O que é sinônimo de feminilidade para você? Em uma discussão sobre o assunto com uma amiga, muitos pontos a respeito do conceito de ser feminina vieram à tona e achei bem interessante abrir espaço para a discussão aqui no blog. O lugar-comum da feminilidade é imposto socialmente. O ser feminino é vendido nas páginas de anúncios, nos comerciais de tv, nos folhetins. Hoje, há um conceito muito homogêneo em torno do tema. No bate-papo com essa amiga, chegamos a refletir sobre a pouca variedade de estilos femininos na tv, por exemplo. Da empregada doméstica à luxuosa integrante da alta sociedade, a feminilidade é descriminada em características bem semelhantes, eu diria até iguais.
O conjunto do moderno ser feminino reúne itens como o salto alto (servem as sapatilhas românticas e as sandalinhas delicadas também), a maquiagem (ainda que básica), os acessórios e a roupa incrementada (que não exige necessariamente brilhos e paetês). O cabelo também precisa estar em dia (sim, até os cachos desajeitados que surgem por aí são resultado de horas em salões de beleza). O desajeitado de descuido, de falta de tempo para pentear, esse não vale. E não é só no mostrar-se ao outro (= aparência) que encontramos a fórmula exata (???) da feminilidade. É preciso ter um certo comportamento também, que exige delicadeza nos gestos e nas palavras. A mim, me parece querer enfiar a mulher em uma caixinha e atarrachá-la, aprisionando-a em um universo de regras rígidas e descabidas.
O que penso da feminilidade vai além do negócio mercantilista que virou a expressão “ser feminina”. Para ser feminina, não é preciso se adequar a estes parâmetros que temos por aí. É possível esbaldar feminilidade dentro de cada estilo que a mulher decide adotar. Eu acredito que o problema da aceitação social fortalece ainda mais esse paradigma. O diferente é excluído, há sempre uma dificuldade maior de se entrosar em um grupo. E isso vale também para aquelas mulheres que optam por um visual mais alternativo, que está fora das páginas das revistas de moda. É importante transmitir a ideia de que não precisamos abrir mão do nosso estilo para que sejamos consideradas “mais mulher”. Se nós, mulheres, não entendermos a importância disso, vamos apenas propagar uma visão discriminatória do assunto.
O estilo é importante até para a moda. Dá um ar de individualidade dentro deste universo de “iguais”. O estilo é como uma digital, uma marca registrada. É o que nos dá identidade própria, que nos singulariza. Ele é fundamental. É importante respeitar o estilo, compreender cada mulher dentro do contexto em que se insere, pelo que ela defende e acredita. Isso é ser feminina, ainda que o batom (ou o gloss) não esteja colorindo o rosto, ainda que a sobrancelha esteja por fazer e que os cabelos não vejam o salão há algum tempo. Ainda que o tênis seja sua opção diária, combinado com uma calça jeans de corte comum e sem adornos. Ser feminina está acima de tudo isso. E nós não podemos permitir que deturpem também este conceito.
Identidade é coisa muito séria. Não é a tôa que vemos tantas mulheres angustiadas e tristes por desejarem se adequar a um padrão de beleza que pouco ou nada tem a ver com elas, com a sua história de vida e com seus princípios. Querer ser magra é até justificável se o objetivo for ter menos problemas de saúde e manter o corpo saudável por mais tempo (e que isso não seja apenas um discurso de dentro pra fora porque há as que emagrecem a base de remédios barra pesada, ficam “lindas” por fora e no discurso, mas doentes por dentro).
Estar um pouco acima do peso não é nenhum problema, nenhum nutricionista vai recriminar quem quer que seja em termos de saúde se possuir alguns quilinhos de sobrepeso. A questão é querer se manter magra para ficar parecida com a atriz/modelo da novela ou com a modelo/atriz das passarelas. Até porque, já não é novidade para ninguém, várias das que aparecem nas capas de revista não são magérrimas do jeito que aparentam. Suas gordurinhas, pneuzinhos, tatuagens e até umbigos são consertados e colocados no “padrão” desejado por meio de programas de editoração de imagens como o Photoshop. E a menina que for sonhar em ser como elas vai quebrar a cara com certeza.
