Cronicamente (In)viável: Velhinhos ativos e cansados, mas com energia de sobra…ou quase

Chronos, o senhor do tempo

Me entendo por velha antes mesmo de saber-me gente. Criada por mãe e avó com grandes diferenças de idade, a velhice não me assusta por sua existência, mas pelas ausências que ela comporta. Tenho medo de ficar sem memória e de passar a depender dos outros e me agarro a vã esperança de que serei uma idosa independente, estampada de flores e calçada em tênis confortáveis.

Converso com um amigo, um ou dois anos mais novo que eu. Refletimos sobre o que é ser uma pessoa de quarenta e poucos anos no século XXI e o que era ter essa idade algumas décadas atrás. Em geral, não nos sentimos abatidos ou sisudos como eram os quarentões do tempo de nossos avós, embora os amigos de nossos filhos nos chamem de ‘tio’ e ‘tia’. Ao mesmo tempo, sabemos que não somos mais novinhos. “Vivemos uma espécie de maturidade cheia de energia”, filosofa o meu amigo, convencido de que estamos em plena forma.

Outro conhecido, de 54 anos, me confessa que na própria cabeça, ele se imagina com 18. “Mas um cara de 18 responsável!”, enfatiza. Já eu, tem dias que me sinto com 90. A verdade é que, de vez em quando, percebo que me falta energia. Alguns dias mais, outros menos, os quase 45 anos – daqui há 22 dias – pesam e me recordam que os joelhos já não são tão flexíveis. A coluna também cobra a postura torta de uma vida.

Jovens para sempre

Tenho percebido que aquele vigor intenso vendido nos comerciais de Vitamina C anda escasso entre as pessoas da minha geração e até entre as mais jovens, como se elas já nascessem cansadas e precisassem de um banquinho para descansar cada vez mais cedo. Outra amiga, essa com 30, me confidenciou que, ultimamente, só vai em eventos onde tenha lugar para sentar. Ri alto dessa velhinha precoce e lembrei que eu mesma me sinto idosa desde criança.

A sensação de que o tempo passa cada vez mais depressa é real para vários conhecidos. Acordo e a lista de afazeres não cabe no dia. As pausas necessárias para recarregar as baterias são cada vez mais necessárias e escassas. Abrir um tempo para não fazer nada é praticamente recomendação médica para pessoas que andam estressadas, super atarefadas e sentindo-se cansadas quando a velhice ainda nem apontou na esquina da vida.

E as soluções para combater o cansaço são igualmente cansativas, porque o mundo contemporâneo não permite que o tempo da pausa seja apenas para ficar sem fazer nada. É preciso encher a existência com atividades. O que se entende por descanso é só a troca de um cansaço por obrigação, por um cansaço lúdico. Descansamos do trabalho e das demandas obrigatórias em atividades de lazer cada vez mais barulhentas e menos contemplativas.

Ao mesmo tempo, a ideia atualmente em voga para a velhice é a da hiperatividade. Como a expectativa de vida aumentou muito desde que uma pessoa era considerada anciã aos 40 anos, cada vez mais é preciso incutir na humanidade a certeza de uma maturidade cheia de afazeres e disposição.

Comerciais de TV, personagens de ficção, coaches, personal treinares, artistas, etc. vendem a velhice que se disfarça de juventude eterna e, com isso, acredito que existe um lado negativo, que nos faz perder a dimensão de que envelhecer, se por lado traz conhecimentos e experiências acumuladas, por outro significa fragilidade e necessidade de cuidados. E não tem nada de errado em tornar-se frágil depois da vida inteira gastando reservas de força.

Se tem muitos idosos que naturalmente mantém-se ativos e produtivos até depois dos 80 anos, existe também um contingente enorme que se debilita muito mais rápido. E isso vai depender de diversos fatores da vida de cada um.

