Seis em cada 10 brasileiros conhecem alguma mulher que foi vítima de violência doméstica. Desse total, 63% tomaram alguma atitude, o que demonstra a mobilização de grande parte da sociedade para enfrentar o problema. 27% das mulheres entrevistadas declararam já ter sido vítimas de violência doméstica, enquanto apenas 15% dos homens admitiram ter praticado esse crime.
Esses são alguns dados da pesquisa Instituto Avon/Ipsos – Percepções sobre a Violência Doméstica contra a Mulher no Brasil, em que 1,8 mil pessoas de cinco regiões brasileiras foram entrevistadas.
Uma das grandes conquistas do estudo é a ampliação do espaço seguro para homens e mulheres se comunicarem, segundo avaliação da especialista em pesquisa de opinião Fátima Pacheco Jordão, conselheira do Instituto Patrícia Galvão, um dos parceiros da Avon na iniciativa: “Uma técnica sofisticada foi utilizada pela primeira vez nas pesquisas sobre violência contra mulheres no Brasil, com o objetivo de obter respostas mais fidedignas para um assunto tão complexo. No capítulo relativo à violência vivenciada por homens e mulheres, os entrevistados preencheram o questionário em sigilo (sem nenhuma indicação de dados pessoais), e o colocaram em um envelope. Dessa forma, evitou-se que o entrevistado se sentisse inibido ou influenciado a dar respostas padrão e aceitas pelo costume”.
59% CONHECEM UMA MULHER QUE SOFREU VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
“Com esse estudo, a Avon e o Instituto Avon esperam contribuir para a reflexão e maior compreensão deste desafio e oferecer subsídios para fundamentar o trabalho dos envolvidos – organismos públicos e privados, associações de bairro, lideranças comunitárias, acadêmicos e leigos – em encontrar saídas para a erradicação da violência doméstica” afirma Luis Felipe Miranda, presidente da Avon Brasil. “Teremos cumprido nossa missão se conseguirmos ampliar a discussão do tema, pautando-a na construção de relações baseadas na cooperação, no respeito e na convivência pacífica.”
62% RECONHECEM VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA
“A pesquisa demonstra, com números contundentes, que a percepção de homens e mulheres sobre a gravidade da violência contra a mulher avança na sociedade brasileira. Hoje, 62% da população já reconhece a violência psicológica como uma forma de violência doméstica, por exemplo,” afirma Jacira Melo, do Instituto Patrícia Galvão, ícone na análise da violência doméstica. Os resultados revelam que há ainda um longo trabalho a ser realizado em disseminação de informação, já que os números sobre a percepção da definição do que é violência diferem pouco do estudo anterior.
94% CONHECEM A LEI MARIA DA PENHA e 13% SABEM O SEU CONTEÚDO
Outro parceiro na pesquisa, a Associação Palas Athena, contribuiu com a reflexão sobre a invisibilidade das atitudes violentas no cotidiano, como também preparou uma lista que relaciona diversos recursos à disposição dos interessados no assunto – de livros a organizações e profissionais especializados em tratar os conflitos familiares com ferramentas pacificadoras.
Outros dados importantes do estudo:
* Falta de condições econômicas e preocupação com a criação dos filhos: percebidas como as principais razões para manter as mulheres atadas a um relacionamento abusivo.
* Delegacias e conversa com amigos e familiares: as ajudas que as mulheres mais indicam para as vítimas.
*A maioria das pessoas (60%) pensa que, ao ser denunciado, o agressor vai preso.
A íntegra da pesquisa está disponível no site do Instituto Avon, acesse aqui.
**Material produzido pela assessoria de comunicação da Avon BR.
A chegada do fim do ano provoca uma síndrome de correria extrema e de ansiedade quase insuportável e generalizada. Junto, vem também uma impaciência digna de TPM, mas que não afeta só as mulheres. Os homens também perdem a calma cada vez com mais frequência, principalmente nessa época do ano. Como estamos em uma semana daquelas (as blogueiras não estão em período de TPM…ainda!!), separei para outras (os) desesperadas (os) um artigo fantástico da jornalista Marli Gonçalves. Confiram, divirtam-se e reflitam. Como diz uma amiga minha, “valapena”!
P.S.: O modelo petit dando chilique na primeira foto é meu o filhote.
Impaciências
*Marli Gonçalves
O sinal ainda ia fechar, mas o pedestre já está lá no meio da rua, driblando a faixa. O sinal vai amarelando e o cara de trás já tacou a mão na buzina. Se você deixar passar o tal pedestre, ainda vai é ser muito xingado pelo tal motorista que, em geral, gesticulará muito com as mãos, talvez dedos. A fila do caixa não anda, ninguém atende a porcaria do telefone e quem ficou de ligar não liga. Você fuma, come, bebe mais do que deve e pode começar a espumar.