Recentemente, virou até moda dizer que as fotos que aparecem na revista não foram retocadas, como aconteceu com a atriz Cléo Pires que alardeou que não tinha sido “photoshopada” na Playboy mas admitiu, logo depois, que havia sido, sim, retocada.
E quando falo de identidade, não me refiro somente ao corpo. Cabelo também tem a ver com identidade. O seu tipo de cabelo evidencia sua origem étnica e fala muito sobre o que você pensa sobre si mesma através das intervenções e modificações que faz nas madeixas. Por bastante tempo sofri com essa questão identitária pois, à exceção de alguns anos em que usei o cabelo enrolado, nos últimos seis anos, pelo menos, mantive o cabelo à base de químicas que o deixavam com aparência lisa.
Desejava voltar ao enrolado, mas não encontrava uma solução que me deixasse satisfeita pois o tratamento com bigudinhos de antigamente exigia doses e mais doses de creme que deixavam o cabelo com aspecto melecado e até mesmo repulsivo. Naquele tempo, não gostava que ninguém tocasse no meu cabelo até mesmo por vergonha da aparência dele. Meus problemas começaram a acabar quando soube que havia uma rede de cabeleireiros que tratava o cabelo afro-descendente, como é o meu caso (aquele cabelo que nunca aparece nas revistas femininas), estimulando o fio a enrolar de forma natural, sem a violência da modelação por meio de bigudinhos.
Quando a rede Beleza Natural chegou a Salvador, me informei por telefone e soube que precisaria ficar afastada da química anterior por pelo menos três meses. Esperei cinco meses de cabelo amarrado diariamente e já me programava para ir ao salão quando fui convidada por meio de “voucher” encaminhado pela assessoria de imprensa da rede em Salvador, a experimentar gratuitamente o Super-Relaxante com direito a um novo corte. Aceitei, marquei hora e me submeti à prática.
O resultado obtido foi o melhor possível. Meu cabelo ficou muito melhor do que eu esperava e ouvi elogios unânimes das pessoas ao meu redor. Meu cabelo agora é enrolado e vai continuar sendo porque eu me sinto mais livre desta forma. Olho no espelho e vejo uma mulher muito mais parecida com o que sou de verdade e sem o estresse das químicas agressivas e da eventual chapinha. Agora, depois que o frio passar e a temperatura aumentar, poderei voltar a praticar minha adorada natação, sem me preocupar com a aparência do cabelo após sair da piscina. Estou muito feliz mesmo e satisfeita com meu novo visual. Não canso de me olhar no espelho. Melhor do que isso, só a entrevista que segue abaixo com a dona e idealizadora da rede de salões Beleza Natural, Heloísa Assis, mais conhecida como Zica, uma mulher que correu atrás do seu sonho e o realizou, contemplando, por extensão, o sonho de tantas outras. Inspiração para todas nós. Ah, a foto do meu novo look vou ficar devendo, mas assim que a tiver postarei aqui no blog. Beijos e boa leitura.
GC – Seu salão tem uma estratégia muito inteligente que é contratar funcionárias que causam uma forte identificação entre as clientes que possuem tipo de cabelo semelhante. Pelo que conversei no salão, inclusive, muitas usam o Super Relaxante e atribuo a isso o fato de elas explicarem tão bem o funcionamento do processo. Como você chegou a esta configuração, você fez estudos de marketing ou foi mesmo uma intuição muito certeira que deu resultado na prática?
ZICA – Sempre tivemos o foco em dar a oportunidade do primeiro emprego às pessoas. Aliado a isso, muitas clientes que vinham ao instituto se interessaram pelos cargos que oferecíamos. Ano após ano, esse movimento aumentou e hoje contamos com 90% de nosso quadro de colaboradores formado por ex-clientes, tanto na operação, quanto nas áreas administrativas e na fábrica. Como utilizamos fortemente o marketing de relacionamento, esta oportunidade acabou virando uma importante ferramenta para instrução de nossos serviços e produtos e também para ouvirmos de perto e entendermos melhor os anseios das nossas clientes.
