O Aprendiz: aprendizado de deselegância e insensibilidade

Quando você ouve falar em um programa chamado “O Aprendiz”, o que vem em mente? Claro que quem conhece ou já assistiu a algum episódio sabe que a proposta é promover uma série de desafios gerenciais. No final, um vencedor será coroado e receberá como prêmio um mega contrato de trabalho na empresa do apresentador, que nesta edição é João Dória. Nunca assisti ao programa sob a direção de Roberto Justus, portanto, não farei qualquer comparação nem menção às primeiras edições. O que posso falar aqui é da série na versão atual, e o conjunto de atrocidades e absurdos proporcionados pelo apresentador.

As provas são bem interessantes. As tarefas exigem dos candidatos liderança, proatividade, iniciativa, criatividade e muita agilidade nas decisões. Os candidatos dividem-se em dois grupos, que se enfrentam em cada prova. Aos vencedores, uma viagem dos sonhos. Aos perdedores, uma reunião na sala de Dória, na presença de dois assistentes. Até aí tudo bem, seria espetacular, não fossem os exageros nas críticas, as palavras pesadas e o desrespeito pelos profissionais que ali estão, tentando conquistar a vaga, e se empenhando nas tarefas, ainda quando tomam a decisão estratégica equivocada.

Entendo perfeitamente o objetivo do programa. Aliás, comecei a assistir enquanto me recuperava de uma cirurgia, acreditando que dali tiraria algum aprendizado para minha vida profissional. Achei bacana a ideia, me interessou muito acompanhar o planejamento e as tomadas de decisões dos participantes, aprendi, inclusive. Mas fique completamente chocada no final, no momento da reunião dos perdedores e da decisão de quem seria demitido. O que vi ali foi um verdadeiro massacre dos perdedores, com direito a uma enxurrada de palavras grosseiras, hostis e deselegantes.

Os integrantes do grupo perdedor na tarefa são sempre tachados de “incompetentes”, “burros”, “medíocres”, “imbecis”, com todas as letras em tamanhos garrafais e negrito. Claro que quem perde a tarefa, é porque tomou decisões erradas, fez escolhas equivocadas. Mas, a meu ver, todo esforço empregado na execução, o empenho e dedicação precisam ser reconhecidos, ainda que tenham sido empregados na direção errada. Não é que o programa vá elogiar condutas precipitadas e resultados falhos, o que acredito é que tudo pode ser dito, desde que haja respeito pelo ser humano. Existem formas diferentes de se falar a mesma coisa.

Ninguém precisa humilhar o outro e pisar em suas capacidades, para fazer uma crítica. As críticas devem servir como propulsores, a finalidade deve ser educativa, construtiva. O programa poderia ser muito mais interessante, mais produtivo, se as pessoas que já estão ali expostas fossem tratadas com dignidade e respeito nos momentos em que erram. São profissionais, são pessoas. Acertam algumas vezes, erram em outras. Ninguém é perfeito. Tudo bem que errar ali pode ser fatal, mas a fatalidade não deve ser maior que o respeito. Nunca.

Tentei compreender qual seria o propósito. Acredito que há um certo masoquismo ali. A feição de Dórea parece mostrar que ele está bastante confortável naquela situação. Lamentável. Triste. Por que não apostar em uma conversa franca, em que os erros são apontados, as falhas, com críticas construtivas? Não estou defendendo que ninguém passe a mão na cabeça de ninguém. As críticas podem, sim, ser duras e incisivas. Mas nunca devem ser mal-educadas. Depois de perceber que o que eu estava vendo não era o exagero de um único capítulo do programa, mas uma fórmula comum a todos eles, decidi desligar minha televisão. Foram três episódios para perceber que aquilo ali podia ser jogado no lixo.

Vergonhoso não são os erros dos participantes do programa, mas a postura deselegante, grosseira e antiprofissional dos que têm o poder de demitir. Imbecilidade é a série de críticas desenfreadas que são atiradas contra os candidatos com o único propósito de humilhá-los. Burra é esta fórmula, que, ao invés de motivar o candidato e levar conhecimento sobre empreendedorismo e planejamento estratégico ao telespectador, aposta em atitudes questionáveis. Se alguém precisa ser demitido neste programa, esse alguém é o apresentador e sua equipe.

Um líder precisa saber motivar sua equipe nos momentos de fracasso. Ele não destrói ainda mais a autoestima dos seus subordinados. Ele tenta recuperá-la, até porque um desafio virá a seguir e será preciso vencê-lo. Um líder precisa saber lidar com seres humanos, entender suas necessidades. E, ali, Dórea é um líder. Um líder lamentável. Infelizmente.