O elevador vem vindo, mas o coitado do botão de chamada é massacrado, como se acelerador fosse. O cara vai descer daqui a dez pontos, mas já está na porta do ônibus, empatando a saída e outras coisas. Nem bem o Metrô parou, tem invasão de gente saindo e entrando pelo mesmo lugar, a porta – e duas coisas não ocupam o mesmo lugar no espaço. Às vezes a gente nem percebe, mas já está com ela incrustada: a impaciência. Entre os sintomas, o tamborilar de dedos na mesa, o pezinho batendo ou sacudindo mais nervosamente, vontade de esganar o mundo, uma certa agonia. Se não é TPM, é impaciência.
A impaciência é uma tensão, sentimento, sensação que acomete todo mundo em algum momento; e pode ser também característica “fixa” de personalidade. Por exemplo, ao tentar olhar com alguma simpatia para a presidente eleita, vejo nela uma mulher impaciente, e brava, ríspida, que não gosta de falar duas vezes a mesma coisa.
O problema é que ultimamente isso anda quase impossível. Todo mundo sabe tudo antes de ouvir a história e não presta atenção. Ou fica tão impaciente para discordar de você que até interrompe, muitas vezes com outro assunto, um não ou pitaquito. Ninguém mais lê nada completo e é difícil manter a atenção dos interlocutores, ou dividi-la com celulares, computadores, IPODIS, IPADIS, SMSsss,entre outras traquitanas (e reclamávamos do bip!). É a azáfama moderna, adiantada pelo Lewis Carroll quando criou o coelho “tenho pressa muita pressa” em Alice.
Quando a gente está mais impaciente, repare, é quando encontra ainda mais quem tenta nos contar as coisas nos míííínimos detalhes e em ordem cronológica, torrando o saco até de quem é habitualmente calmo. Não adianta demonstrar a sua impaciência olhando no relógio, tamborilando na mesa, nem pigarreando. Não adiantará. Se tiver dois celulares dê um jeito de ligar para você mesmo.
A impaciência nos acomete em variadas situações, em geral desagradáveis. Com fome, no restaurante. Com sede, no bar. Com pressa, no trânsito. Dizem os dicionários que significa falta de paciência, incapacidade de suportar algo ou alguém, de se constranger ou esperar. Falam em pressa e desespero, também. E em sofreguidão, mas com este termo não concordo. Tendo a achar a palavra mais adequada ao fazer coisas bem gostosas, realmente sôfregas.
Especialistas explicam que a falta de tempo, a competitividade e o individualismo são as principais causas da falta de tolerância e impaciência. Pesquisadores de uma universidade americana publicaram recentemente os resultados de uma pesquisa sobre as consequências da impaciência para a saúde das pessoas. As impacientes sofreriam mais com problemas de hipertensão e teriam mais probabilidades de contrair doenças cardíacas. Surpresa! Portanto, todos nós, hein, estamos sujeitos a puff!
O grau de impaciência foi avaliado com algumas perguntas: Você se aborrece quando tem de esperar? Você come depressa? Costuma sentir-se pressionado no fim de um dia normal de trabalho? Sente-se pressionado pelo tempo? Assim, descobriram o Brasil.
Outros andaram descobrindo também que fast food torna as pessoas mais impacientes. Para os pesquisadores, a exposição diária às redes de fast food pode ter um efeito subliminar sobre o comportamento, fazendo com que as pessoas fiquem mais apressadas nas atividades diárias, independentemente de serem – ou não – pressionadas pelo tempo e pela agenda. Contamos para eles a impaciência dos cachorros quando nos vêem com a coleira nas mãos? Contamos para eles que somos impacientes até quando vamos ao banheiro? Ou sobre nossa impaciência ao ver que parceiros, ou filhos, não mudarão, nem com o tempo? Vai negar?
Melhor, por que não detonamos logo o sistema que nos deixa assim? Nas terapias florais existe um remédio, um dos Florais de Bach, chamado Impatiens (extraído da flor Impatiens Gladulifera). Sabe qual flor é? Aquela que aqui chamamos de Maria Sem-Vergonha que nasce em qualquer canteiro, impaciente como ela só.
Diz um provérbio chinês: “Um momento de paciência pode evitar um grande desastre; um momento de impaciência pode arruinar toda uma vida”. Disse Napoleão: “A impaciência é um grande obstáculo para o bom êxito”. Para Saramago, “à paciência divina teremos que contrapor a impaciência humana. Para mudar as coisas, a única forma é ser impaciente”. Já a Bíblia afirma que a impaciência é uma manifestação de incredulidade e desconfiança, com o profeta Isaías apresentando quatro atitudes geradas pela impaciência: a impaciência leva-nos a substituir os planos de Deus pelos nossos; a impaciência nos conduz a fazer coisas proibidas por Deus; a impaciência gera frustrações e decepções; a impaciência produz a rejeição do tempo ou do momento certo de Deus.