GC – Eu me identifiquei fortemente com o seu salão desde que vi a matéria no Mundo S/A (programa semanal sobre economia do canal GNT) e fiquei muito feliz quando vi que tinham chegado em Salvador, até porque usava métodos que não me satisfaziam plenamente. Ao usar o Super Relaxante, obtive exatamente o resultado que buscava. Como você chegou a esse produto? Sei que foi um esforço pessoal seu, com base na sua insatisfação com o próprio cabelo.
ZICA – Meus cabelos (muito crespos e sem maleabilidade) me incomodavam muito. Resolvi, então, estudar para ser cabeleireira porque acreditava que, conhecendo meu fio, poderia fazer alguma coisa para melhorar minha situação – não me conformava em ter de alisar os cabelos para ficar com um aspecto razoável. Eu percebia que, quando saía do banho, meus cabelos ficavam pesados e mais macios, com os cachos definidos. Era assim que eu gostaria que eles ficassem. Passei dez anos estudando o fio crespo e misturando e testando cremes e produtos com o intuito de me dar aquele visual sonhado: cabelos naturais, cheios de cachos, com brilho, maciez e beleza. Quando cheguei à fórmula que deu aos meus cabelos mais maleabilidade, o Super-Relaxante, além de ficar extremamente feliz com o resultado, percebi que poderia levar essa solução para várias pessoas da minha comunidade, todas com um problema similar ao meu. Assim surgiu o primeiro salão Beleza Natural, na Tijuca, no Rio de Janeiro. Hoje, temos onze institutos, sendo nove no Estado do Rio de Janeiro, um em Vitória (ES) e outro em Salvador (BA). Nossas unidades têm, em média, 1.000m² e atendem, mensalmente, cerca de 70 mil clientes.
GC – Você transmite uma imagem muito forte de determinação e busca do próprio sonho que acabou se tornando realidade. Será esse o “segredo” do sucesso do Beleza Natural, ter nascido de uma necessidade pessoal que atende à comunidade que não era contemplada pelos salões atualmente obcecados pelo alisamento e pela chapinha?
ZICA – Acho que o sucesso veio porque as clientes encontraram um local onde finalmente alguém entendia o problema do cabelo crespo e respeitava todas as suas particularidades. O crespo é um cabelo em que a oleosidade natural tem mais dificuldade para chegar da raiz até as pontas. É o tipo mais seco de todas as estruturas capilares existentes – e também o mais frágil. É preciso ter cuidados especiais para tratá-lo, com suas particularidades. E aqui fazemos exatamente isso. Os fios crespos, cacheados e ondulados precisam de reforços com hidratações de aplicações específicas para que se tornem mais maleáveis, percam o volume e fiquem fáceis para o manuseio no dia-a-dia.
GC – Para mim, que nunca me identifiquei com os cabelos lisos das revistas de moda, ainda que tenha me rendido à chapinha por falta de opção melhor (afinal de contas, as químicas que usam bigudinhos pra moldar o cabelo exigem tratamentos de manutenção que deixam o cabelo com aspecto de molhado e mal cuidado, o que me afastou do processo), o Beleza Natural foi um verdadeiro achado. Você acredita que as mulheres começam a ficar prontas para abandonar a ditadura do cabelo liso, parar de sacrificar sua essência para atender aos padrões de beleza atuais, e se renderem à sua essência afro-brasileira?
ZICA – Com certeza. Este ano estamos completando 17 anos no mercado e nossa campanha institucional retrata toda uma geração de mulheres que nunca precisou alisar os fios, usar cabelo implantado ou amarrado, pois o Beleza Natural já existia em suas vidas quando elas resolveram tratar de seus cachos. A cultura dos cachos está cada vez mais forte. São novelas com protagonistas cacheadas, atrizes e cantoras valorizando seus cachos e a indústria da beleza lançando cada vez mais produtos para este mercado.
GC – Sob toda a estratégia de comunicação do Beleza Natural, percebo que existe uma disposição de reforçar a identidade e aumentar a autoestima da mulher que tem cabelo ondulado e encaracolado, notadamente devido à nossa herança afro. Acredito que vocês queiram atingir todas as mulheres com ascendência afro ou não, mas as mulheres negras são um foco especial?
