Vinicius de Moraes, o poeta

Vinicius de Moraes“Vinicius é o único poeta brasileiro que ousou viver sob o signo da paixão. Quer dizer, da poesia em estado natural. Eu queria ter sido Vinicius de Moraes”. Foram essas as palavras de Carlos Drummond de Andrade ao se referir a Vinicius. Falar do poeta é falar de paixão. Talvez esta seja mesmo a palavra que defina sua essência. Vinicius de Moraes foi um apaixonado. E para tentar compreender o homem, explorou temas como o mistério, o amor e a morte. Vinicius não se deteve à poesia escrita. Drummond certa vez falou: “Foi o único de nós que teve a vida de poeta”. Talvez porque ele se envolvera tão intimamente com a música, ou por ter se aventurado em nove casamentos, ou ainda porque passou a vida entre viagens, ou por tudo isso junto.

Esse foi Vinicius. Um homem que aos nove anos decidiu transformar o Marcus Vinitius da Cruz e Mello Moraes no nosso querido Vinicius de Moraes, que nasceu no Rio sob a égide da poesia, com a ascendência dividida entre a música e os textos. Um personagem cujo percurso de vida é marcado por uma série de fatos que começaram a acontecer ainda cedo. Foi batizado na maçonaria pelo avô; entrou para o coro das missas de domingo do colégio Santo Inácio; participou de peças teatrais infantis e formou um grupo muscial, ao lado dos irmãos Paulo e Haroldo Tapajóz, que se apresentava nas festas das casas de conhecidos. É com eles que começa a compor canções como “Loura ou morena” e “Canção da noite”, que fizeram grande sucesso.

No meio do caminho, tira o bacharelado em Letras; substituiu Prudente de Moraes Neto como representante do Ministério da Educação junto à Censura Cinematográfica; vira amigo de Manuel Bandeira e Carlos Drummond de Andrade; ganha uma bolsa do Conselho Britânico para estudar língua e literatura inglesas na Universidade de Oxford; vira crítico de cinema e colaborador de um jornal; ingressa na carreira diplomática; sofre um acidente aéreo; fica amigo de Pablo Neruda; estuda cinema; lança a revista Film; colabora como cronista e crítico de cinema no Última Hora; sofre acidente de automóvel; compõe com Jobim, com Baden Powell, com Carlos Lyra e Pixinguinha, com Edu Lobo; integra o júri do Festival de Música Jovem, na Bahia; casa-se com uma baiana; dá início a uma parceria com Toquinho; se muda para Salvador… E em 1980, na manhã do dia 09 de julho, morre de edema pulmonar.