A meta é ter autonomia, lucidez e independência pelo máximo de tempo possível, mas isso não significa que a existência da velhice deva ser negada e escondida; ou que as palavras ‘velha’ e ‘velho’ sirvam apenas para definir coisas imprestáveis ou ultrapassadas. O tempo é velho, no sentido de infinito, e dele ninguém diz que é imprestável.

A velhice é um estágio da vida. Sempre me recordo de minha mãe dizer que se a gente não morre jovem, envelhece. E ninguém – ou quase ninguém – quer morrer jovem, porque a gente se apega demais à vida. Por mais complexa que ela seja, queremos esticá-la o quanto der.

Com a velhice se instalando – ao menos na teoria – cada vez mais tarde e, consequentemente, a infância, adolescência e juventude se prolongando em ciclos que ultrapassam os 30 anos, cobramos dos mais velhos que mantenham-se eternamente bem dispostos, desrespeitando, muitas vezes, seus ciclos naturais.

O preço do tempo

Tem uma hora que as pessoas vão mesmo envelhecer, que não vai ter plástica, Pilates, suplemento ou meditação que dê jeito. O tempo só avança e nosso corpo, essa máquina que muitas vezes é bem castigada, se desgasta com o uso. Então, é preciso aceitar as limitações da idade sem se sentir um fracasso.

Acredito que meu temor em depender dos outros com o passar dos anos se explica por essa ameaça de termos um mundo cada vez mais povoado por adultos infantilizados e incapazes de aceitar e compreender a velhice e seus limites. Ou mantemos a independência ou teremos de depender de pessoas imaturas e desprovidas de empatia para com as necessidades de uma humanidade cada vez mais velha e, consequentemente, frágil.

O cansaço crônico sentido por gente com até metade da minha idade também pode ser um fenômeno atrelado justamente a essa ideia de velhice hiperativa, que na verdade começa ainda na infância. É tanto estímulo recebido diariamente, nas redes sociais, nas ruas, na escola, no trabalho, no shopping center, etc.; e tanta cobrança para sermos eternamente vigorosos e atuantes – e bem dispostos e lúcidos e ágeis e habilidosos e bonitos e atraentes -, que simplesmente queimamos a pilha mais depressa do que antigamente.

E haja combustível para suprir tanta demanda por movimento!

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*Também publicado no blog Mar de Histórias

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Era pra ser só uma consulta com o otorrino

11Sim, era pra ser só uma consulta com o otorrino. Estava eu lá no Centro Médico, tinha acabado de sair da sessão de terapia, e decidi ligar para a marcação de consulta para saber se havia alguma especialidade médica com vaga disponível para aquela tarde. Eu já estava lá mesmo, e já estava na hora de marcar as tais revisões. A atendente, sorridente do outro lado da linha, disparou:

– Senhora, temos uma vaga agora mesmo para o otorrino! Quer que eu marque?

Não estava nos planos ouvir que havia vaga para o otorrino. Imaginei o oftalmologista, a ginecologista… Mas aí lembrei que já fazem alguns anos (sim, anos!!!) que sinto um pouco de falta de ar quando faço muita atividade intensa, precisando respirar pela boca. Lembrei também de uma dorzinha de cabeça chatinha que me persegue também há anos (e eu mesma diagnostiquei como enxaqueca!) e lembrei da sensação de estar sempre engolindo alguma coisa, como se houvesse um bolinho de carne na garganta.

– Ah, ótimo. Estava mesmo precisando de um otorrino! Pode marcar!

Dirigi-me à recepção, entreguei os documentos e comecei a mexer distraidamente no celular, enquanto aguardava ser chamada.

– Alane, sala 6!

Ouvi um berro. Berro mesmo! E fiquei perdida sem saber de onde vinha, porque a recepcionista continuava calada, entretida na frente do computador. Encontrei a sala 6 e descobri que quem me gritava era o médico (que será aqui chamado de Dr. X). Um senhor de seus 60 e poucos anos, magrinho, calvo e de bigode. Segui até a sala 6, ele já havia entrado lá. Ao abrir a porta, ele pediu que eu sentasse. Imediatamente ele levantou, saiu em disparada, resmungando alguma coisa que não consegui compreender e me deixou lá meio perdida. Voltou e me encostou na parede:

– Vamos lá, mocinha! Qual a sua queixa?

