Salvador completa hoje 460 anos de fundação. A primeira cidade construída no Brasil, planejada meticulosamente para ser a sede do poder português nas Américas, capital da colônia até 1763, é uma das mais belas do país, mas também tem problemas graves, como a maioria das metrópoles contemporâneas. Alguns desses problemas são históricos e remontam à origem da cidade.
Uma vez, escrevendo sobre os transtornos que as chuvas de outono provocam na capital, me deparei com um documento histórico: a carta que o mestre-de-obras (espécie de arquiteto) Luis Dias escreveu relatando a D. João III que o local escolhido por Thomé de Souza para construir a cidade-fortaleza, o alto de uma montanha, poderia ser o mais seguro do ponto de vista militar, mas em questões arquitetônicas deixava muito a desejar. A primeira encosta desabou em Salvador ainda no século XVI, durante as obras de construção da capital.
A cidade foi erguida sobre uma falha geológica, o que Thomé de Souza jamais poderia saber, pois naquela época não existiam ainda pesquisas em geologia. O que motivou a escolha do sítio original foi a necessidade de fazer dessa capital lusitana além-mar, um ótimo ponto de vigilância e um cofre-forte que guardaria todas as riquezas da colônia, vindas das outras capitanias, e posteriormente enviadas à Portugal. No entanto, apesar dessa falha, foi a falta de planejamento urbano que manteve a capital baiana até hoje vulnerável ao mau-tempo.
Ainda na atualidade, 460 anos depois, além da insegurança de suas encostas, que desabam e soterram pessoas e imóveis, convivemos também com a pobreza, herança histórica da escravidão negra e índia, entre outros fatores, mas que persiste por falta de vontade política e falta de um plano de desenvolvimento mais inclusivo, que permita diminuir as diferenças sociais gritantes. Nossa economia é fraca, subsiste do turismo e da sazonalidade do Carnaval. Por isso, faltam oportunidades para quem está fora dessa indústria do entretenimento ou para os períodos de parada no calendário festivo.
A natureza foi generosa com a cidade e uma rápida olhada na nossa história mostra que há muito do que nós baianos nos orgulharmos, mas há também muito o que aprender e modificar. A violência cresce em Salvador, uma cidade que já foi palco de tantas lutas em prol da liberdade, solo sobre o qual a Independência do Brasil foi sacramentada, visto que, em 2 de julho de 1823, após o célebre Grito do Ipiranga, de 7 de setembro de 1822, foi aqui em Salvador que a última frota portuguesa finalmente foi expulsa do país.
Com tantos erros e acertos, é de se perguntar o quê exatamente temos para comemorar neste domingo? Mas se olharmos bem para a nossa origem, veremos que a resistência da população desta cidade, que convive com adversidades há mais de quatro séculos, é motivo de sobra para uma bela festa. No entanto, que mais este aniversário sirva de incentivo para que Salvador se torne mais justa para seus habitantes e menos desigual.
Feliz aniversário Salvador!
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