ZICA – Quando começamos a cuidar dos cabelos crespos e ondulados nossa maior demanda era de mulheres negras, que são a maioria das insatisfeitas com seus cabelos. Mas, ao longo destes anos, percebemos que vivemos num país miscigenado, onde os casamentos entre as raças acontecem numa ordem crescente, gerando filhos com características únicas. Temos o desejo de dar autoestima a muitas mulheres, independente da origem. Nos especializamos em soluções para os cabelos crespos e ondulados e queremos melhorar a autoestima da mulher afrodescendente, em especial, e também de todas as outras que desejam cultivar seus cachos da melhor maneira possível.
GC – O Super Relaxante e os produtos de tratamento são de fabricação própria. Como é a estrutura da fábrica que dá suporte ao Beleza Natural, quantos funcionários vocês têm, qual o faturamento anual do negócio e como tem sido a evolução? Existem planos de expandir a rede para além de RJ, ES, BA?
ZICA – Desde 2004 criamos a fábrica Cor Brasil, que produz cerca de 250 toneladas de produtos por mês. A fábrica alimenta os 11 institutos com produtos de uso profissional e também mais de 40 produtos em linhas de manutenção para o público final. Atualmente, a rede conta com 1.300 colaboradores. Atendemos cerca de 70 mil clientes por mês nas onze filiais da empresa. Nosso percentual de crescimento é, em média, 30% ao ano. Nosso maior sonho, hoje, é levar autoestima a outros estados do Brasil (além do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Bahia, onde estão instaladas nossas filiais) com solidez. É levar o Beleza Natural a outras cidades, repetindo os acertos que tivemos ao longo desses 17 anos. Depois disso, nosso grande objetivo é chegar ao exterior. Só que pretendemos crescer sem perder nosso padrão de qualidade e manter a nossa cultura de valorização das pessoas. Para isso, é necessário profissionalizar cada vez mais a gestão da empresa. É alcançar algumas metas a que nos propomos, mas crescendo com qualidade, sem perder em atendimento, sem perder o carinho que temos por nossos clientes e colaboradores.
GC – Para mim é muito clara a estratégia de vir para a Bahia, estado com maior quantidade de mulheres afro-descendentes, com cabelos originalmente encaracolados, e a instalação da primeira sede na Liberdade, bairro mais negro da capital baiana. Quais os seus planos para Salvador? Há projetos de abrir novas filiais em outros bairros? Se há, em longo, médio ou curto prazo?
ZICA – Em longo prazo, queremos abrir mais lojas em Salvador. Já até fizemos um estudo de geomarketing que aponta outros bairros onde deveríamos estar. No futuro, o plano é ter ao menos mais três lojas na cidade.
GC – Qual foi o investimento total para instalar a primeira sede do Beleza Natural em Salvador?
ZICA – R$ 3 milhões.
GC – Você diria que, com base na sua própria experiência de vida, de uma mulher que correu atrás do próprio sonho e conseguiu contemplar o sonho de muitas outras, que a mulher tem força, ainda que nesse mundo fortemente machista no qual ainda vivemos, para realizar e empreender?
ZICA – Claro! Com força de vontade, garra e determinação sempre conseguimos vencer barreiras e obstáculos. Por isso, a discriminação é algo que nunca deve incomodar a mulher. Tínhamos certeza de que nosso negócio daria certo e de que nosso empenho e dedicação seriam suficientes para passar por cima de qualquer preconceito. Para mim, a discriminação ou o preconceito estão dentro de cada um. A mulher que não se sente vítima deste tipo de reação, certamente não terá dificuldades em ser uma vencedora.
GC – Você daria alguma dica em termos de empreendedorismo para as mulheres que querem chegar longe, assim como você chegou?
ZICA – O mais importante é correr atrás de seus sonhos e não desistir diante da primeira dificuldade. Para começar qualquer emprego ou negócio é importante entender bem e amar verdadeiramente o ramo no qual vai atuar ou pretende investir. O trabalho só é bem feito quando se gosta do que se faz. É imprescindível estudar e buscar novos conhecimentos. Este é o meu conselho para qualquer pessoa: tenha muita determinação, força de vontade e procure aprender um ofício e se dedicar a este aprendizado.
GC – Como você vê a mulher contemporânea? Suas posturas, a forma de lidar com o mundo, com os homens e com o mercado de trabalho?