Sei lá. Sede de viver. Medo de morrer antes de ter feito. Pressa por resultados, muitos dos quais, inclusive, nem interessam. Vontade de ser campeão, o melhor, o maioral. De ter a certeza de estar certo. De saber se vai conseguir. Sei só que estamos todos contaminados. A impaciência é mesmo imprevisível. Mas pode ser também advertência, abstinência, preferência, providência, previdência, imprudência, turbulência, suficiência, resistência, incoerência.
*Marli Gonçalves é jornalista e consultora de comunicação. Ela adora trocar uma ideia com novos amigos e é generosa para compartilhar seus textos, desde que a fonte original seja devidamente citada e a integridade do material respeitada. Para seguir a Marli no Twitter: www.twitter.com/MarliGo; para acessar esse e outros artigos dela na fonte original: www.brickmann.com.br ou no blog pessoal: marligo.wordpress.com. E ela também recebe emails em: [email protected] e [email protected].
Eu entendo perfeitamente o funcionamento do capitalismo, a busca incessante pelo lucro, a propriedade privada individual dos meios de produção. Cultivo uma revolta pela forma como o sistema econômico atropela qualquer tipo de anseio social e sou solidária às iniciativas que visam ao melhoramento do bem estar da coletividade. Já li muito sobre o assunto, textos explicativos, bem elaborados, outros mais complexos, alguns defendendo o sistema, outros levantando seus pontos negativos. Em todos, é fato que está lá presente a questão da exploração desumana e cruel da mão de obra.
Eu não sou contra o lucro, mas repudio a corrida desenfreada por ele, quando há desrespeito contínuo e impiedoso pelo trabalhador, que é, sem sombra de dúvidas, o fator principal do sistema. O que mais me frustra com relação a isso é que, muitas vezes, pequenas atitudes de cuidado que fariam uma diferença estúpida na qualidade do ambiente de trabalho, por exemplo, são solenemente ignoradas pelos patrões. Um salário digno é o mínimo de garantia, o básico, mas não é suficiente. Outras preocupações são igualmente indispensáveis, principalmente no que se refere à saúde, à segurança, a certos benefícios.
Fico incrédula com a indiferença da maioria dos empresários para com os pequenos problemas que são detectados. Mais incrédula ainda pelo fato de eles não perceberem que, quanto melhor estiver o ambiente de trabalho, mais dedicação e empenho os funcionários terão em suas atividades. Será que ninguém enxerga que ter funcionários trabalhando felizes e realizados é diretamente proporcional ao resultado final deste trabalho? É tão obscura assim essa simples equação? Deve ser coisa do dinheiro, que cega as pessoas, que hipnotiza. E nem pensam que operários satisfeitos seriam capazes de trazer-lhes mais dinheiro ainda.
Imagino até quando os trabalhadores aceitarão passivamente as condições a que são submetidos diariamente. Questiono-me até quando haverá paciência para lidar com tanto descaso. Até quando nós, da classe empregada, permaneceremos inertes diante de tanta atrocidade e desrespeito. E torço para que, um belo dia, acordemos deste pesadelo, com a consciência de que o sistema somos nós e só nós temos o poder de manipulá-lo a nosso favor. Não somos apenas braços, somos cérebro, capazes de transformar a realidade imposta. Somos povo, e o povo unido, ninguém é capaz de vencer.
“(…) Percebo em nossos dias uma intolerância cada vez maior com os limites humanos. Temos medo das imperfeições. E por isso evitamos o outro no momento de sua fragilidade. Corremos o risco de cultivar pessoas e realidades a partir de expectativas, e não de possibilidades. Queremos o outro, mas esse querer fica condicionado. Queremos até o momento em que nossas projeções não sejam desarticuladas. Queremos, mas desde que absolutamente nada contrarie nosso querer.
(…) O amor que sentimos pelo outro pode ser concreto fora da experiência de limites e imperfeições? É possível amar alguém sem tocar suas formas mais imperfeitas? O amor consiste somente em reconhecimento de valores? Não creio, meu amigo. Tenho aprendido, a partir de minha experiência, que o amor só é concreto depois de termos necessitado do perdão.
Antes disso há qualquer outra coisa, menos amor. Eu só sei que amo verdadeiramente depois de ter esbarrado nas imperfeições do outro, depois de ter conhecido sua pior faceta e mesmo assim continuar reconhecendo-a como parte a que nao posso renunciar. Só o amor me faz conviver com o precário da vida, com a indigência humana (…)”
O texto acima é para promover uma reflexão. É um pequeno trecho do livro “Cartas entre amigos – sobre medos contemporâneos”, que reproduz 18 cartas trocadas entre o educador Gabriel Chalita e o padre Fábio de Melo. A troca de correspondências começou no final de 2008, quando Chalita se preparava para assumir o cargo de vereador em São Paulo, e Melo encerrava uma turnê de 120 shows. No período, eles começaram a refletir sobre temas diversos que cercam a contemporaneidade, como a violência, o amor, o fracasso, a inveja, a solidão, o ódio, dentre tantos outros. Temas que precisamos o tempo inteiro rever, analisar, discutir. O cotidiano já não é fácil nessa nossa sociedade moderna. Não podemos descuidar do resto.