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Leia também:
Receita de Mulher – Vinicius de Moraes
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Livros sobre o poeta:
– O Poeta da Paixão (José Castello)
– Vinícius de Moraes: Uma Geografia Poética (José Castello)
– Vinicius de Moraes – O múltiplo das paixões (coleção “Gente do Século”)
– Vinícius de Moraes (Pedro Lyra)
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Para ouvir:
A arca de Noé 2 (1981
Um pouco de ilusão – Toquinho e Vinicius (1980
A arca de Noé (1980
10 anos de Toquinho & Vinicius (1979
Amália/Vinícius Amália Rodrigues e Vinicius de Moraes (1978
Vinicius de Moraes – antologia poética (1977
Tom / Vinicius / Toquinho / Miúcha – gravado ao vivo no canecão (1977
La voglia, la pazzia, l’incoscienza, l’allegria – Ornella Vanoni, Toquinho e Vinicius (1976
Vinicius / Toquinho (1975
O poeta e o violão – Toquinho e Vinicius (1975
Vinicius & Toquinho – Toquinho & Vinicius (1974
Encontro e desencontro – Marília Medalha e Vinicius de Moraes (1972
Vinicius canta “nossa filha Gabriela” – trilha sonora da novela da tv tupi (1972
São demais os perigos desta vida – Toquinho e Vinicius (1971
Toquinho e Vinicius (1971
Como dizia o poeta… Música nova – Vinicius, Toquinho e Marília Medalha (1971
La vita, amico, é l’arte dell’incontro – Vinicius de Moraes, Sergio Endrigo e Giuseppe –   Ungaretti (1969
Vinicius e Caymmi no zum zum (1967
Os afro-sambas de Baden e Vinicius (1966
Vinicius: poesia e canção vol. I (1966
Vinicius: poesia e canção vol. Ii (1966
Vinicius & Odete Lara (1963
Brasília – sinfonia da alvorada – música: Antônio Carlos Jobim – poesia: Vinicius de Moraes (1961
Canção do amor demais (1958
Poesias – vol. Ii – Vinicius de Moraes / Paulo Mendes Campos (1957
Orfeu da conceição (1956
A história dos shows inesquecíveis – poeta, moça e violão – Vinicius de Moraes, Clara Nunes e Toquinho (1991
Deus lhe pague – trilha sonora da peça – músicas de Edu Lobo e Vinicius de Moraes (1976
Fogo sobre terra – trilha sonora da novela da tv globo (1974
Toquinho, Vinicius & amigos (1974
O bem amado – trilha sonora da novela da tv globo (1973
Eu sei que vou te amar (1972
Vinicius + Bethânia + Toquinho – en la fusa (1971
Vinicius de Moraes en la fusa – Vinicius de Moraes, Maria Creuza e Toquinho (1970
Pobre menina rica – trilha sonora original – Carlos Lyra e Dulce Nunes (1964
Coletânea – Toquinho e Vinicius (1997
Coletânea – Vinicius de Moraes (1967
Coletânea – Convite para ouvir – Toquinho e Vinicius
Tributo – falando de amor pra Vinícius (2001
Chega de saudade – um tributo a Vinicius de Moraes (2000
Vinicius – a arte do encontro – mpb-4 e Quarteto em Cy (2000
Vivendo Vinicius ao vivo – Baden Powell, Carlos Lyra, Miúcha e Toquinho (1999
Afro-sambas – de Baden Powell e Vinicius de Moraes (1996
Songbook Vinicius de Moraes (1993
Vinicius em cy (1993
Se todos fossem iguais a você – Manuel Bandeira e Vinicius de Moraes (1988
Vinicius de Moraes – negro demais no coração (1988
Vinicius de Moraes (1988
Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes (1980
A música de Jobim e Vinicius (1963
Elizete interpreta Vinicius (1963
Por toda minha vida – música: Antônio Carlos Jobim – poesia: Vinicius de Moraes (1959

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Algumas poesias:

Soneto de Maior Amor

Maior amor nem mais estranho existe
Que o meu, que não sossega a coisa amada
E quando a sente alegre, fica triste
E se a vê descontente, dá risada.

E que só fica em paz se lhe resiste
O amado coração, e que se agrada
Mais da eterna aventura em que persiste
Que de uma vida mal aventurada.

Louco amor meu, que quando toca, fere
E quando fere vibra, mas prefere
Ferir a fenecer – e vive a esmo

Fiel à sua lei de cada instante
Desassombrado, doido, delirante
Numa paixão de tudo e de si mesmo.

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Soneto de Fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.

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Soneto do Amor Total

Amo-te tanto, meu amor … não cante
O humano coração com mais verdade …
Amo-te como amigo e como amante
Numa sempre diversa realidade.

Amo-te afim, de um calmo amor prestante
E te amo além, presente na saudade.
Amo-te, enfim, com grande liberdade
Dentro da eternidade e a cada instante.

Amo-te como um bicho, simplesmente
De um amor sem mistério e sem virtude
Com um desejo maciço e permanente.

E de te amar assim, muito e amiúde
É que um dia em teu corpo de repente
Hei de morrer de amar mais do que pude.

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Ternura

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor
seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentando
Pela graça indizível
dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura
dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer
que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas
nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras
dos véus da alma…
É um sossego, uma unção,
um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta,
muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite
encontrem sem fatalidade
o olhar estático da aurora.

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Poema dos Olhos da Amada

Ó minha amada
Que olhos os teus
São cais noturnos
Cheios de adeus
São docas mansas
Trilhando luzes
Que brilham longe
Longe dos breus…
Ó minha amada
Que olhos os teus
Quanto mistério
Nos olhos teus
Quantos saveiros
Quantos navios
Quantos naufrágios
Nos olhos teus…
Ó minha amada
Que olhos os teus
Se Deus houvera
Fizera-os Deus
Pois não os fizera
Quem não soubera
Que há muitas era
Nos olhos teus.
Ah, minha amada
De olhos ateus
Cria a esperança
Nos olhos meus
De verem um dia
O olhar mendigo
Da poesia
Nos olhos teus.

