*Texto da jornalista Giovanna Castro
Já não aguento mais ouvir os desdobramentos diários na mídia sobre o caso do sumiço da moça Eliza Samudio, que teria sido assassinada com requintes de crueldade pelo ex-goleiro do Flamengo, Bruno, e seus “comparsas”, até onde se sabe a partir da divulgação pela polícia dos depoimentos dos envolvidos. Os fatos que andam surgindo, é bem possível que vocês saibam, ainda que em partes, até porque está sendo praticamente impossível não tomar conhecimento dos detalhes sórdidos da história. O que talvez nem todos tenham prestado atenção, até porque esta reflexão não entra compulsoriamente dentro da casa de cada um pela TV ou pelo rádio, ou pela internet, é o tipo de conversa que vem sendo suscitada nas mesas de restaurante, de bar, nas escolas, residências e ambientes de trabalho, especialmente partindo de mulheres.
O que tenho ouvido me faz ainda mais incrédula em relação à queda das ocorrências de casos de violência contra o sexo feminino. É óbvio que a violência contra as mulheres sempre foi grande e escondida em quatro paredes das residências mais pobres e também das mais abastadas, mas o número de casos segue aumentando e vem sendo descrito pela imprensa em sua cobertura diária.
Diante destes fatos, é inadmissível ouvir mulheres reforçando o machismo que envolve este caso, a ponto de justificar o acontecido com argumentos que muitas delas consideram irrefutáveis. Você já deve ter ouvido: ela era garota de programa, fez filmes pornôs, era maria chuteira, transou com o time inteiro do São Paulo, exigia direitos do ex-goleiro, queria lucrar com o golpe da barriga, participava de orgias, ou seja, era mulher “ruim”, “vagabunda”, daquelas em quem não se pode confiar de jeito nenhum e que “mereceu” o que lhe aconteceu. “Jogador de futebol é otário, porque sabe que essas mulheres querem mesmo engravidar e transam sem camisinha, querem mais o quê?”. Essa última, você com certeza já ouviu milhões de vezes.
O estilo de vida de Eliza parece ser condizente com sua história de vida. Não dá pra justificar seus atos pelo fato de ter sido abandonada pela mãe ainda bebê. É claro que cada um faz as suas escolhas na vida e ela poderia ter escolhido outro rumo, que talvez lhe desse outros resultados e outra forma de ver o mundo, mas ela escolheu sobreviver da forma que achou que poderia. Ela lançou mão dos atributos físicos que tinha. Você vai me dizer que algumas modelos e atrizes globais não fazem o mesmo quando posam nuas na Playboy? Qual a diferença então? É porque elas conseguiram romper a barreira do submundo e passaram a aparecer na televisão? A tela da TV anula tudo?
Eliza foi assassinada. Foi vítima de um pensamento machista e psicopata que, por se acreditar acima do bem e do mal, resolve seus “problemas” com violência e força bruta. Em mais uma dessas enigmáticas histórias que o destino nos prega, Bruno também foi abandonado pelos pais ainda bem pequeno. Mas, como ouvi em um programa de TV por esses dias, o fato de ter mais um filho – ele tem duas filhas do casamento com Dayane, que aparentemente também está envolvida no assassinato – poderia ter sido aproveitado como uma forma de se colocar frente a frente com sua própria trajetória de vida que, até ser descoberto o crime, era de superação – afinal de contas, não é qualquer um que sai da miséria para chegar ao auge do esporte numa cobiçada posição no clube de futebol mais importante do Brasil, o de maior torcida, pelo menos.
As mulheres que criticam Eliza e desfiam justificativas para ela ter “merecido morrer” reforçam o conceito machista de que homem pode fazer tudo e mulher não pode fazer nada. Mulher não pode agir, não tem posição ativa na vida. É a que está à mercê das decisões do homem e não pode contrariar os desejos do macho. É a mesma visão dos pais que soltam os filhos para fazer o que quiserem com as filhas dos outros, mas ensinam as meninas deles a ficar dentro de casa se comportando como boas moças.
Mulher não pode atuar no trabalho, não pode agir com assertividade “ai, que mulher masculinizada…”. Qual o problema de a mulher ter um perfil incisivo, de força, de afirmação de posição, de superioridade? Qual o problema de ela chefiar, de ela decidir ter um filho de alguém, independente das motivações, até porque é ela mesma que vai arcar com as consequencias das suas escolhas? Qual o problema da mulher querer ser? Porque os homens não querem deixar e as mulheres também criticam as que querem?
Em pleno século XXI, a mulher continua sendo tratada como acessório. No meu ponto de vista, a mulher tem muita força interna, é a mulher que gera a vida, ainda hoje, por mais que alguns homens comecem a se inserir na vida doméstica, é a mulher que decide a educação das crianças, é a mulher que define os rumos da família, é ela que resolve quase tudo. Mas, por outro lado, a mulher se sabota. Muitas sabem do potencial que têm dentro de si, mas preferem ficar à sombra do homem porque seria mais seguro e socialmente aceitável continuar sendo marginal. Em tempos de Marina Silva e Dilma Roussef pleiteando o maior cargo do país, a presidência da República, temos que refletir cada vez mais sobre essa esquizofrenia. Porque a mulher tem medo de ser mulher e de se descolar do homem a que foi ensinada a se vincular desde cedo como se não tivesse força de se manter com as próprias pernas e pensamentos? Que mulher você quer ser?
Gi,
Belo texto! Tomara que sirva como um “tapa” na cara de algumas, para não dizer muitas. Várias mulheres acharam o máximo o queimar dos sutiãs, mas pararam na época da máquina de datilografar, sendo que estamos na era do netbook!