A internet é um meio muito veloz de disseminação de informações. Em questão de minutos, uma notícia, um fato ou um dado torna-se de conhecimento nacional. Isso tem um ponto muito positivo, claro, afinal hoje conseguimos ter acesso a novidades muito rapidamente, mas tem também um vértice negativo, que é a circulação de mentiras e falácias por pessoas com interesses pessoais na proliferação de determinadas informações. O motivo deste post são alguns comentários que recebemos sobre supostas pesquisas a respeito da alienação parental, que teriam sido divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Como muitos já sabem, o IBGE é o nosso mais importante órgão de provimento de dados sobre o País. Para quem não tem muita familiaridade com as atividades do órgão, o site oficial é bastante objetivo, indicando que ele “identifica e analisa o território, conta a população, mostra como a economia evolui através do trabalho e da produção das pessoas, revelando ainda como elas vivem”. Fica claro, ante o exposto, que o IBGE nada tem a ver com pesquisas jurídicas e de caráter subjetivo, que estão fora das atribuições do instituto. A missão do IBGE é, em palavras simples, retratar o Brasil, identificando suas especificidades relativas à população, economia e geociências (área territorial, cartografia etc).
A alienação parental é um comportamento antigo, mas a legislação em torno do tema é bastante recente. Muitos pais e mães já viveram na pele, antes mesmo de haver qualquer tipo de regulamentação especial, o drama de ver o filho (a) sendo manipulado pelo outro genitor, a fim de quebrar os laços afetivos e construir sentimentos negativos na criança sobre o pai ou mãe vítimas da alienação. É como se o pai ou a mãe treinasse a criança para ter pavor ou simplesmente deixar de gostar do outro genitor, ou, ainda, dificultar o convívio da criança com o outro genitor. É sempre associado a um sentimento de vingança muito forte e ocorre normalmente durante ou após o processo de separação do casal.
A questão é que pessoas andam divulgando por aí uma falsa pesquisa supostamente realizada pelo IBGE sobre a alienação parental. Recentemente, inclusive, recebemos – e rejeitamos – dois comentários em um post que publicamos sobre o assunto, trazendo dados absurdos, que não cabem aqui ser reproduzidos pela falsidade da origem. Como já vimos, o órgão não faz este tipo de levantamento. E como a legislação brasileira sobre o assunto é muito recente – a lei foi sancionada pelo presidente Lula no último dia 26 de agosto -, é bem difícil já termos estatísticas locais consolidadas sobre o assunto.
Claro que já temos um panorama sobre o tema, já que as discussões começaram a se acirrar em 1985, quando o médico e professor de psiquiatria infantil caracterizou a “Síndrome da Alienação Parental” na Universidade de Colúmbia (EUA). Os estudos de Gardner trazem dados assustadores: 80% dos filhos de pais divorciados já sofreram algum tipo de alienação parental e estima-se que mais de 20 milhões de crianças sofram este tipo de violência. No entanto, estas pesquisas não referem-se ao universo brasileiro especificamente, embora, sim, sirvam de parâmetro para formatar um retrato da síndrome e a sua gravidade e alcance.
No entanto, em termos de Brasil, uma pesquisa quantitativa em torno da alienação parental exigiria uma análise minuciosa de processos judiciais de pessoas condenadas (não em termos jurídicos penais, o condenadas aqui refere-se à identificação, no processo, da prática da alienação parental). Ou, ainda, a pesquisa de algum estudioso no assunto com base em dados fornecidos por especialistas (psicólogos, por exemplo), a partir do diagnóstico feito durante as consultas, determinando-se que aquela criança foi vítima dos excessos do pai ou da mãe, por exemplo.
Assim, meninos e meninas, suspeitem de qualquer pesquisa estranha e confiram sempre se a fonte da informação e o meio divulgador realmente são reponsáveis pelos dados informados. Este assunto requer muita atenção da nossa parte, afinal a maior vítima da alienação parental é a criança, cujo desenvolvimento sadio somos todos responsáveis por resguardar.
Alguém aí vai votar em um candidato por causa das ações dele pela cidade em carros de som? Em minha opinião é extremamente irritante ser obrigado a ouvir jingles repetitivos de candidatos nas ruas. O som nas alturas vai disparando aquelas musiquinhas que nada acrescentam à nossa intelectualidade, tampouco à nossa motivação para eleger alguém. Hoje, depois de ser coagida – porque o tal do carro de som decidiu me seguir pela cidade – a ouvir jingles durante minutos seguidos, decidi dar início à campanha de não votar no candidato que adota a poluição sonora como método de conquista de votos.