ZICA – Nós, mulheres, ficamos muitos anos fora do mercado de trabalho e acredito que, agora, tendemos a agarrar todas as oportunidades que nos são oferecidas. Também somos muito dinâmicas. Você já pensou quantas atividades fazemos todos os dias? Somos mães, esposas, trabalhamos fora, enfim… Temos todas estas tarefas diárias e conseguimos driblar tudo isso sem desistir, sem esmorecer. Também somos mais perfeccionistas e estamos sempre de olho em tudo. A mulher se supera constantemente e, por este motivo, temos alcançado vôos tão bacanas.
GC – Cada vez mais, as mulheres têm sido alvo de violência em todos os âmbitos, especialmente, o doméstico. Como você vê isso e que saídas apontaria para que as mulheres não sejam mais alvos tão fáceis da truculência de alguns homens que insistem em querer “domar” a força feminina?
ZICA – A coisa mais importante a dizer é que é preciso se amar para que as pessoas nos amem e nos respeitem. É assim que me sinto e espero que todas se sintam assim. Além disso, elas devem se cercar de meios formais para terem sua segurança garantida.
Serviço: Instituto Beleza Natural Telefone: (71) 3389-7744 Horário de funcionamento: segunda-feira a sábado, de 8h às 19h Referência: ao lado da Igreja Universal, no Largo do Tanque, nº 108, loja 3. Liberdade.
Faz tempo que reflito sobre privacidade e o ato de manter a própria vida longe da curiosidade alheia. Com tantas formas de interação disponíveis na internet, tais como o Orkut, facebook, MSN, twitter, comunidades disso e daquilo, sinto que a geração mais nova perdeu a referência do que seja vida privada, num sentido mais profundo da palavra. Não existe mais limite para o que pode ser compartilhado e o que não é de interesse de ninguém mais, a não ser da própria pessoa e de seu círculo mais próximo. Intimidade é artigo raro nesta rede de um milhão de amigos.
Não é uma novidade refletir sobre esse tema, visto que existe todo tipo de estudo sobre o assunto, dos mais sérios aos sensacionalistas. E nem considero hipocrisia também meter minha colher nesse angu, ainda mais que escrevo em blog, tenho twitter, Orkut, facebook, MSN e ainda integro uma rede de bibliófilos, a Skoob, que reúne colecionadores de livros e de leituras (escrevo sobre ela qualquer dia desses). Como usuária das ferramentas, membro das comunidades virtuais e como migrante digital por conta das 36 primaveras de vida, me considero no direito de opinar.
Não é para falar contra a tecnologia ou as novas formas de interação que estou aqui dividindo essa chuva de palavras com quem tiver paciência para ler até o final. Sabemos que o ser humano precisa se expressar. Está aí a arte, em todas as suas manifestações, do cinema a telenovela, do blog ao romance, da pintura a moda, para provar que interação é uma realidade tão antiga quanto o mundo. Os teóricos da comunicação, apesar de se esforçarem para soar “novidadeiros”, não criaram praticamente nenhum conceito novo. Nós, humanos, somos gregários e interativos desde sempre, só funcionamos em bando desde que o mundo é mundo, logo, qualquer ferramenta ou forma de expressão que nos ajude a manter a ideia de comunidade é sempre bem-vinda. Mas, houve um tempo em que mesmo em bando, reservávamos um espaço doméstico e quase sagrado, onde a solidão não era temida, onde a alegria e a tristeza eram divididas apenas com pessoas da maior confiança. Onde o isolamento favorecia a reflexão. Ultimamente, somos papagaios: falamos, reproduzimos outras falas, fazemos um barulho imenso, mas pouco do que é dito importa de fato. Temos medo de ficar sozinhos e em bando, nem sempre dá para refletir.
Minha inquietação é com a incapacidade cada vez maior das pessoas em perceber limites para a privacidade. A própria e a alheia. Fui criada de uma forma moderna, em alguns aspectos, e completamente antiquada, por exemplo, quando o tema é o respeito ao espaço do outro. Nunca tive permissão para dormir na casa de amigos quando era criança e nem tinha permissão para receber amiguinhos em casa para dormir. Os que vinham brincar, ou quando eu ia brincar na casa de alguém, era sempre na sala de visitas. Abrir a geladeira da casa de outra pessoa? Acredito que seja algo inconcebível para os membros da minha geração. Pelo menos para mim, só funciona se for na casa de alguém muito próximo, onde me sinta tão à vontade que possa ajudar na cozinha a lavar e secar a louça. Graças a Deus tenho amigas assim, quase irmãs de tão próximas. A intimidade é tão sagrada e necessária, que não pode e nem deve ser banalizada como tem sido atualmente.
