Artigo: Namoro virtual? É real?

Uma data como  a deste sábado, Dia dos Namorados, sensibiliza para a reflexão. Para ajudar que quer pensar no tema “os relacionamentos na contemporaneidade”, publico aqui no blog – com a devida autorização – o excelente artigo de Cristina Romualdo, psicóloga e integrante da equipe do Instituto Kaplan, entidade que atua em prol da capacitação de professores para tratar o tema sexualidade e também no atendimento aos jovens. De forma muito lúcida e didática, a autora analisa o comportamento sexual humano ao longo dos últimos 60 anos e traça paralelos entre os avanços tecnológicos e as mudanças nas formas de interação entre as pessoas. Texto mais que recomendado!

Namoro virtual? É real?

*Cristina Romualdo

Com a chegada do dia dos namorados é natural que temas envolvendo os relacionamentos afetivos venham à tona, seja entre as pessoas, comemorando tal data ou lamentando-se não ter motivo para comemorações; seja pela maior movimentação comercial que gera ou por sua ampla divulgação na mídia. Diante deste quadro, a proposta da equipe de profissionais do Instituto Kaplan é escrever uma série de artigos sobre a evolução dos relacionamentos nos últimos 30 anos.

Para tanto cabe uma breve contextualização histórica. A pós-modernidade marca uma fase de muitas mudanças ocorridas na sociedade a partir da década de 50, notadamente os avanços científicos e tecnológicos, produzindo-se cada vez mais e mais rápido, com o objetivo de facilitar a vida das pessoas.

Na era da informática, codifica-se e manipula-se o conhecimento e a informação, que invadem o cotidiano com uma infinidade de serviços a serem consumidos, descartando a necessidade do experimento físico. O que nos leva a lidar mais com dígitos e signos do que com coisas concretas.  Já parou para pensar que o dinheiro que você tem no banco não passa de números em seu extrato bancário?

Nasce, assim, a realidade virtual, nossa atual realidade social. Se nosso dia a dia muda, obviamente que nossa sexualidade também sofre mudanças. A medicina permitiu o sexo sem procriação e a procriação sem sexo, possibilitando à mulher o domínio sobre seu corpo, conferindo-lhe o direito ao prazer sem o ônus de uma gravidez não planejada e colocando-a em igualdade com o homem, ao torná-la livre para projetar seu próprio futuro.

Beleza Roubada, delicado filme sobre o primeiro amor

Na década de 80, o advento da AIDS nos leva a um novo olhar sobre a sexualidade. Incrementam-se pesquisas e estudos sobre o comportamento sexual, novos conceitos ganham popularidade: sexo seguro, vulnerabilidade, parceria de risco. A camisinha vira a grande protagonista das campanhas publicitárias. Revela-se a realidade do sexo com múltiplos parceiros e da estabilidade dos relacionamentos homossexuais.

Interessante observar que neste pequeno intervalo de 30 anos, da década de 60 para o final dos anos 80, se por um lado a mulher ganhou uma maior liberdade sexual com a contracepção, ao homem coube, em grande parte, a responsabilidade da prevenção, pois, até o momento, é o uso do preservativo masculino, a forma mais eficaz e acessível de se evitar a transmissão das DST (doenças sexualmente transmissíveis).

Neste contexto, a chegada dos anos 90 traz ao centro das atenções o papel sexual masculino. E mais uma vez se faz presente a tecnociência na manipulação da sexualidade humana. Pois agora o fantasma da impotência pode ser rapidamente afugentado com o uso da “pílula do prazer”. Se antes o homem deveria ser infalível, jamais admitir qualquer tipo de dificuldade, principalmente na esfera sexual, agora ele poderia falar de seus problemas e também buscar tratamento para os mesmos.

Nessa mesma década, em 1992, foi criado o SOSex – Serviço de Orientação Sexual,  uma das áreas de atuação do Instituto Kaplan, com o objetivo de atender pessoas que buscam esclarecimentos de questões sexuais, por meio de atendimento sigiloso e personalizado. Desde 2008 a orientação dada ao público tem sido feita através da internet, seja respondendo e-mails ou esclarecendo dúvidas através do MSN.

Em 2009 respondemos 943 e-mails e, pelo MSN, atendemos 1956 usuários, sendo que aproximadamente metade (46%) destes tinha idade inferior a 21 anos. Esse jovem público é, em sua maioria, formado por garotas (75%), e suas principais dúvidas estão relacionadas à gravidez e aos métodos contraceptivos, principalmente a pílula anticoncepcional.