Para mim, já bastam as barbaridades que são exaltadas nos programas eleitorais, em que todo mundo é gente boa e vai transformar o mundo em um país das maravilhas. Não dá para escolher um candidato porque ele optou por um registro de sequência numérica fácil de decorar, ou porque criou uma musiquinha engraçadinha que ecoa nos nossos cérebros submetidos a “repeats” e mais “repeats” nas ruas, tampouco dá para escolher um candidato pelas promessas que fazem durante a captação do eleitorado nacional. Está na hora de criarmos um mínimo de consciência política.
Que tal começar a votar pelo que o candidato já fez enquanto detentor de um cargo político? Que tal pesquisar o que já foi divulgado sobre ele? O que acha de entrar nos sites institucionais do Senado, Câmara ou Assembleias para analisar a participação de seu candidato nas votações de projetos e verificar quais os projetos de lei que ele tentou emplacar enquanto exercente de cargo eletivo? Precisamos mostrar que estamos mais atentos, mais cuidados e mais exigentes. Queremos à frente do nosso povo, pessoas que realmente defendam, na prática, e não na teoria, a ideologia a que nos alistamos.
O artigo que selecionei para esta quarta-feira foi escrito pela jornalista Marli Gonçalves e chegou via email direto de São Paulo, para nos brindar com uma reflexão madura, divertida, sensata e ao mesmo tempo lúdica sobre a necessidade da comunicação olho no olho, do contato físico e da interação nas ruas. Apesar da violência urbana crescente nas grandes capitais, Marli defende que precisamos reconquistar a rua como espaço social de convivência. Vale a pena ler tudo! E para efeitos de organização da blogagem, a quarta agora é o dia oficial dos artigos escritos por convidados e demais especialistas que nos enviam conteúdo de primeiríssima qualidade, sempre publicado com a devida autorização e citação da autoria, lógico!!!
**A vitória das ruas
por *Marli Gonçalves
Nas ruas vemos as pessoas completas, corpinhos com perna e tudo o mais, inclusive o rebolado. Nos carros vemos só as cabecinhas. Nos shoppings são todos muito iguais. Na internet todo mundo mente muito. Telefone ainda não tem visor, a não ser por câmeras. E-mails e salas de bate-papo não podem andar zanzando com fotos por aí. Agências de relacionamento são caretas. Às ruas, pois! Às praças, parques, praias! Só assim poderemos nos encontrar.
Conheço quem pega o carro para ir daqui até ali, sem qualquer justificativa ponderável; por exemplo, alguma dificuldade motora, ou uma chuva torrencial. A pessoa só se sente segura dentro das latinhas com roda, aquilo a ajuda a superar as barreiras e fronteiras da vida; às vezes, até a própria timidez e comportamento. Todos os vidros fechados, de preferência escuros, aquela coisa horrível. Se tiverem grana, pior, os carros serão tanques blindados. Nunca mais aquela paquera gostosa do meio do trânsito!
Conheço quem não saiba andar nada na cidade sem se perder, nem pelas áreas centrais, e nunca sai dos limites de seu cotidiano, quase decorados, reprisados dia a dia. (Todos têm GPS). Não imaginam e nem se interessam pelas constantes transformações da cidade onde moram. Nem percebem as mudanças, sejam elas positivas ou negativas. Em geral, já que não reparam, é tudo ruim, estragado, feio, e elas não estão perdendo nada. Se abrissem os olhos…
Ledo engano. Não dá mais para viver sem as ruas. Sem elas, sem seu cheiro, buracos, as suas pessoas, nós ficamos míopes, ou ciclopes de um olho só. Não poderemos perceber um palmo adiante do nariz, nem comparar vivências, nem aprender, muito menos reivindicar. E o pior: quando fui procurar vantagens das ruas, lembrei-me dos malditos shoppings, ex-ilhas de segurança, onde todo mundo parece vestir, pensar, andar, fazer, falar, mostrar igual. Onde as moças andam com aquele jeitinho, de calça jeans skinny, scarpins e bolsas coloridas, cabelos escovados à enésima, e as crianças parecem saídas das revistas.
Vamos para as ruas. Onde mais tanta gente completamente diferente entre si? Onde mais toda a realidade social?
Surtei. Além dos shoppings, a violência entra em hotéis e residências, toma reféns, machuca e causa mortes.
Vamos para as ruas. Todos os bairros, todos os lugares hoje têm lojas, coisas, fico boba de ver tal variedade. Antes não era assim. Nas ruas, se retoma o sentido das vilas, das comunas, da convivência. É isso que traz a segurança. Movimento.