Na minha infância, existia a sala de visitas, que era separada da sala de jantar e de outros cômodos “reservados” da casa, justamente para evitar que as pessoas fossem invadindo, enfiando-se no quarto, vasculhando guarda-roupas. Pelo menos creio que a ideia era essa, manter a visita confortável, acolhida, amada, mas sem deixar que ela se espalhasse por espaços que não lhe pertenciam. A menos que fosse íntima da família.
Depois de adulta, nunca me senti à vontade em abrir o armário de uma amiga, ou de permitir que uma das minhas amigas vasculhasse minha bolsa em busca do celular que estava tocando. Vi uma cena uma vez, ocorrida com uma amiga íntima. Um conhecido em comum nosso, mas sem o mesmo grau de intimidade, sem a menor cerimônia, atendeu o celular dela, depois abriu a bolsa da minha amiga e jogou o aparelho lá dentro, diante do olhar atônito, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Hoje em dia, as crianças na sala de aula do meu filho, por exemplo, acham que é a coisa mais normal do mundo abrir as mochilas uns dos outros para pegar lápis, esquadros, borrachas ou o que quer que estejam precisando, sem ao menos pedir licença ao dono legitimo daquelas coisas. E estranham o fato dele não fazer o mesmo!
Não abro a bolsa da minha mãe ou da minha irmã até hoje, nem a das amigas, a menos que elas permitam e ainda assim, só das muito íntimas. Quando preciso abrir as gavetas de mamãe para buscar alguma coisa me sinto como se invadisse um espaço que pertence a ela. Independente de ser minha mãe, ela tem direito a um espaço único e pessoal. Tento ensinar ao meu filho o mesmo conceito, de respeito à individualidade e à privacidade alheia. Só devemos ir até onde nos é permitido, sem forçar uma intimidade que na maioria das vezes não existe e até constrange o outro.
Outro exemplo, só para ilustrar e ajudar a aclarar as ideias: Não costumo acompanhar avidamente cada atualização de perfil do Orkut dos meus amigos. Tento manter o contato por esta ferramenta ou por outras, repito, não tenho nada contra às ferramentas de interação, mas sem exageros. As comunidades virtuais, quem usa sabe, são divertidas, práticas, facilitam manter proximidade mesmo com quem está distante, ajudam na troca de conhecimento e de ideias, mas ao menos para mim, seriam melhor aproveitadas sem a obsessão de saber o que todos fazem ou dizem a cada segundo do dia. Fico conhecendo melhor as pessoas por suas ideias do que, por exemplo, se estivesse xeretando para saber se estão com o status “namorando” ou “solteiro” ativado.
Acredito que a interação atual – a forma como ela é usada – cria um falso sentimento de intimidade. Tão descartável quanto boa parte da produção cultural caça-níqueis que infesta o mundo tanto real quanto o virtual. Ficamos sabendo se determinada pessoa é casada ou não, se gosta de laranja ou azul, se bebe ou fuma, se vai ao cinema ou se é do tipo baladeira, mas não ficamos sabendo como essa pessoa é de fato, o que ela sente, o que ela acredita. Contamos quantos namorados fulano teve em um ano, de acordo com as vezes em que fulano alterou seu status de relacionamento na internet, mas no que isso nos aproxima ou afasta mais de alguém?
Suspeitamos, melhor dizendo, supomos que fulano tem tal tipo de personalidade porque gosta de tal coisa, mas saber de fato como é alguém, acredito que não sabemos nem depois de anos de convivência. E sinceramente, para mim, é bom que seja assim, fica sempre uma margem de surpresa que, no mínimo, vale para manter o interesse pelo outro. Um pouco de mistério sempre seduz. Não quero saber todos os segredos dos meus amigos, eles têm direito a manter guardadas coisas que não querem mostrar para ninguém. Não me sinto menos amiga por isso. Antes até, crio um laço invisível, como se nos aproximássemos mais pelo que não é dito do que pelo que está exposto para todo mundo ver.
