisão, além ter os direitos políticos cassados por dez anos. Conseguiu redução da pena junto ao STM (Superior Tribunal Militar).
>> Formou-se em Economia pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), sendo demitida da FEE (Fundação de Economia e Estatística), órgão do governo gaúcho, após ter seu nome incluido em uma lista de “subversivos”.
>> Atuou no governo do Rio Grande do Sul, nas secretárias da Fazenda e de Energia, Minas e Comunicações, e nos governos de Alceu Collares (PDT) e Olívio Dutra (PT).
>> Fez campanha para Leonel Brizola (PDT), candidato a presidente; no segundo turno, apoiou Lula (PT). Desfiliou-se do PDT em 2001, quando entrou no PT.
>> Assumiu o cargo de Ministra de Minas e Energia do governo Lula.
>> Se tornou ministra-chefe da Casa Civil no lugar de José Dirceu.
>> Foi indicada pelo presidente Lula como gestora do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
>> Foi eleita a primeira mulher presidente do Brasil.

*Fonte: UOL

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PS: Não estamos defendendo nenhum posicionamento político aqui. A intenção deste post é debater um ponto considerado relevante durante as discussões a respeito da sucessão presidencial.
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Livros para entender política e poder

Nãs se contente em ouvir o que te contam sobre poder. Há muito o que aprender, há muito o que pesquisar, porque há muito o que mudar em nossa sociedade. E, particularmente, não consigo conceber qualquer tipo de mudança sem que haja uma consciência coletiva. Aliás, há uma outra opção, claro. Derramar sangue. Para mim, são as duas formas de mudar a ordem: ou a gente vai se munir de informações e conhecimento e através deles buscar reconstruir esse mundo, ou vamos à luta, de mãos armadas, tirar a vida dos adversários.

Um dia, eu quis participar de um destes grupos revolucionários. Confesso que acreditava que a única forma de transformar nossa sociedade seria por meio da luta armada, do derramamento de sangue. Com o tempo, percebi que nenhuma nova ordem vai agradar a todos. E se pensarmos em reconstrução do sistema por meio da guerra, nunca sairemos dela. Afinal, sempre haverá aquele grupo descontente disposto a empenhar suas armas em prol do que considera uma sociedade justa. Por isso, desisti das armas.

Optei pelo conhecimento, por esgotar as ferramentas que estão às minhas mãos, os livros. Um dia, ouvi de alguém que os livros eram caros, inacessíveis a todos… Mas gente, vocês já pararam para checar quantas bibliotecas públicas há em sua cidade? Quais os volumes disponíveis nestes locais? Já visitou a biblioteca particular daquele amigo que gosta tanto de ler? Já foi às livrarias que te permitem sentar confortavelmente e degustar, ali mesmo, aquele mundo de linhas? Pois é. Acho que há uma questão pontual aqui, e se chama interesse.

O blá, blá, blá anterior é apenas para introduzir algumas sugestões de leitura que acho importantes para quem pretende compreender como funciona a estrutura do poder em nossa sociedade. São apenas algumas indicações e ficarei bastante contente se alguém tiver mais volumes a acrescentar. E vale ressaltar que nenhuma leitura deve ser feita como se se tratasse de uma verdade incontestável. Aqui são apenas algumas propostas de leitura, que levarão vocês a tantas outras, à formação de um posicionamento crítico sobre elas.

E, mais uma vez, reforço. Evoluímos muito socialmente, mas ainda temos problemas incontáveis a resolver. Portanto, mãos os livros. Talvez se compreendermos a formação de nossa sociedade possamos descobrir novos instrumentos de luta.

AOS LIVROS

Braviário dos PoliticosBreviário dos Políticos (Cardeal Mazarin) – A que meios deve um indivíduo recorrer para ampliar ou preservar seu poder? É o que tenta responder Jules Mazarin, chefe de governo da França no século XVII. Basta dizer que o cardeal era qualificado como um homem vil, desprezível, covarde, desonrado, mentiroso… No livro, ele traz uma série de conselhos para que alguém possa chegar ao poder. E esse alguém, ao contrário do Príncipe de Maquiavel (leia também!), pode ser você, por exemplo. Porque as observações de Mazarin são destinadas a qualquer um, que deve exercer o poder sem violência. O poder brota dos relacionamentos e, portanto, cada indivíduo pode, dentro da sua esfera de relacionamentos, exercer a sua parcela de poder. A partir da leitura do livro, você vai acabar identificando uma série de perfis de pessoas que convivem ao seu redor.

A Arte da GuerraA Arte da Guerra (Sun Tzu) – Qual é o verdadeiro objetivo da guerra? Para Sun Tzu, um general chinês que viveu há cerca de 500 anos antes de Cristo, é a paz. Para mim, toda guerra traz disfarçado o objetivo de conquistar o poder. Foi esse general quem escreveu este livro, que se transformou em um manual de estratégia militar. São treze capítulos, com inúmeras dicas sobre como vencer uma batalha. Em sua filosofia, fica clara a sua predileção pela vitória sem luta. Ele defende, inclusive, que é preciso tornar o conflito desnecessário. Mas, sendo necessária a luta, que o indivíduo ou a nação entre nela para vencer. E ele vai ensinar como. Não foi à toa que o general norte-americano H. Norman usou técnicas de guerra de Sun Tzu na Guerra do Golfo. As dicas do general, assim como tem acontecido com o livro de Maquiavel, têm sido adaptadas para as relações pessoais, profissionais e comerciais.