Surtei de novo e logo eu, que não gosto de muvucas, muito menos de andar em grupos, pensei que agora deveremos passar a andar em montinhos, todos juntos, uns defendendo os outros, compactos. A garotada já se deu conta disso, e é comum hoje vermos grupos de quinze, vinte jovens, andando juntos, para o bem e para o mal. Aqui no meu pedaço, umas hordas de lombriguinhas engraçadas e quase andróginas, perninhas finas, cabelinho, e forte disposição de ser diferente. Melhor: as apresentações de seus shows particulares acontecem nas ruas. Ou são tatuados, ou usam boné, ou deixam o cofrinho de fora; cada grupo, um código. Não é mais West Side Story. É outra coisa. É a vida mudando; as gerações passando, novos guetos se formando. O aquecimento global, cromossomos XX, XYZ, genomas e genéticas, seus efeitos.
Lembrei com saudades das pracinhas do interior, do footing; das casas com janelas e portas abertas, mesmo que no mesmo nível das calçadas, Na praia ainda tinha um pouco disso, mas faz tanto tempo que não viajo que posso até já estar errada.
Onde mais encontrar o outro? Meninas, ele não bate na porta! Meninos, ela não vai cair do céu. Dá uma olhada como andam os bares na hora do tal happy-hour! Percebe que está mudando? Não tem muito mais gente, pegação, hora da alegria?
Acho também que acabou sendo uma colaboração da Lei antifumo que se espalhou pelo país, pior que bituca acesa na palha. Hoje lota qualquer berimbau, boqueta, pé-sujo, biboca, barraquinha de hot-dog, beira de esquina. Lota. Não que todos fumassem. Mas é que a convivência entre fumantes e não-fumantes é, acredito, de formação, pacífica, e um vai com o outro lá fora fumar, igual mulher quando vai ao banheiro. Tudo bem. Olha só: efeito positivo! Mais gente nas ruas. Inclusive nos passeios e calçadas. Não estou falando?
As ruas são todos os estilos musicais, formas, físicas e mentais, qualquer mistura possível de ver. Onde mais conheceríamos tantas raças de cachorros? Tantas cores de cabelos? Onde mais, homens e mulheres apaixonados andando de mãos dadas, um com um ou com outro e outro, também? Diversidade chama diversidade e criatividade. Onde mais mulheres muçulmanas, monges budistas, judeus ortodoxos, indianos com seus sáris, a neguinha com chapéu? O típico cafetão das ruas nova-iorquinas de cinema e o cabeça-chata, lado a lado, puxando incautos para os shows da noite de néons da Rua Augusta? A exposição de carros-jóias de todas as cores atrás de vitrines de vidro da Avenida Europa? Se você não estiver em Brasília, tem de parar o carro um pouco, vai se acostumando. Andar vai lhe fazer bem. Depois me conta.
Está todo mundo aí, tentando construir networking, a tal rede de relacionamento virtual que talvez até um dia possa render alguma coisa, além de amolação. Todo mundo acabou voltado para dentro, recolhido. Isso não é bom. Nos tornam frágeis, inseguros, solitários, desinformados e manipuláveis.
Porque nos torna invisíveis. Às ruas, portanto! Networking Street. Ao menos poderemos olhar uns para os outros.
*Marli Gonçalves é jornalista. Está esperando só a recuperação total para poder “bater pernas” por aí, mais longe. Sempre adorou passear. Entre outras, nos Anos 70, a moleca aqui ajudou a fazer um programa de rádio que ficava no ar ali na Rua Augusta, transmitindo recados de carro a carro. Com o Roberto Tripoli (Xexéo, para mim), e o Jacques Gregorian (que agora está com programa imperdível no site da Jovem Pan!). Eles não vão negar….
**Texto encaminhado para Andreia Santana por Marli Gonçalves, via email, e publicado no Conversa de Menina mediante autorização, desde que devidamente citados a autoria e os contatos da escritora.
Faz tempo que reflito sobre privacidade e o ato de manter a própria vida longe da curiosidade alheia. Com tantas formas de interação disponíveis na internet, tais como o Orkut, facebook, MSN, twitter, comunidades disso e daquilo, sinto que a geração mais nova perdeu a referência do que seja vida privada, num sentido mais profundo da palavra. Não existe mais limite para o que pode ser compartilhado e o que não é de interesse de ninguém mais, a não ser da própria pessoa e de seu círculo mais próximo. Intimidade é artigo raro nesta rede de um milhão de amigos.
Não é uma novidade refletir sobre esse tema, visto que existe todo tipo de estudo sobre o assunto, dos mais sérios aos sensacionalistas. E nem considero hipocrisia também meter minha colher nesse angu, ainda mais que escrevo em blog, tenho twitter, Orkut, facebook, MSN e ainda integro uma rede de bibliófilos, a Skoob, que reúne colecionadores de livros e de leituras (escrevo sobre ela qualquer dia desses). Como usuária das ferramentas, membro das comunidades virtuais e como migrante digital por conta das 36 primaveras de vida, me considero no direito de opinar.