Expliquei o que já contei acima, meio insegura sobre os sintomas. Sem saber exatamente se ele ajudaria, se havia algo11 de errado comigo mesmo ou se ele daria uma gargalhada sutil e me mandaria procurar outro especialista. Mas não, ele começou um interrogatório. Tipo interrogatório meeeeesmo! Me senti na frente de um um juiz, um delegado ou algo do gênero.

– E você sente uma dor na cabeça, que sempre acha que é enxaqueca?

(Nossa, ele tem bolinha de cristal, pensei). Fiz uma afirmação contundente com a cabeça.

– E você sente falta de ar? Costuma acordar de madrugada com essa sensação de que o ar está faltando? E sente como se tivesse com o ouvido entupido? E costuma espirrar? Mas o espirro é uma vez só (e fez o som do “atchim”) ou você espirra duas, três vezes seguidas (e fez o som do “atchim, atchim, atchim”)? Essa resposta do espirro é muito importante para mim. Pense direitinho! E você sente como se algum alimento em sua garganta estivesse voltando? Fica rouca com frequência? Tosse muito? Pense bem que tudo isso é muito importante!

Foram tantas, tantas, tantas perguntas, que fiquei bem atrapalhada, tentando me recordar do que eu sentia, afinal. Eram sintomas de anos e para mim já pereciam bastante normais. Tentei ser o mais precisa possível, percebi que eu tinha vários dos sintomas que ele perguntava e nem tinha me tocado disso antes. E fui respondendo aos poucos, até que ele chega bem perto de mim, coloca as mãos no meu rosto e pressiona os dois dedos polegares na região da testa, logo acima dos olhos.

Dou um berro, senti uma dor insuportável. E ele, ignorando completamente meu gemido de dor, repete o mesmo movimento com os dedos entre os meus olhos, no início do nariz; e depois nas bochechas. Mais dois gritos de dor, cheguei a tentar afastar as mãos dele. Meio surreal. Daí ele tira os dedos, olha pra meu rosto e dispara:

– Você tem o rosto totalmente assimétrico, você sabia disso?

(Oi???????)

– Um lado de seu rosto é completamente diferente do outro. O normal é que fossem mais simétricos. Mas no seu caso um lado é bem diferente do outro!

(Hein??????)

11Fiquei meio sem saber o que responder. Enquanto ainda penso na afirmação dele, ele me manda abrir a boca, falar “aaaaaaaaaaaa”, coloca o palito na língua, olha, olha, olha.. vira, pega uma embalagem de alguma coisa e dispara o spray em minha garganta. Atordoada, começo a sentir tudo anestesiando… Pergunto a ele se é para engolir (eu já estava começando a engolir o tal produto). Ele solta um novo berro:

– Nãããããão!!! É para cuspir!

Joga uma vasilha de metal em meu colo, dois lenços em papel em minhas mãos. Volta-se para a mesa ao lado da cadeira em que estou deitada e, repentinamente, dispara a falar da situação do País, dos pacientes, dos médicos mais moços.

– É uma falta de respeito!! Você acredita que de sete pacientes hoje, só vieram quatro? E ninguém liga para avisar! Ninguém tem o mínimo de consideração pelo médico! Toda sexta-feira é isso!

