Esta semana uma cena me chamou atenção na novela Caras & Bocas, exibida no horário das 19 horas pela Rede Globo. O personagem Benjamim, judeu ortodoxo, sugeriu à Tatiana, sua namorada na trama, que se convertesse à religião dele para que a moça seja aceita por sua família. No horário das 21h, a novela Caminho das Índias dá exemplos diários das dificuldades vividas pela personagem Camila, brasileira, para de adaptar aos costumes e religião da família do marido Ravi, indiano. Exageros da ficção à parte, o envolvimento de pessoas de religiões e culturas diferentes faz parte do contexto social tanto pelo fato de sermos seres gregários, que buscam sempre um grupo onde se encaixar; quanto porque com a globalização, com a internet, as fronteiras que separavam uma cultura da outra foram dissolvidas e reconfiguradas.
O ser humano necessita relacionar-se na essência. Parece chavão, mas a verdade é que nenhum de nós pode viver sozinho. O diálogo, a comunicação, o interesse, a curiosidade pelo que é diferente está na maioria de nós. Só os muito intolerantes não admitem que precisam conhecer e entender o outro. Só os preconceituosos não aceitam o diferente e não buscam aprender com essas diferenças. E existe uma quantidade de intolerância e preconceito suficientes no mundo para provocar uma série de problemas. Vide as guerras e atentados que explodem de um lado a outro do globo.
A cena entre Benjamim e a namorada me chamou tanta atenção na novela porque fiquei pensando até que ponto alguém tem o direito de pedir a outra pessoa que altere seu modo de vida para ser aceito em determinado grupo. Também penso até que ponto alguém deve ceder e alterar suas crenças por amor. Me perguntei porque Tatiana não poderia ser aceita pela família do namorado mesmo sem ser judia ortodoxa. Nem torço pelos dois personagens e nem gosto muito de Tatiana, acho uma personagem cabecinha oca, como muitas que existem nas novelas. Mas, a situação vivida por ela pode muito bem ser a situação de qualquer rapaz ou moça.
Casais de religiões diferentes devem tentar converter um ao outro? Minha opinião é não, porque a escolha religiosa de alguém tem de ser algo ditado por uma necessidade pessoal e não por conveniência. A opção por esta ou aquela religião, ou até a opção por não ter nenhuma religião deve ser respeitada.
Acredito que deva ser difícil para um casal de religiões diferentes, ou em que um é religioso e o outro ateu, negociar a convivência. Mas negociação e diálogo são a base de qualquer relacionamento. Então, que os acertos com relação aos credos de cada um sejam estabelecidos no início do relacionamento, sem preconceitos e sem intolerância.
Se o marido é evangélico e se sente bem na sua crença e se a esposa é católica e se sente bem assim, por que tentar mudar? O ideal é que um respeite a religião do outro. Se é preciso acompanhar o marido até sua congregacão evangélica, porque não fazer isso de forma respeitosa. Não é preciso se envolver no culto, ou tomar parte dele. Se a esposa católica quer ir a missa e o marido é de outra crença, há duas opções. Ir com ela e respeitar aquele momento, sem necessariamente precisar tomar parte dele; ou deixá-la ir sozinha, respeitando esse momento que ela precisa para manifestar sua comunhão com Deus ou com a divindidade que ela cultua.
As pessoas falam tanto em liberdade de expressão, mas por que tentar alterar o credo de um namorado ou namorada? Isso não seria ferir a liberdade de expressão e justo da pessoa que dizemos amar? É preciso que ela mude por pressões familiares? Em pleno século XXI, as pessoas ainda sucumbem a esse tipo de coisa ao invés de tentar ser aceito da forma que é? Por que vai ser inconveniente levar uma namorada não evangélica, ou não católica, ou não budista a um evento da sua igreja? Sinceramente não consigo entender que alguém diga que ama outra pessoa, mas com ressalvas: “Eu te amo, mas você precisa se converter antes ao meu credo para ser aceita na minha comunidade”. Não consigo ver esse tipo de coisa como amor. Para mim, amor pressupõe compreensão e aceitação, independente de credo, cor, posição social.
