Releitura da Abolição

Da série, Mulheres que fazem a diferença

A historiadora baiana Wlamyra Albuquerque, professora da Universidade Federal da Bahia, lançou na última terça, dia 12, o livro O Jogo da Dissimulação – Abolição e Cidadania Negra no Brasil, em que propõe uma ressignificação do 13 de Maio. Ao invés do que dizem os livros didáticos, que a abolição da escravatura foi uma concessão da princesa Isabel e até um gesto de bondade da regente, a pesquisadora propõe uma análise mais crítica do episódio histórico, demonstrando com base em documentos e registros, que a abolição ocorreu devido a pressões sociais e, principalmente, porque os próprios negros sempre lutaram pelo reconhecimento de sua condição enquanto cidadãos livres.

Isabel de Bragança em foto tirada no exílio, na França
Isabel de Bragança em foto tirada no exílio, na França, onde viveu após a proclamação da república, até sua mort, em 14 de novembro de 1921

Ao longo dos 300 anos de escravidão no Brasil, diversas fugas, rebeliões de escravos, escamaruças em quilombos e campanhas exerceram tal pressão sobre o governo imperial que a assinatura da Lei Áurea era inevitável. O Brasil também recebeu muita pressão externa para eliminar o trabalho servil. Wlamyra vai mais longe na sua pesquisa e revela que quando a lei foi assinada, mais de 80% da população negra já era liberta e essa liberdade foi conquistada mais por meios próprios do que por benevolência dos senhores. Os escravos, aqui na Bahia, por exemplo, uniam-se em irmandes responsáveis por juntar caixas de pecúlio e usar esse dinheiro para comprar a alforria uns dos outros. Negros de ganho, escravos que trabalhavam nas ruas como carregadores e vendedores, também juntavam o quinhão para a compra da liberdade.

Em 2000, fiz uma entrevista com Wlamyra, na época, ela lançava um livro sobre o 2 de Julho – Independência da Bahia – partindo também de estudos que resignificavam a festa maior dos baianos. Na pesquisa, a historiadora ressaltava o caráter popular da guerra da Independência. A Bahia foi o último reduto do comando português no Brasil e foi o estado onde a Independência do Brasil se consolidou, pois um levante popular permitiu que os últimos soldados portugueses fossem expulsos do país.

Quem é quem:

Wlamyra Albuquerque* – Graduada em História pela Universidade Católica do Salvador (1991), mestra em História pela Universidade Federal da Bahia (1997) e doutora em História Social da Cultura pela Universidade Estadual de Campinas (2004). É professora da Universidade Federal da Bahia. Desenvolve pesquisa e orienta trabalhos que versam sobre abolição, racialização, culturas e identidades sócio-raciais no Brasil.

*Informações retiradas do currículo lates da pesquisadora, disponível aqui.

Princesa Isabel – A filha do imperador Pedro II foi a primeira senadora brasileira, cargo a que tinha direito como herdeira do trono, segundo a Constituição do Império, promulgada pelo avô Pedro I, em 1824. Nasceu no Rio de Janeiro, em julho de 1846 e morreu em 1921, na França. Foi regente do império três vezes. A abolição foi assinada no seu último período de regência. Pelo ato, a princesa recebeu o título de “Redentora”. Essa visão é que a historiografia moderna tenta mudar, mostrando que a princesa agiu por pressões políticas e sociais e não por caridade. Com a Proclamação da República, teve de deixar o Brasil com o resto da família real.

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2 comentários em “Releitura da Abolição

  1. É muito triste ver que as pessoas formulam opiniões e esquecem de estudar um pouco mais a biografia da princesa Isabel. Cristicas são inevitáveis porque o ser humano gosta de vasculhar os defeitos alheios e esquece de observar que ao apontar o indicador para terceiros, existem outros quatro dedos voltados para si mesmo.
    A questão da libertação dos escravos ainda fumega junto aos que ainda se sentem presos aos preconceitos e se sentem injuriados com as distorções que dizem existir.
    Melhor seria que lutassem no HOJE as questões que podem realmente abolir a escravidão do egoismo, da ignorância e do orgulho, que atinge negros e brancos.

  2. Oi Marianna,
    A princesa Isabel tem uma biografia notável realmente, foi senadora, foi regente de um país do tamanho do Brasil, numa época em que as mulheres eram impedidas até de aprender a ler, por essas realizações ela merece lugar na história de mulheres importantes do país, mas particularmente acredito que o seu papel na abolição foi secundário e orquestrado por interesses políticos (ela agiu com bom senso político e não porque era abolicionista, ela não era, não podia ser, porque eram os senhores de engenho que sustentavem a monarquia). Justamente por conhecer a história de resistência dos negros brasileiros é que acredito nisso. É impossivel olhar para o hoje, sem entender o passado histórico do país e o motivo de tanta desigualdade. O que você chama de egoismo atende pelo nome de racismo e ele não afeta apenas os negros, embora a população negra seja a mais afetada, mas atinge também os brancos pobres, “que são quase pretos” como diz a letra de Haiti (Caetano e Gil), ou os indigenas, dizimados, expulsos de suas terras porque o colonizador os julgava selvagens, apenas porque tinham cultura diferente daquela de visão europeia. Do contrário. se não existisse segregação social no país que se diz tão democrático, a população negra do Brasil já teria conquistado igualdade de direitos. Inverta a história e pense que, se os negros fossem senhores de África que capturavam pessoas brancas na Europa para escravizar, não estariam os brancos agora também em busca de reparação e reconhecimento da igualdade? Em busca de recuperar a cidadania usurpada?

    Obrigada pela visita ao blog e por dividir conosco suas opiniões. Um abraço

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