Concordo com a cabeça, com a garganta anestesiada, uma sensação angustiante… Solto um “O problema são definitivamente as pessoas, os valores por aqui andam meio invertidos” sem saber direito se cabia à pergunta, de tão tensa que eu estava. Ele vira pra mim de novo, diz que precisa ver minhas laringes, me manda abrir a boca e enfia um tubo lá dentro, com a maior naturalidade… Arregalo os olhos, a vontade é tirar a mão dele dali e sair correndo, mas resisto, com vergonha… Ele continua:

– Por isso que esse país está assim, caótico! São as pessoas mesmo. Você sabe que o País vai desmoronar, não é? Você já sabe o que vai fazer? Já traçou seu plano B? Tem algum amigo ou parente fora do País para te dar abrigo? Eu vou embora deste País! Daqui a três meses vou morar na França. Vou pedir asilo político! Aqui não podemos ser de direita, somos perseguidos pelo PT. Não podemos ter um pensamento liberal!

Ele tira o aparelho, pensa alto “preciso olhar sua traqueia. Tenho certeza do que esperar de sua traqueia”. Vira de costas de novo, e continua seu desabafo:

– Você sabia que se pedir asilo político, tudo fica mais fácil para você? Eles te recebem, te oferecem um lugar para morar. Te dão um valor para você se manter. Entregam um cartão de identidade e você poderá ficar lá até a situação aqui no Brasil melhorar.

Volta-se pra mim de novo, joga um líquido em minhas narinas, sinto tudo anestesiar de novo, e lá vem ele com o tal aparelho enfiando no meu nariz! Fico acuada, é verdade, arregalo os olhos de novo. E ele dispara:

– Qual é o seu plano B, mocinha? O caos vai se instalar em seis meses, um ano no máximo.

Só consigo dizer a ele: “Neste momento, com esse troço dentro do meu nariz, eu não consigo nem raciocinar sobre meu plano A, quem dirá o B”.

Ele vira de costas de novo, fala mais uma vez consigo mesmo em voz alta: “Vai precisar cauterizar”. Eu continuo ali, 11estatelada na cadeira, sem me mover. E ele insiste, ainda de costas: “Preciso saber seu plano B”. Inspirada numa conversa recente que tive com uma amiga, disparo, tentando encontrar qualquer plano B que fosse convincente naquele momento: “Meu plano B é ir embora pra Portugal, fazer mestrado por lá”. Ele questiona: “Já tirou seu passaporte? Você não terá muito tempo. Precisa resolver isso pra ontem”. Eu respondo: “Vou resolver isso esta semana ainda, minha avó nasceu lá, deve facilitar”. Ele diz: “Ótimo, ótimo. O seu plano B é bom. Veja logo a faculdade”.

Novamente ele se vira pra mim, vejo que tem alguma coisa com um fogo ligado em cima da mesa, ele volta a jogar spray em meu nariz e enfia um tubo de um lado e do outro. Sinto um incômodo horroroso. Me dá vontade de sair correndo de novo! Resmungo de dor e bem baixinho: “Acho que a anestesia não funcionou muito bem”. Ele não responde, acho que nem ouviu. Tira os troços das minhas narinas, que começam a escorrer. Ele me dá vários lenços de papel e me manda assoar o nariz. Obedeço.

Ele continua, enquanto eu gasto todos os lenços: “Eu sabia. Você tem um quadro evoluído de sinusite. Tem rinite alérgica e um pequeno desvio no septo nasal. Pare imediatamente de tomar café e refrigerante, comer pimenta, chocolate e frutas cítricas. Eu vou te curar dessa sinusite e vamos tratar sua rinite alérgica. Será um tratamento longo, a princípio de 90 dias”.

Preocupada com a história do desvio, pergunto a ele: “e o desvio do septo nasal, Dr., é grave?”. Ele me diz que cuidaremos do septo nasal depois e me dá uma bronca velada por não ter procurado um médico antes. Informo a ele: “Mas eu já fui pra otorrino diversas vezes na vida. Eu nunca tive um diagnóstico assim. Até já tive crise de sinusite há muitos anos e… “. Ele não perde tempo, me interrompe e volta a disparar a metralhadora verbal:

– Sabe qual é o problema? Esses médicos de hoje! Eles lidam com o paciente como se o paciente fosse um inimigo querendo destruir sua vida profissional, com um processo! Muitos são orientados por advogados, sabia? Aí os médicos passam exames e mais exames e querem simplesmente se livrar dos pacientes. Eles não dão diagnósticos. E aí acontece o que aconteceu com você. Ficam penando com sintomas simples de serem resolvidos. Um verdadeiro absurdo. Esse país não tem mais jeito mesmo. Tudo culpa das pessoas…

Ele continua resmungando, enquanto me entrega uma receita médica. Me orienta a tomar três medicamentos: um por cinco dias, o segundo por 60 dias, e o terceiro por 90 dias. Ele me diz que o tratamento será longo, que terei de passar uns dois ou três anos acompanhada por ele. Mas que depois do tratamento serei uma nova mocinha. Me diz para evitar ingerir lactose. Fico arrasada com essa informação e já resisto em segui-la. Chocolate, tudo bem, Mas lactose??? Ah, não.

Ele me dá um outro papel e me diz que devo entregá-lo à recepcionista. Despede-se de mim rapidamente, me diz para voltar com 60 dias. Levanto, saio da sala e leio o papel. Lá tem dois itens descritos. O primeiro diz: laringoscopia e traqueoscopia. O segundo: corneto inferior cauterização linear. Chego em casa e pergunto ao Dr. Google o que significava cada um daqueles procedimentos. No final da consulta mais sem noção que tive na vida, saio ao menos com a sensação de que alguém finalmente tinha conseguido achar um diagnóstico pros sintomas que eu sentia há anos e que eu nem sabia que significava alguma coisa.

Quando saí da clínica, pensei a frase que deu nome a esse texto: “Era para ser só uma consulta com o otorrino”. Imaginei que entraria no consultório, sairia com exames a fazer, voltaria em alguns dias…  Não estava psicologicamente preparada para aquela sessão de horror. Não sei vai dar certo, mas saí animada para começar o tratamento e já pensando o que me espera daqui a 60 dias no nosso reencontro. Tentarei marcar novamente a terapeuta antes dele. Mas certamente o tema do meu encontro com ela será outro.

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Making off: saiba como se monta um editorial de moda

Tem um tempo que estou para publicar esse material muito bacana que a jornalista Jane Fernandes preparou para vocês, com todo o carinho, mostrando os bastidores de um editorial de moda. Corre daqui, corre dali, às vésperas de encarar a maratona de plantões carnavalescos, tiro da gaveta, para deleite das fashionistas e pesquisadoras deste vasto mundo da beleza feminina. Os bastidores de uma produção de moda sempre rendem uma curiosidade enorme. Nesse caso, o texto e as fotos tratam da realização de um ensaio da revista europeia ModaCycle, que movimentou as ruas do Centro Histórico de Salvador, em meados de fevereiro. A produção de maquiagem contou com a experiência de Valeria Meier, make up artist baiana radicada na Suiça, que também em fevereiro, deu curso de automaquiagem e foi convidada especial do encontrinho do blog (relembrem aqui).

Em tom de crônica, de quem observa a cena, Jane une jornalismo e subjetividade. As fotos, também de sua autoria, só ajudam a compor o cenário montado na nossa imaginação a partir da sua narrativa. Deu vontade de estar lá, mas como não estávamos, saibam o que está por trás do glamour que vemos nas revistas e divirtam-se! Eu me diverti…

Por trás da cena fashion

*Jane Fernandes

Quando vemos fotos maravilhosas que nos fazem desejar a roupa da modelo, o sapato que ela usa ou a maquiagem perfeita que exibe, mal podemos imaginar a trabalheira por trás de um editorial de moda. No último dia 14 estive nos bastidores de um editorial produzido em Salvador para a revista europeia ModaCycle e aproveito o espaço para dividir essa experiência com vocês.