Não é para falar contra a tecnologia ou as novas formas de interação que estou aqui dividindo essa chuva de palavras com quem tiver paciência para ler até o final. Sabemos que o ser humano precisa se expressar. Está aí a arte, em todas as suas manifestações, do cinema a telenovela, do blog ao romance, da pintura a moda, para provar que interação é uma realidade tão antiga quanto o mundo. Os teóricos da comunicação, apesar de se esforçarem para soar “novidadeiros”, não criaram praticamente nenhum conceito novo. Nós, humanos, somos gregários e interativos desde sempre, só funcionamos em bando desde que o mundo é mundo, logo, qualquer ferramenta ou forma de expressão que nos ajude a manter a ideia de comunidade é sempre bem-vinda. Mas, houve um tempo em que mesmo em bando, reservávamos um espaço doméstico e quase sagrado, onde a solidão não era temida, onde a alegria e a tristeza eram divididas apenas com pessoas da maior confiança. Onde o isolamento favorecia a reflexão. Ultimamente, somos papagaios: falamos, reproduzimos outras falas, fazemos um barulho imenso, mas pouco do que é dito importa de fato. Temos medo de ficar sozinhos e em bando, nem sempre dá para refletir.
Minha inquietação é com a incapacidade cada vez maior das pessoas em perceber limites para a privacidade. A própria e a alheia. Fui criada de uma forma moderna, em alguns aspectos, e completamente antiquada, por exemplo, quando o tema é o respeito ao espaço do outro. Nunca tive permissão para dormir na casa de amigos quando era criança e nem tinha permissão para receber amiguinhos em casa para dormir. Os que vinham brincar, ou quando eu ia brincar na casa de alguém, era sempre na sala de visitas. Abrir a geladeira da casa de outra pessoa? Acredito que seja algo inconcebível para os membros da minha geração. Pelo menos para mim, só funciona se for na casa de alguém muito próximo, onde me sinta tão à vontade que possa ajudar na cozinha a lavar e secar a louça. Graças a Deus tenho amigas assim, quase irmãs de tão próximas. A intimidade é tão sagrada e necessária, que não pode e nem deve ser banalizada como tem sido atualmente.
Na minha infância, existia a sala de visitas, que era separada da sala de jantar e de outros cômodos “reservados” da casa, justamente para evitar que as pessoas fossem invadindo, enfiando-se no quarto, vasculhando guarda-roupas. Pelo menos creio que a ideia era essa, manter a visita confortável, acolhida, amada, mas sem deixar que ela se espalhasse por espaços que não lhe pertenciam. A menos que fosse íntima da família.
Depois de adulta, nunca me senti à vontade em abrir o armário de uma amiga, ou de permitir que uma das minhas amigas vasculhasse minha bolsa em busca do celular que estava tocando. Vi uma cena uma vez, ocorrida com uma amiga íntima. Um conhecido em comum nosso, mas sem o mesmo grau de intimidade, sem a menor cerimônia, atendeu o celular dela, depois abriu a bolsa da minha amiga e jogou o aparelho lá dentro, diante do olhar atônito, como se fosse a coisa mais normal do mundo. Hoje em dia, as crianças na sala de aula do meu filho, por exemplo, acham que é a coisa mais normal do mundo abrir as mochilas uns dos outros para pegar lápis, esquadros, borrachas ou o que quer que estejam precisando, sem ao menos pedir licença ao dono legitimo daquelas coisas. E estranham o fato dele não fazer o mesmo!
Não abro a bolsa da minha mãe ou da minha irmã até hoje, nem a das amigas, a menos que elas permitam e ainda assim, só das muito íntimas. Quando preciso abrir as gavetas de mamãe para buscar alguma coisa me sinto como se invadisse um espaço que pertence a ela. Independente de ser minha mãe, ela tem direito a um espaço único e pessoal. Tento ensinar ao meu filho o mesmo conceito, de respeito à individualidade e à privacidade alheia. Só devemos ir até onde nos é permitido, sem forçar uma intimidade que na maioria das vezes não existe e até constrange o outro.
Outro exemplo, só para ilustrar e ajudar a aclarar as ideias: Não costumo acompanhar avidamente cada atualização de perfil do Orkut dos meus amigos. Tento manter o contato por esta ferramenta ou por outras, repito, não tenho nada contra às ferramentas de interação, mas sem exageros. As comunidades virtuais, quem usa sabe, são divertidas, práticas, facilitam manter proximidade mesmo com quem está distante, ajudam na troca de conhecimento e de ideias, mas ao menos para mim, seriam melhor aproveitadas sem a obsessão de saber o que todos fazem ou dizem a cada segundo do dia. Fico conhecendo melhor as pessoas por suas ideias do que, por exemplo, se estivesse xeretando para saber se estão com o status “namorando” ou “solteiro” ativado.