Lógico que vai precisar haver muita maturidade no relacionamento para que um entenda o credo do outro e aceite que, em um determinado momento, o seu par precisará cumprir os seus ritos religiosos, isso no caso daqueles que seguem todos os preceitos de sua religião. Também não sou ingênua a ponto de achar que ao escolher o caminho da não conversão, a pessoa vai ser recebida de braços abertos logo de primeira. Infelizmente não, o caminho do desafio às normas vigentes é sempre pedregoso. Mas é possível percorrer um caminho assim de forma serena, sem partir para a agressão, desde que haja o mínimo de predisposição em tentar entender o outro, o que é diferente.
Por que não aceitar? Por que impor regras como o tamanho do cumprimento da saia da namorada? Ou preceitos que não faziam parte da realidade dela ou dele antes de se conhecerem? Sinceramente, creio que forçar alguém a aparentar o que não sente, a ser como não é de fato, seja ainda mais árduo do que tentar fazer com que a família e a comunidade aceitem aquele membro que é diferente, mas que respeita as crenças dos outros. Ele é evangélico, mas ela não é. Ou vice-versa. Mas desde que haja respeito de um com o outro e respeito próprio, que mal há nela usar batom ou um vestido acima dos joelhos porque se sente bem assim? Ou que mal há nele gostar de festas e de pular Carnaval mesmo que a religião dela não permita?
As pessoas não gostam do que dá trabalho. E dá trabalho conviver com alguém de credo diferente porque as cobranças dos outros são muitas e exercem grande pressão. Mas será que um casal que permite que as pressões externas afetem o relacionamento construiu uma base sólida para este relacionamento?
Desde que haja respeito, cooperação e a intenção de conversar sobre o que incomoda, colocando as cartas na mesa, creio que seja possível a convivência inter-religiosa numa família. E conheço exemplos que dão muito certo. Uma amiga, por exemplo, é espírita, o esposo é ateu, a mãe é evangélica e uma das irmãs é filha-de-santo de um Terreiro de Candomblé. Todos se dão bem, todos se respeitam e nenhum deles tenta converter o outro ou faz comentários intolerantes e ofensivos a outras religiões. Para mim, esse é o verdadeiro sentido de se ter uma crença.
Fanatismo não tem relação com religião. E eu, particularmente, quero distância das pessoas fanáticas. Acredito que quem segue uma crença busca por algum tipo de equilíbrio, por paz interior, elevação espiritual. Não consigo encaixar o fanatismo nem em equilibrio, nem em paz interior e muito menos em elevação espiritual. Para mim, não existem eleitos, visto que, se existe um Deus que todas as religiões fazem questão de dizer que é a expressão da suprema bondade, a suprema bondade para mim não implica em escolher um povo ou um credo em detrimento de todos os outros.
Não sou especialista em religião, nunca estudei teologia e muito menos tenho a receita para os relacionamentos amorosos perfeitos. Aos que vivem uma relação inter-religiosa, só posso imaginar o que vocês passam e de que forma resolvem seus conflitos, mas não sei como é na prática. No entanto, acredito no diálogo, na tolerância e na negociação como bases para se resolver qualquer problema.
Minha intenção com este post é dividir com os religiosos e os não-religiosos, ideias que me ocorreram após ver uma cena de novela, que na minha opinião, configura-se em desrespeito às individualidades. Um casal é sempre um conjunto, mas jamais podemos esquecer que antes de ser conjunto, cada parte envolvida na relação é um indivíduo único, que merece respeito como tal.
*Andreia Santana, 37 anos, jornalista, natural de Salvador e aspirante a escritora. Fundou o blog Conversa de Menina em dezembro de 2008, junto com Alane Virgínia, e deixou o projeto em 20/09/2011, para dedicar-se aos projetos pessoais em literatura.
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