Tudo começou com um imprevisto, a van alugada para servir de camarim, armário, transporte e o que mais fosse preciso teve um problema mecânico. Assim que a locadora enviou uma van substituta, a maquiadora Valéria Meier partiu para buscar a modelo Bruna Cabral e seguirem para a sede da D’Malicuia. O relógio marcava 10h quando Valéria e a prima Andressa começaram a arrumar o cabelo de Bruna. O calor era escaldante e a modelo a cada instante ganhava mais volume no cabelo, formando um moicano pra lá de estilizado.

O clima era de colaboração, o fotógrafo Fábio Abu-chacra definia com a modelo que a linha era natural, enquanto seus assistentes ajudavam a segurar o material de maquiagem, as meninas da D’Malicuia (Diane Lima e Mari França) ajudavam a definir os detalhes da make up e Andressa bancava a manicure. Eu, me limitava a observar, fotografar e, às vezes, perguntar. Como fiz quando Valéria colou um fita crepe na testa da modelo após preparar a pele da menina com base, corretivo e todos os produtinhos mágicos que usa para esse fim. Me assustei por não saber detalhes da proposta, mas a fita era para delimitar bem a área dos olhos a ser pintada, assim como se faz com as paredes, hehehe.

A tarde já tinha começado quando saímos em direção ao Santo Antônio Além do Carmo. Primeira parada: Antoniu’s Bar. Hora de descarregar todo o equipamento, medir a luz e fazer todos os ajustes para as primeiras fotos. A modelo vai entrando no clima de não fazer pose e logo está “esbarrando” no balcão deste bar com ares de armazém das antigas. Lembrei de Seu Elias, do Sítio do Pica-pau Amarelo, claro que foi viagem minha, mas fazer o quê se eu lembrei?

Sequência concluída e hora de trocar de roupa, sapato e acessórios, enquanto Fábio e equipe preparam tudo para o cenário de rua, que inclui uma parede que mescla grafite e pichação. As trocas de roupa são feitas na van, tarefa facilitada por um figurino composto de vestidos, saias e blusas. Ao longo do ensaio a modelo usou seis looks diferentes e era para carregar todas essas peças que a van fazia as vezes de armário.

Nessa locação,  a ideia é colocar a modelo em movimento, então ela caminha em direção aos rebatedores, enquanto o fotógrafo a enquadra em diferentes ângulos. Bruna vem direto, vem e gira, vem e pula, vem, vem e vem inúmeras vezes, e o cabelo começa a exigir os primeiros retoques: um grampinho (ou vários) no lugar certo e muito laquê para segurar o topete. Para compensar, na próxima parada, uma pousada cheia de charme, a modelo fica o tempo todo sentada numa rede. Aí, o trabalho maior foi de Fábio e seus assistentes às voltas com todos os ajustes necessários para conseguir um perfeito jogo de luz e sombra.

Ao escurecer, fizemos um pequeno lanche em frente à igreja do Boqueirão. O dia começou com sanduíches, coxinhas e refrigerantes ainda na D’Malicuia, passou por pastéis bem recheados e neste momento estava no sanduíche de padaria. Nada de parada para almoço ou qualquer refeição mais substancial. Para matar a sede, além de refrigerante tinhamos bastante água na caixa térmica, mas com a temperatura nada amena de Salvador, no final do dia a água estava longe de ser gelada.

Mas ninguém sofria, claro que depois das fotos na escadaria e na ladeira do Passo (últimas locações) estávamos todos exaustos, mas o saldo era super positivo, pois o dia também teve muita diversão e todos estavam super instigados.  Não acompanhei a seleção das fotos, então só verei o resultado quando a ModaCycle publicar o material, mas a mistura daqueles looks, com o cenário do Santo Antônio e a competência da equipe só pode resultar num editorial sensacional.

*Jane Fernandes é jornalista e proprietária da Quarta Via

**O texto foi cedido pela autora para o blog Conversa de Menina e publicado mediante citação da autoria e respeito à integridade do conteúdo. Todos os direitos são reservados à Jane Fernandes/Quarta Via.

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