Beijos
Que bom q vc gostou, Thi! Qto mais as mulheres refletirem sobre suas posturas, algumas vezes machistas, teremos mais esperança de que o quadro de violência contra nós poderá mudar. Obrigada e volte sempre! Bjs
Sabe Gi (posso te chamar assim?), também estou cansada de tanto ouvir sobre isso na TV. Menina quase que o vice-presidente morre e nem fiquei sabendo porque as notas sobre isso foram minúsculas!!! Não que ele seja mais importante, que ela o fato é que o mundo não parou! Atentados terroristas continuam acontecendo, desastres naturais, etc. O fato é que ela não é mais importante do que as centenas e milhares de mulheres que morrem em todo o país, vítimas de seus parceiros.
Concordo com você sobre a crueldade com a qual algumas pessoas (em especial as mulheres) estão lidando com esse fato, pois ninguém pode julgar o que ela merecia ou não passar por causa dos erros que cometeu e dos danos que causou a si mesma. Todos nós temos erros, muitas vezes são até piores que os dela e só porque não cometemos os mesmos erros, não quer dizer que sejamos melhores!!
Em meio a isso tudo postei uma frase no meu Orkut que fez uma amiga se indignar: “Para que a morte de Eliza não seja em vão, que as piriguetes a tomem como lição. Putaria também pode ser mortal!”. Minha amiga entendeu que eu estava querendo dizer que as putas deveriam ser mortas, mas de fato não queria dizer isso e refletindo sobre o que escrevi concordei que fui infeliz na colocação, porque deixou aberto a outras interpretações.
De fato o que quis dizer foi que, hoje em dia, num tempo em que se mata por qualquer motivo (brigas de trânsito, termino de relacionamento, briga em supermercado, discussão de adolescentes, etc), até a “sacanagem” estava dando em morte. Oras, a moça transa sem camisinha (olha o perigo) com um cara “desconhecido” nunha farra, engravida, sofre violência contra ela e contra seu bebê (abortivos) e ainda confia no cara!!!
Admito que quando ouvi o caso pela primeira vez, pensei: ” A garota quis se dar bem e entrou pelo cano!”. Pensei mesmo gente!!! Mas mas jamais pensaria que foi bem feito!! Acho que a maioria das mulheres já “se perdeu” do caminho certo ao menos uma vez na vida e eu me perdi incontáveis vezes e jamais iria querer tomar “uma lição dessa”, isso não tem nada a ver com punição, o nome é assassinato, cruel e por motivo torpe. Trata-se de tirar uma vida (cheia de oportunidades) e acho que todos concordamos que bastava o cara assumir o que fez e pagar o que era de direito da criança e ela ainda poderia estar viva, tendo a chance de mudar sua vida e criar seu filho com dignidade, dando a ele a família que ela e o próprio pai da criança não tiveram.
Acho que tudo isso nos mostra, onde pode chegar alguém sem base familiar (fundamental hoje e sempre) e nós sim, devemos tomá-los (Eliza e Bruno) como lição para que nossos filhos e filhas tenham valores tão arraigados que não pensem que podem agredir e matar um ser vivo e que não desrespeitem a si mesmos por qualquer que seja o motivo, muito menos por dinheiro e/ou fama.
Oi, Geninha, td bom? O que considero mais importante nesta história toda é observarmos que a violência contra a mulher anda crescendo a passos largos nesta primeira década do século XXI. Diariamente vejo notícias, maiores ou menores, com maior ou menor requinte de violência, nas mais diferentes circunstâncias, a mulher continua sendo um alvo. Machismo? Covardia? Medo do avanço que as mulheres começam a conquistar na sociedade, ameaçando posições tradicionalmente masculinas? Não sei dizer as motivações, porque para mim, motivações não existem para se matar uma mulher ou qualquer ser humano. Como digo no meu texto, as mulheres precisam sair da postura omissa de querer sempre estar atrás do homem, porque ele é que manda, ele é que sabe das coisas, ele que pode “te proteger”. Discordo de vc qdo fala em “caminho certo” porque o caminho certo é o que cada um escolhe para si mesmo, independentemente do que seja dito pelas outras pessoas ou imposto pela sociedade. Se pudéssemos perguntar a Eliza se ela estava no “caminho certo”, é possível que ela considerasse que sim, eu não estou aqui para julgar. O que quero alertar é para o fato de que escolhas que qualquer um faça na sua vida – que é responsabilidade única e exclusiva de cada um – não devem ser condenadas, mas atos brutais de violência contra a mulher, especialmente, que está em condição historicamente de desvantagem física e social, sim. Bjos e continue nos acompanhando!
Giovanna,
eu fico com a impressão que a discussão se tornou muito mais midiática do que social ou comportamental. Se ela era (ou é até que esteja legalmente morta) o que era, não cabe mais agora nem caberá jamais. o que se há de discutir ou o que se houvera de discutir é justamente o que você levanta: a violência escondida ou explícita ou ainda acobertada – quando se trata das classes mais abastadas.
um abraço.
Oi, Carlos. Acredito que questões como esta têm que ser levantadas cotidianamente, especialmente no que diz respeito à violência contra as mulheres. Vale violência, se o ato do agressor encontra justificativa na conduta “errada” do agredido? Discordo totalmente disso. O que sei e tenho visto diariamente no noticiário é que as mulheres andam morrendo cada vez mais e com requintes de violência que andam se aprimorando rapidamente. As escolhas de cada mulher – afinal de contas cada um tem responsabilidade sobre sua existência e pode fazer dela o que bem entender – não podem ser punidas com a morte. Bjão.