Querem ver outra coisa que me incomoda nessa falta de privacidade generalizada? É quando as pessoas te cobram para manter o twitter 24 horas por dia com novidades. Um post a cada minuto, de preferência. Começam a te seguir numa espécie de desespero e frenesi e quando você não corresponde à velocidade de atualização, param de te seguir e vão atrás de outra pessoa mais “interessante” (?) Tudo bem, a ideia da ferramenta é comunicação instantânea, mas será que vale a pena dizer alguma coisa apenas por dizer, apenas para manter a legião de seguidores? Será que todo ávido seguidor lê mesmo o que o outro está tentando dizer naqueles módicos e telegráficos 140 caracteres? Não costumo blogar se não tiver algo interessante para publicar, seja escrito por mim ou por terceiros. Ou me sinto inclinada a dividir algo que realmente valha a pena ou guardo silêncio. E o conceito de silêncio, tanto no ambiente virtual quanto fora da rede, tem mais nuances do que simplesmente ausência de ruído. Guardar silêncio, quando não se tem nada que valha a pena ser dito, é uma atitude sábia e respeitosa com os demais.
Voltando à questão da privacidade. O exemplo que a meninada segue com cada vez mais freqüência é o das celebridades que expõem as conquistas e as mazelas com o mesmo empenho em todo tipo de revista, algumas com linha editorial duvidosa. Nada mais é segredo, nada mais é pessoal, tudo é compartilhado e coletivo. A dor de alguém tem de ser a dor de muitos, a felicidade de alguém tem de ser a felicidade de muitos. Se uma pessoa é legal e é artista, tem de virar modelo de comportamento e namoradinha do Brasil. Se comete um erro e é também artista, a queda na lama e a redenção precisam ser públicas. Mas, atualmente, nem precisa ser celebridade, de fato ou instantânea, para fazer da vida um “livro aberto”. Qualquer pessoa expõe mais do que seria recomendado, apenas pelo prazer de expor ou pela necessidade de saciar a doentia curiosidade de quem lê. Nem os mortos podem ser chorados em casa, porque seus perfis permanecem eternamente cultuados como numa seita fanática, assombrando orkuts e facebooks. Pessoalmente, acho de uma morbidez assustadora.
Perdemos a identidade de individuo e vivemos a era da identidade de grupo. Angustia-me essa superexposição e a patrulha de ideias que advém de tanto interesse na vida uns dos outros. É como se vivêssemos em eterno estado de big brother (falo daquele de George Orwell e seu emblemático livro 1984 e não do programa do Pedro Bial, que aliás, fabrica celebridades instantâneas e nada discretas).
Outro dia, conversando com minha irmã, ela questionou qual é o sentido, por exemplo, de alguém se preocupar tanto com a opção ou orientação sexual de outra pessoa? Comentávamos uma reportagem que vimos, mais uma da série “fulano saiu do armário”. Para mim, tanto faz se saiu ou entrou. Pessoalmente, me interesso mais pelo caráter das pessoas do que em saber com quem elas dormem. Gostaria que os movimentos que elegem seus símbolos dessem ao escolhido o direito de optar se querem mesmo tornar-se símbolo desta ou daquela militância. Se quer virar mito e inspirar outras pessoas, incentivar ou fortacelecer o movimento, ótimo, vá lá e diga para todo mundo que escancarou a porta do armário. Mas se não quer dividir seu armário com mais ninguém, beleza também, respeito você do mesmo jeito. A cobrança para que a pessoa faça isso ou aquilo, diga isto ou aquilo, é que me tira do sério. Se a estrelinha da tv quiser manter-se virgem até casar ou se já deu para o prédio inteiro onde mora, o que é que eu tenho com isso?
Tornar a vida um grande acontecimento público é cansativo e é uma armadilha. Além de ser fake. Soa falso pelo simples fato de que ao nos mostrarmos para os outros, conscientemente, buscamos sempre exibir nosso lado mais gente boa e tendemos a esconder o chamado dark side. A falta de privacidade cria uma sociedade de espelhos de narciso. Já repararam que somos sempre mais bonitos no espelho do que numa fotografia, por exemplo? Aprendi esse conceito nos tempos da faculdade. É o seguinte, relembrando as aulas do meu velho mestre: isso acontece porque o espelho nos reflete tal qual nos imaginamos, o espelho mostra o que queremos ver, e a fotografia nos mostra tal qual somos de fato, com nossos ângulos bons e ruins.
