Apontamentos sobre o livro Antígona

Honra, lealdade, justiça. Sentimentos nobres. E tenho visto o quão carente está nossa sociedade de atitudes pautadas nestas curtas, porém significativas palavras. Antígona fez aflorar em mim questionamentos sobre a importância de cultivarmos estas sementinhas. O livro, resultado de uma peça escrita por Sófocles, traz a luta de Antígona para dar ao irmão Polinice um sepultamento digno, depois que o rei Creonte -seu tio- proclamou pela cidade a ordem de deixá-lo insepulto, sem homenagens fúnebres, por tê-lo considerado um traidor.

Revoltada com a decisão do rei e disposta a cumprir o que considerava um dever – o de permitir que seu irmão fosse enterrado -, ela tenta ganhar o apoio da irmã, Ismênia. Submissa às leis da terra, no entanto, Ismênia aceita o destino imposto ao irmão, por medo das conseqüências da decisão de desobedecer às ordens superiores. Ela viu os pais morrer, um irmão matar o outro pelo trono do pai e, naquele momento, temia a terrível morte que caberia às duas se contrariassem a vontade do rei. Mas Antígona decide, mesmo sozinha, levar adiante seu plano, e o livro narra a sua saga.

A peça foi encenada pela primeira vez em 441 a.C. E é fácil identificar o contexto histórico inserido naquelas passagens. Grécia, período em que nasciam as cidades (pólis), os indivíduos começam a exigir seus direitos. O livro fala em exercício de cidadania, em democracia, em direitos, em luta pelo que é justo (não no sentido jurídico reducionista do termo), em enfrentar, na importância da luta, de não se deixar curvar diante das aberrações, de se permitir contrariar, desafiar, de ser leal a princípios e de morrer por um ideal que vale a pena.

Antígona fala do hoje, fala de valores que se dissiparam em nossa sociedade. Embora escrito há séculos, traz princípios que deveriam nortear nossas condutas a todo o tempo. Mas que acabamos deixando de lado por razões infinitas. Os diálogos narrados na peça me fizeram repensar nossos papéis de juízes. Em quantas vezes vestimos nossas togas e disparamos sentenças para todos os lados. Pra mim, ali está um material farto sobre sociologia jurídica. Um texto curto, fácil de ler, e que pode suscitar debates sobre a dicotomia jurídica do “ser” e do “dever ser”.

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Um olhar sobre Meu Pé de Laranja Lima

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Meu Pé de Laranja Lima (José Mauro de Vasconcelos)
Editora Melhoramentos
192 páginas
Preço médio: R$ 20,00
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Emocionar-me lendo um livro não é algo comum. Digo a emoção que faz desaguar lágrimas dos olhos. Esta realmente não é habitual, por mais sensível que seja a leitura. Não me recordo quantos livros me fez chorar (se é que algum já o fez antes), mas lembro-me perfeitamente do último que conseguiu fazer meus olhos gotejarem. Meu Pé de Laranja Lima, publicação de 1968 de José Mauro de Vasconcelos, é uma leitura incrivelmente bela e sensibilizante. Embora integre a literatura infanto-juvenil, o texto mostra-se uma fonte interessante e sedutora ao adulto. Uma leitura um pouco dolorosa, até, que mexe com o nosso modo de lidar com o universo infantil, de compreender o sofrimento muitas vezes indecifrável de uma criança.

Cena do filme Meu Pé de Laranja Lima, produção de 1970 baseada no livro (assista a um trecho do filme no final deste post)

Envolvente de todas as formas, a leitura. Cada trecho é reiventado fotograficamente por nossa imaginação, que não resiste a remontar as histórias, como se estivéssemos verdadeiramente inseridos naquele contexto. Um filme escrito, me atrevo a dizer. A leitura é muito rápida. A narração é feita por uma criança. E é admirável a forma como o autor consegue nos colocar na posição de adultos ouvindo uma criança falar. A todo momento vamos alimentando a certeza de que, sim, é uma criança que está a falar. Em diversas passagens, inclusive, tive a pungente sensação de que não conseguimos compreender as crianças, suas artemanhas, a forma que utilizam para se expressar. No meio do livro, estava triste. Triste porque aquela história era tão real e tão penosamente comovente, que passava as páginas na esperança de que, nos trechos seguintes, a vida daquele menino havia de melhorar. Mas não melhorava.

O enredo de que falo foi publicado em 19 países e foi traduido para 32 línguas. O narrador é o menino Zezé, uma criança de cinco anos, membro de uma família pobre, que vive sérias dificuldades. O pai estava desempregado, a mãe se enfurnava todo o dia em uma fábrica para ganhar o pouco que sustentava a família. E os irmãos mais velhos assumiam a função de cuidar dos mais novos. Zezé sofre um sofrimento infantil. E por isso dói tanto. Ele é um menino esperto, inteligente, que cuida com muito zelo do caçula Luis, mas é nitidamente carente de atenção, de ternura, de amor. A maioria dos adultos não o compreendem. Menino astuto, cheio de truques, adora dar sustos nos mais desavisados, aprontar variadas arteirices. Danado mesmo. E tudo o que acontece na vizinhança é sempre imputado a ele – e normalmente é de fato culpa dele.

Cenas do filme Meu Pé de Laranja Lima (Direção: Aurélio Teixeira)

Mas Zezé é uma criança. E não há como querer exigir de uma crinaça a maturidade de um adulto. Não há como. O livro é um tapa na cara sutil, uma sacudida no nosso acomodado modo de enxergar o mundo. A linguagem é simples e impressionantemente profunda. Vasconcelos consegue recriar um desabafo infantil com um vocabulário preciso e cuidadosa atenção aos detalhes. E nos faz perceber que as pequenas coisas são o que realmente importa. São elas que constroem sólidas relações, que nos passam as mensagens mais relevantes. Andamos tão entretidos com os grandes acontecimento que muitas vezes deixamos passar despercebidas as minúcias. Como a amizade entre Zezé e o pé de laranja lima de sua casa nova. É com ele que o menino desabafa, conta os mais profundos segredos. Uma linda relação de “amizade”. Naquela “troca” de confidências, é fascinante perceber a esperança e os sonhos por trás da dor e do sofrimento.

O livro em si não se traduz em uma lição de moral. Suas páginas contam apenas uma história, só que esta história incomoda. A despretensão, a leveza e a profundidade me conquistaram. Ao ler a última página, alguma coisa acaba mudando em nossa forma de entender o universo infantil. Acho que, no final das contas, nos sentimos um pouco responsáveis pelo que é retratado ali. Assumimos nossa parcela de culpa não naquela situação específica, mas nas tantas outras em que encarnamos o papel de protagonistas da vida real. É uma narrativa comovente, sofrida, mas belíssima.

Assista à primeira parte do filme baseado na obra

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