Um comentário em “O Aprendiz: aprendizado de deselegância e insensibilidade

  1. Alane, boa noite!
    Muito oportuno a sua crônica em relação ao programa televisivo da Record “O Aprendiz”. Eu não precisei de mais do que um epsódio para me certificar quão estúpido é o Sr. João Dória Jr. . Lobo-guará travestido de manso cordeiro. O pior é que eu, até, me identificava com o tal sujeito, antes dêle assumir a apresentação do ‘reality’; Contudo, a decepção foi grande!
    Aliás, na própria emissora, já existe uma paródia com o nome de “O Infeliz”.
    Muito sugestivo! – Deveria ser o nome do programa original.
    Bjs.
    Benê Menezes – SP

    1. Pois é, Bene. Uma verdadeira tragédia este programa. Eu dei uma segunda chance, quis reiterar minha opinião assistindo a mais alguns eposódios antes de vir aqui escrever sobre ele. É uma pena alguém dar ibope a este tipo de atitude na televisão. Minha TV ignora completamente a existência deste programa. Beijos e obrigada por deixar aqui seu comentário!

  2. Tive vários “chefes” que faziam o que o João Dória e era bem aceito pelos colegas. Tive uma crise nervosa que perdi 6 kg em um mês. Trabalhar em empresa privada é sofrer todos os dias..em 15 anos trabalhando em empresas privadas em Maceió fiquei traumatizada, como estou hoje? concursada e cuidando da vida. Tive minhas primeiras férias ano passado e foi tranquilo, ninguém me ligando nas férias me falando que fiz isto ou aquilo errado e eu era para ter deixado isso ou aquilo pronto. Façam concurso para se livrarem disso!

    1. Obrigada pelo seu depoimento, Silvania! Com certeza, esse tipo de postura não é de um líder. E fico feliz por ver que você buscou uma alternativa e está feliz. Acredito que é o mais importante. Se a insatisfação surgir, é imprescindível dar um novo rumo na vida! Beijão!

  3. Como você mesma enfatizou em um artigo anterior que li aqui mesmo no blog, existe diferença entre ser chefe e ser líder. Ser chefe, com ares de mando, qualquer otário arrogante pode ser; mas ser líder, inspirar os outros, ajudá-los a crescer, são raros os que conseguem abrir mão do próprio orgulho pra desempenhar bem o papel. Excelente crítica!

    1. É, Deia. Isso mesmo, você falou tudo! Esse programa me deixou chocada. Não consigo entender o que faz as pessoas assistirem e elogiarem. Beijão e obrigada pelo elogio. Vindo de você, é sempre gratificante. Beijão!!!

  4. Então, minha resposta pode ser meio polêmica, mas eu ADORO este programa…rsrsrs acho que realmente João Dória exagera, e eu preferia a versão com Roberto Justus, que me parece mais sério e muito mais profissional, embora também desse umas “patadas” feias nos competidores de vez em quando. Agora, sendo bem sincera, tudo o que acontece no programa é o que realmente encontramos volta e meia nas empresas! Há sim chefes que chamam os funcionários de incompetentes, há a pressão característica do programa no dia-a-dia, que faz com que pessoas nem durmam a noite…e, ao mesmo tempo, em troca de um salário que não chega nem perto deste 1 milhão e meio que o programa oferece!!! O mundo corporativo é cruel e o programa é só uma amostra disso!!! 🙁

    1. Eu concordo que o mundo corporativo é cruel, Dani. Mas não acho que precisamos procriar isso em rede nacional. A meu ver, seria muito mais útil mostrar como é possível conseguir bons resultados dos discípulos, sendo menos grosseiro. Talvez servisse de exemplo para os péssimos chefes que se espalham por aí. As críticas, em minha opinião, poderiam ser incisivas, sim, mas sem tanta deselegãncia e exposição.

  5. Olha Alane, vou ser sincero com você, eu não perco nenhum aprendiz, mas não para aprender algo com João Dória, dá pra aprender com os candidatos perdedores o que NÃO fazer né, porque da boca dele mesmo eu nunca ouvi nada que se aproveite. Você disse que não assistiu quando era o Justus né? Nossa, aí sim vale a pena assistir, ele sim faz críticas construtivas e não baixa o nível, ao contrario desse onde as reuniões não passam de um show de insultos e um bate -boca desenfreado entre os participantes e sem nenhum controle da parte de Dória, que já entra no meio da discussão mandando calarem a boca e xingando. Eu assisto pra dar risada porque chega ser engraçado o jeito que ele fala, mas no âmbito profissional é lamentável. Se eu fosse um dos participantes ia falar uma par pra ele se eu fosse demitido rsrsrsrsrs. Um beijão e parabéns pelo post.

  6. É um formato imbecil e completamente desnecessário. Imagino que como a maioria dos programas da tv aberta, sirva bem a classe C. A falta de cooperação, trapaças e agressividade dentro do programa só revelam o nível do mesmo. Outro ponto bem negativo, são os depoimentos dos colegas apontando. muitas vezes exageradamente, os erros dos colegas. Sério, não sei como alguns estudantes de excelentes universidades (acho que uns 3) aceitaram fazer parte desse circo.

  7. Só resumindo: a ideia do programa é ser sensasionalista. Os caras que produzem precisam disso para atrair o povão e garantir a grana dos merchans, entende? Não sei se vc percebeu, mas eles fazem questão de editar as partes boas e focar nas falhas, e fazê-las do tamanho que pretenderem contra ou a favor de um candidato. Acreditem, conheço tv aberta, é-de fato, um jogo nojento cujo a finalidade é audiencia=lucro. Mensagem construtiva? não importa, que vença o formato que vá atrair o povão.

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