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Receita de Mulher – Vinicius de Moraes

Vou abrir um espaço para atender ao pedido de um casal de amigos. Os dois queriam ver no blog, um poema que marcou o início do relacionamento deles. Entre paquera, namoro, noivado e casamento, são 20 anos juntos. Se conheceram no final da adolescência, caminham lado a lado rumo aos 40. Brigam? Claro que brigam, todo casal briga. Mas sabem reconciliar interesses, afinar vontades, aparar arestas, respeitar individualidades. Por isso, a receita deles dá tão certo quanto essa Receita de Mulher de Vinicius. Em homenagem ao casamento feliz e possível dos meus amigos, um poema que descreve mulheres reais, mas ainda assim, com aquele toque de sonho que só o poetinha consegue dar.

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Leia também:
>> Vinicius de Moraes, o poeta
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Receita de mulher

vinicius-de-moraesAs muito feias que me perdoem
Mas beleza é fundamental. É preciso
Que haja qualquer coisa de dança, qualquer coisa de haute couture
Em tudo isso (ou então
Que a mulher se socialize elegantemente em azul, como na República [Popular Chinesa).
Não há meio-termo possível. É preciso
Que tudo isso seja belo. É preciso que súbito
Tenha-se a impressão de ver uma garça apenas pousada e que um rosto
Adquira de vez em quando essa cor só encontrável no terceiro minuto da aurora.
É preciso que tudo isso seja sem ser, mas que se reflita e desabroche
No olhar dos homens. É preciso, é absolutamente preciso
Que tudo seja belo e inesperado. É preciso que umas pálpebras cerradas
Lembrem um verso de Eluard e que se acaricie nuns braços
Alguma coisa além da carne: que se os toque
Como ao âmbar de uma tarde. Ah, deixai-e dizer-vos
Que é preciso que a mulher que ali está como a corola ante o pássaro
Seja bela ou tenha pelo menos um rosto que lembre um templo e
Seja leve como um resto de nuvem: mas que seja uma nuvem
Com olhos e nádegas. Nádegas é importantíssimo. Olhos, então
Nem se fala, que olhem com certa maldade inocente. Uma boca
Fresca (nunca úmida!) e também de extrema pertinência.
É preciso que as extremidades sejam magras; que uns ossos
Despontem, sobretudo a rótula no cruzar das pernas, e as pontas pélvicas
No enlaçar de uma cintura semovente.
Gravíssimo é, porém, o problema das saboneteiras: uma mulher sem [saboneteiras
É como um rio sem pontes. Indispensável
Que haja uma hipótese de barriguinha, e em seguida
A mulher se alteie em cálice, e que seus seios
Sejam uma expressão greco-romana, mais que gótica ou barroca
E possam iluminar o escuro com uma capacidade mínima de 5 velas.
Sobremodo pertinaz é estarem a caveira e a coluna vertebral
Levemente à mostra; e que exista um grande latifúndio dorsal!
Os membros que terminem como hastes, mas bem haja um certo volume de [coxas
E que elas sejam lisas, lisas como a pétala e cobertas de suavíssima [penugem
No entanto, sensível à carícia em sentido contrário.
É aconselhável na axila uma doce relva com aroma próprio
Apenas sensível (um mínimo de produtos farmacêuticos!)
Preferíveis sem dúvida os pescoços longos
De forma que a cabeça dê por vezes a impressão
De nada ter a ver com o corpo, e a mulher não lembre
Flores sem mistério. Pés e mãos devem conter elementos góticos
Discretos. A pele deve ser fresca nas mãos, nos braços, no dorso e na face
Mas que as concavidades e reentrâncias tenham uma temperatura nunca [inferior
A 37° centígrados podendo eventualmente provocar queimaduras
Do 1° grau. Os olhos, que sejam de preferência grandes
E de rotação pelo menos tão lenta quanto a da Terra; e
Que se coloquem sempre para lá de um invisível muro da paixão
Que é preciso ultrapassar. Que a mulher seja em princípio alta
Ou, caso baixa, que tenha a atitude mental dos altos píncaros.
Ah, que a mulher dê sempre a impressão de que, se se fechar os olhos
Ao abri-los ela não mais estará presente
Com seu sorriso e suas tramas. Que ela surja, não venha; parta, não vá
E que possua uma certa capacidade de emudecer subitamente e nos fazer [beber
O fel da dúvida. Oh, sobretudo
Que ele não perca nunca, não importa em que mundo
Não importa em que circunstâncias, a sua infinita volubilidade
De pássaro; e que acariciada no fundo de si mesma
Transforme-se em fera sem perder sua graça de ave; e que exale sempre
O impossível perfume; e destile sempre
O embriagante mel; e cante sempre o inaudível canto
Da sua combustão; e não deixe de ser nunca a eterna dançarina
Do efêmero; e em sua incalculável imperfeição
Constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.

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