Da série, Mulheres que fazem a diferença
A historiadora baiana Wlamyra Albuquerque, professora da Universidade Federal da Bahia, lançou na última terça, dia 12, o livro O Jogo da Dissimulação – Abolição e Cidadania Negra no Brasil, em que propõe uma ressignificação do 13 de Maio. Ao invés do que dizem os livros didáticos, que a abolição da escravatura foi uma concessão da princesa Isabel e até um gesto de bondade da regente, a pesquisadora propõe uma análise mais crítica do episódio histórico, demonstrando com base em documentos e registros, que a abolição ocorreu devido a pressões sociais e, principalmente, porque os próprios negros sempre lutaram pelo reconhecimento de sua condição enquanto cidadãos livres.
![PrincesaIsabel Isabel de Bragança em foto tirada no exílio, na França](https://www.conversademenina.com.br/wp-content/uploads/2009/05/princesaisabel.jpg?w=250)
Ao longo dos 300 anos de escravidão no Brasil, diversas fugas, rebeliões de escravos, escamaruças em quilombos e campanhas exerceram tal pressão sobre o governo imperial que a assinatura da Lei Áurea era inevitável. O Brasil também recebeu muita pressão externa para eliminar o trabalho servil. Wlamyra vai mais longe na sua pesquisa e revela que quando a lei foi assinada, mais de 80% da população negra já era liberta e essa liberdade foi conquistada mais por meios próprios do que por benevolência dos senhores. Os escravos, aqui na Bahia, por exemplo, uniam-se em irmandes responsáveis por juntar caixas de pecúlio e usar esse dinheiro para comprar a alforria uns dos outros. Negros de ganho, escravos que trabalhavam nas ruas como carregadores e vendedores, também juntavam o quinhão para a compra da liberdade.
Em 2000, fiz uma entrevista com Wlamyra, na época, ela lançava um livro sobre o 2 de Julho – Independência da Bahia – partindo também de estudos que resignificavam a festa maior dos baianos. Na pesquisa, a historiadora ressaltava o caráter popular da guerra da Independência. A Bahia foi o último reduto do comando português no Brasil e foi o estado onde a Independência do Brasil se consolidou, pois um levante popular permitiu que os últimos soldados portugueses fossem expulsos do país.
Quem é quem:
Wlamyra Albuquerque* – Graduada em História pela Universidade Católica do Salvador (1991), mestra em História pela Universidade Federal da Bahia (1997) e doutora em História Social da Cultura pela Universidade Estadual de Campinas (2004). É professora da Universidade Federal da Bahia. Desenvolve pesquisa e orienta trabalhos que versam sobre abolição, racialização, culturas e identidades sócio-raciais no Brasil.
*Informações retiradas do currículo lates da pesquisadora, disponível aqui.
Princesa Isabel – A filha do imperador Pedro II foi a primeira senadora brasileira, cargo a que tinha direito como herdeira do trono, segundo a Constituição do Império, promulgada pelo avô Pedro I, em 1824. Nasceu no Rio de Janeiro, em julho de 1846 e morreu em 1921, na França. Foi regente do império três vezes. A abolição foi assinada no seu último período de regência. Pelo ato, a princesa recebeu o título de “Redentora”. Essa visão é que a historiografia moderna tenta mudar, mostrando que a princesa agiu por pressões políticas e sociais e não por caridade. Com a Proclamação da República, teve de deixar o Brasil com o resto da família real.
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É muito triste ver que as pessoas formulam opiniões e esquecem de estudar um pouco mais a biografia da princesa Isabel. Cristicas são inevitáveis porque o ser humano gosta de vasculhar os defeitos alheios e esquece de observar que ao apontar o indicador para terceiros, existem outros quatro dedos voltados para si mesmo.
A questão da libertação dos escravos ainda fumega junto aos que ainda se sentem presos aos preconceitos e se sentem injuriados com as distorções que dizem existir.
Melhor seria que lutassem no HOJE as questões que podem realmente abolir a escravidão do egoismo, da ignorância e do orgulho, que atinge negros e brancos.
Oi Marianna,
A princesa Isabel tem uma biografia notável realmente, foi senadora, foi regente de um país do tamanho do Brasil, numa época em que as mulheres eram impedidas até de aprender a ler, por essas realizações ela merece lugar na história de mulheres importantes do país, mas particularmente acredito que o seu papel na abolição foi secundário e orquestrado por interesses políticos (ela agiu com bom senso político e não porque era abolicionista, ela não era, não podia ser, porque eram os senhores de engenho que sustentavem a monarquia). Justamente por conhecer a história de resistência dos negros brasileiros é que acredito nisso. É impossivel olhar para o hoje, sem entender o passado histórico do país e o motivo de tanta desigualdade. O que você chama de egoismo atende pelo nome de racismo e ele não afeta apenas os negros, embora a população negra seja a mais afetada, mas atinge também os brancos pobres, “que são quase pretos” como diz a letra de Haiti (Caetano e Gil), ou os indigenas, dizimados, expulsos de suas terras porque o colonizador os julgava selvagens, apenas porque tinham cultura diferente daquela de visão europeia. Do contrário. se não existisse segregação social no país que se diz tão democrático, a população negra do Brasil já teria conquistado igualdade de direitos. Inverta a história e pense que, se os negros fossem senhores de África que capturavam pessoas brancas na Europa para escravizar, não estariam os brancos agora também em busca de reparação e reconhecimento da igualdade? Em busca de recuperar a cidadania usurpada?
Obrigada pela visita ao blog e por dividir conosco suas opiniões. Um abraço