Felicidade, coragem e auto-conhecimento no divã do cinema

Mercedes é muito feliz com o marido, mas sente que nem tudo está perfeito

*Texto da jornalista Giovanna Castro

Confesso logo de cara que a chancela Globo Filmes acompanhada da chancela da produtora Lereby não são exatamente referências de bom cinema para mim. É comum eu ter uma certa má vontade quando vejo essa dupla nos créditos de algum filme. Só que me surpreendi esta semana quando, na minha zapeação diária, encontrei o anúncio do filme “Divã” em um canal fechado. Na verdade, minha curiosidade foi despertada pela atriz principal, Lília Cabral, que eu gosto bastante e que, apesar de quase nunca protagonizar as novelas globais, volta e meia rouba a cena de novatas. Aquelas que, por sua fotogenia e beleza, acabam ocupando posições que nem sempre merecem. Pensei comigo mesma: “Vamos ver o que esse filme pode me oferecer…”

Pois é, “Divã”. Eu assisti a peça quando ela esteve em cartaz aqui em Salvador há alguns anos e gostei bastante porque eu me interesso muito por essa coisa de terapia, análise, psicologia. Não sou profunda entendedora, mas consigo me virar um pouco com minhas próprias inquietações. Quanto ao filme, ele conta a história de uma mulher que já chegou à casa dos 50, se considera feliz, bem casada, com filhos encaminhados, bem resolvida e que costuma repetir que “se tivesse algum problema na vida não seria por falta de felicidade”.

Mas é exatamente este o pulo do gato da peça e que foi tão bem traduzido no filme. Não estamos falando aqui de uma obra de arte, mas de um filme eficiente e despretensioso que cumpre sua proposta, importante ressaltar. A felicidade de Mercedes é uma felicidade do costume, da acomodação. A satisfação de estar com o homem (José Mayer é o marido Gustavo) que ela um dia amou e com quem construiu a vida, mas com quem não desfruta mais de momentos apaixonados e empolgantes. Mercedes, no entanto, só vai se dar conta disso quando começa a frequentar a terapia. No primeiro dia frente a frente com o analista ela revela que não sabe porque está ali sentada naquele divã. O que a levou até lá, ela vai descobrindo aos poucos.

Incomodada com o marasmo do casamento, Mercedes se lança em novas aventuras

Mercedes começa a se incomodar com as esquisitices do marido, a indiferença, a falta de atenção, o comodismo, a falta de tato, até o velho futebolzinho com cerveja em frente à TV. Ela percebe e divide com a melhor amiga que o marido a está traindo e leva isso como uma coisa natural, aparentemente, até que resolve começar uma história com um rapaz bem mais jovem, interpretado pelo gato Reinaldo Gianechinni. Mercedes se sente renovada, viva outra vez e se depara com o marasmo que é sua feliz vida de casada. Ela diz que não foi amor o que sentiu pelo moço, mas fica devastada depois que ele decide acabar com o namoro porque quer ter filhos, uma família e encontrou uma “menina jovem que está louca para ter um filho”.

Voltei então a um pensamento que me assalta quase cotidianamente, que é “o que é felicidade?”. Acredito que cada pessoa tem a sua própria definição, é lógico, mas o conceito de felicidade anda tão deturpado, que já não se sabe onde se quer chegar. Quanto mais o tempo passa, confio mais um pouco naquele ditado que diz que não existe felicidade, existem, sim, momentos felizes que a gente deve aproveitar ao máximo até que outro momento igual apareça.

A felicidade contemporânea anda muito ancorada nas posses e não nas relações pessoais que acabam se mostrando a maior riqueza que um ser humano pode ter. Um dos motivos que me levaram a frequentar a terapia foi exatamente esse, a constatação de que se relacionar com as pessoas pode ser uma fonte muito farta de momentos bons e felizes.

À medida que o filme se desenvolve, é como se Mercedes se transformasse. Mais do que repicar o cabelo – simbologia usada pelo diretor para mostrar as mudanças da personagem – ela evolui internamente e se fortalece, até se separar do marido, atitude da qual ela parece não se arrepender, mas que a faz sofrer muito.

Como muitas mulheres, Mercedes cristaliza suas mudanças internas com um novo corte de cabelo

Fiquei pensando, poxa, recomeçar a vida aos 50, sair de um casamento longo, encarar os filhos indo passar temporadas com o pai ou viajar com ele, voltar ao mercado dos relacionamentos amorosos (Mercedes volta a se apaixonar, desta vez por um garoto de 19 anos, intepretado pelo gatinho Cauã Reymond). É preciso mesmo muita coragem e vontade de viver para se expor a todas essas mudanças que são naturais ao longo da vida. Ela consegue se reerguer, sempre tentando temperar o sofrimento com um pouco de humor e seguindo em frente.

É uma forma positiva de encarar a vida e fica ainda mais tocante quando é interpretada por uma bela atriz. Me emocionei várias vezes com a atuação de Lília e me transportei para aquela situação me perguntando se se eu estivesse naquela posição, conseguiria lidar tão bem com tantas emoções e sentimentos e ainda sair forte e segura do outro lado. É uma dica minha para quem gosta de pensar na sua subjetividade, nas coisas que realmente importam na vida, o nosso desenvolvimento pessoal e auto-conhecimento. Mas vá preparado para se divertir, não para sofrer.

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