Muitas vezes, nossos usuários, também pedem conselhos ou dicas para suas relações afetivas e/ou sexuais. Neste artigo, através da análise da fala de três usuários, sem qualquer identificação dos mesmos, pois garantimos o sigilo de quem nos consulta, vamos levantar alguns pontos que podem apontar para mudanças nos relacionamentos atuais ou, ao contrário, revelar que algumas atitudes persistem com o passar dos anos.

Denise está chamando, de 1995, é um filme que aborda relacionamentos virtuais. Numa época anterior à popularização da internet, do msn e das redes sociais, um grupo de amigos acompanha as vidas uns dos outros, sofrendo, alegrando-se e até começando e terminando namoros apenas pelo telefone, sem nunca interagir pessoalmente

“Estou namorando há algum tempo… e eu ainda não tive relações sexuais, e estou pensando em ter. Mas tenho um pouco de medo, em
relação à dor, queria saber se dói? algumas pessoas que falam que depois da primeira relação sexual, o corpo da mulher muda, (…)! queria saber se isso é realmente verdade”

Os sentimentos frente ao novo, a curiosidade e o medo fazem-se presente. Isso não mudou e talvez nunca mude na existência humana. A virgindade não é mais uma condição necessária, muitas meninas questionam quando e não se devem iniciar a vida sexual. Mas o que nos chama a atenção é que, apesar de todas as informações às quais os jovens têm acesso hoje em dia, há ainda dúvidas sobre temas básicos, como por exemplo, o que acontece com o próprio corpo. O que nos leva a pensar que falar sobre sexualidade é ainda algo muito difícil para as pessoas, principalmente entre pais e filhos.

“Olá, tenho 15 anos, bom não é bem uma pergunta, e sim um conselho…Tô numa situação estranha, a menina que eu gosto está namorando um rapaz só que isso pela internet (os dois nunca se viram), ela diz que gosta dele mais não sabe, ela ta meio confusa…Minha dúvida é: como posso fazer para tentar conquistá-la ?Devo chegar nela e me declarar pessoalmente ou por msn, ou sair com ela e arriscar um beijo ?”

O clássico romântico de 1980, A Lagoa Azul, conta a história de um jovem casal que descobre o amor e o sexo numa ilha deserta

Que belo exemplo de nossa realidade virtual! Nosso usuário gosta de uma garota concreta, que existe fisicamente. Mas, a mesma diz gostar de um rapaz virtual, cuja existência se dá via computador. E qual é a sua dúvida, ele permanece físico ou se torna virtual para conquistá-la! Namoro virtual? É real?

“Serviu em muito, para esclarecer minhas dúvidas, os artigos aqui do site. No entanto, ainda tem sido difícil para mim e meu namorado decidir o momento certo para ter a primeira transa. Conversamos muito sobre o assunto, (…) mas não sabemos exatamente o que estamos esperando. Talvez seja o medo, pela idade jovem demais para isso. Para mim, os principais obstáculos são meu corpo e o local para se ter a relação. Em nossas casas seria quase impossível… tudo isso é tão chato! Sinto-me mal porque temo, também, estar sendo levada pelos hormônios à flor da pele e desejar tanto ter esse momento com ele. Bom, termino mais com um pedido de conselho do que com uma pergunta. Como poderia resolver isso?”

Acho essa fala a mais emblemática dos tempos atuais, ela traz todos os conflitos que os jovens vivem no início de seu relacionamento sexual. O desejo é reconhecido e aceito naturalmente, o casal conversa sobre o mesmo, mas é o momento? E onde concretizá-lo? Ela sabe que não pode ser na casa dos pais, pois como na fala de tantas outras jovens atendidas em nosso serviço, ainda não há aceitação por parte destes. Ao contrário, muitas que já iniciaram vida sexual temem que suas mães descubram, sendo esse um dos motivos para não ir ao ginecologista, pois entendem que esta é uma forma de se exporem. Infelizmente, é aí que muitas não recebem uma orientação correta sobre os métodos contraceptivos, sobre seu corpo, sobre a primeira vez…

E aqui podemos entender o papel que a internet, ou a orientação sexual vem exercendo na atualidade. Se antes a jovem se calava em sua dúvida e esperava chegar o momento para ver o que acontecia, ou perguntava para uma amiga mais próxima, ou delegava ao parceiro a responsabilidade de lhe dar respostas, atualmente, busca a orientação de especialistas. E, sem dúvida, esperamos contribuir para que esses jovens tenham uma vida sexual mais segura, responsável, satisfatória e muito prazerosa!

*Cristina Romualdo é psicóloga, terapeuta e orientadora sexual do Instituto Kaplan: www.kaplan.org.br

**Texto encaminhado ao blog pela Vera Moreira Comunicação

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