Do contrato SocialDo Contrato Social (Jean-Jacques Rousseau) – Rousseau é dos pensadores que mais defendeu a liberdade, considerando-a “direito inalienável e exigência essencial da própria natureza espiritual do homem”. Este livro é considerado uma das obras primas do filósofo suíço. Antecessor de Rousseau, John Locke acreditava que o homem podia ser privado da liberdade, desde que fosse por sua vontade. Deveria, então, haver seu consentimento. Rousseau vem para rebater esta teoria, defendendo que a liberdade é um bem irrenunciável, porque inerente à condição humana. Neste contexto, ele propõe a criação de um contrato social, que seria a base da realização da vontade comum. Imagine os indivíduos, de comum acordo, decidirem formar um tipo de sociedade específica, com a vontade social dirigida ao bem comum, à qual prometem prestar obediência? É o que propõe o contrato social.

A PoliticaA Política (Aristóteles) – Todo mundo já ouviu falar de Aristóteles, mas tenho certeza de que poucas pessoas de fato leram alguma coisa escrita por ele. Aliás, este filósofo grego escreveu sobre quase tudo: física, psicologia, biologia, metafísica, ética, direito, poética… e política. Neste livro, o pensador analisa o Estado existente como se fosse o único possível. Assim, sai na defesa da escravidão. Para ele, a sociedade escravocrata era mais que necessária, era fundamental. “Ora, se um homem pertence a outro, é uma coisa possuída, mesmo sendo homem. E uma coisa possuída é um instrumento de uso”, dizia ele. O discípulo mais ilustre de Platão, e que em muito contrariava suas idéias (é só ler A República, de Platão, para compreender o que estou dizendo)  diferenciou a política (doutrina moral social) da ética (doutrina moral individual). Para ele, a política era a ciência da felicidade humana.

Microfisica do PoderMicrofísifca do Poder (Michel Foucault) – Para este pensador contemporâneo, o poder é uma relação de forças, presente em todas as esferas sociais. Ele é exercido, praticado e não um bem que pode ser fruto de apropriação. É dele a frase “toda forma de saber produz poder”. No livro, ele cita uma frase de Nietzsche, muito apropriada para o seu estudo: “o bom não é o contrapeso das forças entre o mais forte e o mais fraco, mas sim a cena desse enfrentamento”. O livro ajuda a compreender as novas formas de poder, que deixam de basear-se na força e na legitimação religiosa. Hoje, sua materialização é identificada nas diversas formas de disciplina, não havendo, portanto, uma única forma de manifestação. Ele fala do poder que emana nos bastidores da sociedade, do poder que impõe uma barreira ao saber das massas, do poder dissimulado que está por trás das prisões, do poder como meio de dominação. Pra complementar, leiam também “Vigiar e Punir”, do mesmo autor.

A Armadilha da GlobalizaçãoA Armadilha da Globalização (Hans-Pete Martin e Harald Schumann) – Quem ganha e quem perde com a globalização? Em uma avaliação realizada por líderes mundiais durante reunião promovida pela Fundação Gorbachev em 1995, concluiu-se que, no século XXI, será necessária apenas 20% da força de trabalho para fazer girar a economia. Você imagina como viverá os 80% restantes da população? O livro discute os rumos da globalização, o problema da internacionalização descontrolada dos mercados, dentre outros temas. O Brasil está nas páginas do volume, trazido à tona pela dupla de jornalistas como um exemplo do quadro desigual composto de ricos confinados em guetos e de massas pobres lutando pela sobrevivência. Será que é no que nos transformaremos? O livro traz também alternativas, em busca da salvação da política (que hoje vive à mercê da economia) e da restauração da democracia.

estadomodernoUm Ensaio Sobre o Estado Moderno (Christopher W. Morris) – O autor é professor de filosofia de uma universidade norte-americana. É uma publicação bem recente, de 2005, que faz um estudo sobre os formatos dos Estados modernos. O Estado é a melhor organização social? Ele deveria existir? O livro traz uma discussão sobre as justificativas determinantes para estes Estados, é um exame filosófico sobre o tema. Traz também alternativas de organizações políticas e suas formas de legitimação. O texto mostra o fracasso dos Estados em correspondência à imagem que fazem de si. É uma leitura que nos ajuda a compreender esse modelo de organização social e política em que vivemos, que nasceu lá na Europa (França e Inglaterra) e contaminou o mundo.

 

Claro que existem centenas de outros livros importantes sobre o assunto. Mas aqui, pelo menos, já serve como pontapé inicial à nova visão de mundo que você quer desenvolver. E boa leitura!

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>> Livros que todo adulto precisa ler
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