Só que agora existe o photoshop para dar uma melhorada no que a fotografia mostra e a fotografia se converte cada vez mais em espelho.
Nem é a essência das coisas que eu busco, porque acredito que as coisas tem mais de uma essência. Na verdade, todas as coisas são formadas pela mistura dessas infinitas essências. Ainda bem, porque ansiar por pureza me lembra nazismo. Deus me livre!
Confesso é que ando em busca de um pouco de retorno ao individuo, sinto falta do ser humano, único, pessoal, intransferível, secreto, privado, íntimo. Mas tudo o que vejo é sempre multidão…
*Andreia Santana, 37 anos, jornalista, natural de Salvador e aspirante a escritora. Fundou o blog Conversa de Menina em dezembro de 2008, junto com Alane Virgínia, e deixou o projeto em 20/09/2011, para dedicar-se aos projetos pessoais em literatura.
Sempre tive por perto várias revistas femininas diferentes, com as mais variadas linhas editoriais. A depender da publicação, é claro que toda regra tem sua exceção, muito raramente encontro coisas interessantes nelas. Acabo lendo algumas matérias como que movida por uma curiosidade antropológica, a fim de descobrir qual o grande achado da vez. A decepção é recorrente. Estas revistas não mudam. E explico.
Minha relação com este tipo de publicação começou pela famosa Capricho, nos anos 80, bem tardiamente. Devia ter lá pelos meus 19 anos. Enquanto as meninas da escola já tinham suas enormes coleções, eu estava comprando a minha primeira. Até gostava, mas não entendia o motivo daquela paixão toda por aquele conjunto de folhas coloridas e cheias de fofuritchas para adolescentes.
Em primeiro lugar, como acontece até hoje, eu não me via naquelas revistas. Meu cabelo não estava lá, minha cor de pele não estava lá, meu nariz não estava lá, minha pele não estava lá, minha origem não estava lá. Comecei a entender o motivo de tanta identificação das coleguinhas de classe. O tempo foi passando e eu abandonei a Capricho, cansei dela, não me atendia mais. Cresci.
Mudei de foco, de publicação, mas minhas características continuavam a não ser retratadas. Mantive minha postura crítica mas dei uma chance a elas me voltando para as matérias mais consistentes, históricas ou comportamentais. Só que aí também há problemas. Por trás de todo aquele verniz de revista voltada para a mulher moderna, a meu ver, todas elas reforçam o estereótipo da mulher que faz de tudo, mas tudo mesmo, para agradar o homem.
Se não, vejamos. As matérias sobre sexo são o exemplo mais notório. O foco do prazer é o homem. Ali, em várias páginas, a mulher é orientada sobre como ter a melhor performance na cama com seu par. Como fazer um bom sexo oral “para levar seu amor às alturas”, que lingerie usar porque “seu homem vai amar”, como se manter magra “os homens que gostam de gordinhas são exceções”.
No trabalho, no cuidado dos filhos, a linha é a mesma. Nenhuma delas se arvora a incitar a mulher a virar a mesa da tripla, quádrupla ou quíntupla jornada do trabalho – “a mulher hoje tem que equilibrar diversas funções, então já me acostumei com a culpa de ter que ficar menos com os filhos”. O homem é aquele que é chamado a “ajudar” nas tarefas ao invés de ser estimulado a “compartilhar” as atividades. É aquele ser a quem se deve prestar todas as homenagens. Grávida? De mal humor? Cheia de hormônios enlouquecendo o juízo? “Se esforce para não deixar a chama do casamento apagar”.
Então, onde está a modernidade? Que mulher é essa que as revistas querem incutir na mente de todas nós? A super mulher maravilha? A que faz de tudo no trabalho, em casa, na cama, na família, exerce múltiplas funções, mas não pode mesmo esquecer de servir ao maridão que, afinal de contas, é a razão e objetivo de vida de todas as mulheres… Será mesmo?
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