Neste final de semana, milhares de estudantes brasileiros farão o Novo Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) que substituirá os vestibulares. Recebemos por email um excelente artigo do doutor em educação pela PUC-SP, João Luís de Almeida Machado. No texto, ele critica o oba oba em torno do Novo Enem como o grande salvador da educação brasileira em crise, mostrando os prós e os contras da nova forma de ingresso nas universidades. Mais do que garantir vaga no ensino superior, o Novo Enem só será realmente revolucionário se levar as escolas públicas e privadas de ensino médio a repensaram conceitos e práticas educacionais. Vale a pena ler o artigo na íntegra e discutir o assunto.
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O novo Enem revoluciona o Ensino Médio?
* João Luís de Almeida Machado
A grande mídia propaga aos ventos que o Novo Enem, Exame Nacional do Ensino Médio, criado para substituir os vestibulares e que neste primeiro fim de semana de outubro fará sua estréia, constitui uma revolução. Cautela e canja de galinha não fazem mal a ninguém, nos diz sábio provérbio popular.
Revoluções por decreto não existem. A própria compreensão do termo revolução, desgastado pelo tempo, é errônea, pois não se configuram, com tais mudanças e reformas previstas com a adoção do Novo Enem, nem mesmo uma esperada virada de mesa na educação brasileira, quanto menos na sociedade, conforme preconizam os preceitos marxistas acerca de tal vocábulo.
É certo que a adoção deste novo modelo de avaliação dos saberes relativos ao Ensino Médio como elemento decisivo para o ingresso dos estudantes em universidades (públicas e particulares), com grande adesão já a partir deste ano, constitui inovação necessária, preconizada e esperada por muitos educadores, entre os quais me incluo. Mas daí a pensar que automaticamente isso acarretará modificações estruturais nas escolas brasileiras, em especial nas redes públicas, é ir além do próprio sonho, saindo dos limites da sensatez e embarcando em autêntica utopia.
Superar a cultura estabelecida nas redes, de base conteudista e tradicionalista, exige muitas outras ações complementares, não apenas a adoção de exames de admissão às universidades com base em provas que exigem mais dos alunos. A forma de preparação desses alunos para esses exames e – em especial – para a vida, demanda a revisão de todo um modo de pensar, agir e realizar em educação que tem décadas de existência no país.
O Novo Enem cria, por certo, demandas que não existiam. Obriga as escolas a repensar suas bases. Exige dos professores uma série de posturas que antes não lhes eram comuns, peculiares. Estipula a necessidade de leitura e atualização constante por parte dos estudantes (e, em contrapartida, pelos educadores com os quais estarão trabalhando). Propõe, através de suas questões, o desenvolvimento do raciocínio, da capacidade de se relacionar, da possibilidade de ir além da mera memorização de fórmulas e dados.
A interdisciplinaridade (ou ao menos a multidisciplinaridade) entra em cena. A necessidade de ir “além dos muros da escola” (título de uma excelente produção do cinema francês sobre educação, premiado em Cannes) com viagens, leituras, filmes, exposições, músicas, poesia, artes plásticas, navegação por sites com conteúdo inteligente e desafiador, entre outras ações, se torna premente e permanente.
É certo que tudo isso é grandioso se analisarmos a realidade e os problemas que envolvem o Ensino Médio público no país, sempre visto como “preparação para o vestibular”. As redes privadas, cientes do fato, já se mexem e, como é possível ler em matérias publicadas na mídia, pretendem implementar linha de ação que busque preparar o seu aluno para esta nova demanda.
Mas ainda assim, tendo essa perspectiva, muitas delas erram no alvo porque assumem essa nova “atitude” de olho nos resultados do Enem, sem ir além de forma proposital, ou seja, sem perceber que a formação ampla, crítica, cidadã, ética, multidisciplinar pretendida é que é o principal objetivo. Continuam preparando mais para uma prova do que para a vida, os relacionamentos, o trabalho, a felicidade.
Ir além da concepção vigente e entender que os saberes não são dissociados é outro desafio. Reunir os conhecimentos em grupos como Ciências Humanas, Matemática e Ciências da Natureza, Códigos e Linguagens (entre os quais se incluem as artes e a educação física) é mudança importante, que traz qualidade à educação. Será uma tarefa das mais árduas. Pensem como vai ser para as redes públicas se até as redes privadas, já conscientes da necessidade de mudança e em movimento quanto a isto, estão tentando acertar e continuam a cometer alguns erros de percurso.
A revolução do Novo Enem só tem sentido e efeito real se as alterações não se limitarem à aplicação desse novo elemento de avaliação. É preciso preparar os professores, equipar as escolas (laboratórios de ciência, bibliotecas, salas de informática, quadras), reformular os materiais didáticos existentes, repensar e aplicar novos currículos nos cursos de licenciatura que já prevejam esta nova forma de pensar o Ensino Médio, expandir os limites da escola com a proposição de ações externas (ida a cinemas, museus, shows, exposições, mostras). Tudo isso demanda muito trabalho, estudo e planejamento.
*João Luís de Almeida Machado é editor do Portal Planeta Educação (www.planetaeducacao.com.br), doutor em educação pela PUC-SP e autor do livro “Na Sala de Aula com a Sétima Arte – Aprendendo com o Cinema” (Editora Intersubjetiva).
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Vou fazer o ENEM neste fim de semana, por isso estou mais ou menos por dentro e posso emitir alguma opinião.
De fato, o ENEM exigirá mesmo um conteúdo e um saber que estão fora tanto das salas de aula como da própria vida do estudante.
Desde a época em que cursei o ensino médio (sempre estudei em escola particular) e prestei o vestibular, não se prepara o estudante para ser cidadão e isto tampouco é feito durante o ensino superior, que, por vezes, mais aliena do que conscientiza, ou seja, não se preparam profissionais cidadãos e capazes de atuar em equipe. Mas aí são outros quinhentos.
A educação brasileira não deve ser reformada apenas no ensino médio, mas desde a pré-escola, passando pelo ensino fundamental, chegando até o médio, atingindo o superior. Principalmente em uma sociedade competitiva como a brasileira, em que as pessoas, de maneira geral, são preparadas para serem “operários”, trabalhadores que não pensam e não realizam uma reflexão sobre sua própria realidade e a realidade de seu país, bem como o traçar de um plano para mudanças. E isto acontece em praticamente todas as áreas, exatas, humanas, biológicas – inclusive na Saúde.
É uma boa proposta a reforma pretendida para a educação, mas ela não acontecerá de um dia para o outro. São mudanças pensadas a longo prazo, principalmente porque deve despertar o interesse dos alunos, os quais atualmente não se importam em estudar (mesmo depois de terminado o ensino médio) e isto demanda muito empenho. Fora as questões de bom preparo dos professores, salário, enfim.
O ENEM é só um mero detalhe. Detalhes podem até fazer alguma diferença, mas não constituem por si só a solução. E esta é planejada e formulada no decorrer de muito trabalho, força de vontade e COMPETÊNCIA principalmente por parte dos gestores. Isto, sim, consistiria em uma verdadeira revolução, em que a sociedade toda, cidadãos, usuários, profissionais, estudantes (de escolas públicas e particulares – chega desta divisão!) fossem atores de mudanças e desenvolvimento que beneficiassem a todos.
Obs: o aluno de escola particular pode até ter maiores chances de entrar no ensino superior. Mas isso não significa que ele será um cidadão pleno e consciente de si e de sua realidade. E isto constitui um sério problema…