Acredito que a interação atual – a forma como ela é usada – cria um falso sentimento de intimidade. Tão descartável quanto boa parte da produção cultural caça-níqueis que infesta o mundo tanto real quanto o virtual. Ficamos sabendo se determinada pessoa é casada ou não, se gosta de laranja ou azul, se bebe ou fuma, se vai ao cinema ou se é do tipo baladeira, mas não ficamos sabendo como essa pessoa é de fato, o que ela sente, o que ela acredita. Contamos quantos namorados fulano teve em um ano, de acordo com as vezes em que fulano alterou seu status de relacionamento na internet, mas no que isso nos aproxima ou afasta mais de alguém?
Suspeitamos, melhor dizendo, supomos que fulano tem tal tipo de personalidade porque gosta de tal coisa, mas saber de fato como é alguém, acredito que não sabemos nem depois de anos de convivência. E sinceramente, para mim, é bom que seja assim, fica sempre uma margem de surpresa que, no mínimo, vale para manter o interesse pelo outro. Um pouco de mistério sempre seduz. Não quero saber todos os segredos dos meus amigos, eles têm direito a manter guardadas coisas que não querem mostrar para ninguém. Não me sinto menos amiga por isso. Antes até, crio um laço invisível, como se nos aproximássemos mais pelo que não é dito do que pelo que está exposto para todo mundo ver.
Querem ver outra coisa que me incomoda nessa falta de privacidade generalizada? É quando as pessoas te cobram para manter o twitter 24 horas por dia com novidades. Um post a cada minuto, de preferência. Começam a te seguir numa espécie de desespero e frenesi e quando você não corresponde à velocidade de atualização, param de te seguir e vão atrás de outra pessoa mais “interessante” (?) Tudo bem, a ideia da ferramenta é comunicação instantânea, mas será que vale a pena dizer alguma coisa apenas por dizer, apenas para manter a legião de seguidores? Será que todo ávido seguidor lê mesmo o que o outro está tentando dizer naqueles módicos e telegráficos 140 caracteres? Não costumo blogar se não tiver algo interessante para publicar, seja escrito por mim ou por terceiros. Ou me sinto inclinada a dividir algo que realmente valha a pena ou guardo silêncio. E o conceito de silêncio, tanto no ambiente virtual quanto fora da rede, tem mais nuances do que simplesmente ausência de ruído. Guardar silêncio, quando não se tem nada que valha a pena ser dito, é uma atitude sábia e respeitosa com os demais.
Voltando à questão da privacidade. O exemplo que a meninada segue com cada vez mais freqüência é o das celebridades que expõem as conquistas e as mazelas com o mesmo empenho em todo tipo de revista, algumas com linha editorial duvidosa. Nada mais é segredo, nada mais é pessoal, tudo é compartilhado e coletivo. A dor de alguém tem de ser a dor de muitos, a felicidade de alguém tem de ser a felicidade de muitos. Se uma pessoa é legal e é artista, tem de virar modelo de comportamento e namoradinha do Brasil. Se comete um erro e é também artista, a queda na lama e a redenção precisam ser públicas. Mas, atualmente, nem precisa ser celebridade, de fato ou instantânea, para fazer da vida um “livro aberto”. Qualquer pessoa expõe mais do que seria recomendado, apenas pelo prazer de expor ou pela necessidade de saciar a doentia curiosidade de quem lê. Nem os mortos podem ser chorados em casa, porque seus perfis permanecem eternamente cultuados como numa seita fanática, assombrando orkuts e facebooks. Pessoalmente, acho de uma morbidez assustadora.
Perdemos a identidade de individuo e vivemos a era da identidade de grupo. Angustia-me essa superexposição e a patrulha de ideias que advém de tanto interesse na vida uns dos outros. É como se vivêssemos em eterno estado de big brother (falo daquele de George Orwell e seu emblemático livro 1984 e não do programa do Pedro Bial, que aliás, fabrica celebridades instantâneas e nada discretas).
Outro dia, conversando com minha irmã, ela questionou qual é o sentido, por exemplo, de alguém se preocupar tanto com a opção ou orientação sexual de outra pessoa? Comentávamos uma reportagem que vimos, mais uma da série “fulano saiu do armário”. Para mim, tanto faz se saiu ou entrou. Pessoalmente, me interesso mais pelo caráter das pessoas do que em saber com quem elas dormem. Gostaria que os movimentos que elegem seus símbolos dessem ao escolhido o direito de optar se querem mesmo tornar-se símbolo desta ou daquela militância. Se quer virar mito e inspirar outras pessoas, incentivar ou fortacelecer o movimento, ótimo, vá lá e diga para todo mundo que escancarou a porta do armário. Mas se não quer dividir seu armário com mais ninguém, beleza também, respeito você do mesmo jeito. A cobrança para que a pessoa faça isso ou aquilo, diga isto ou aquilo, é que me tira do sério. Se a estrelinha da tv quiser manter-se virgem até casar ou se já deu para o prédio inteiro onde mora, o que é que eu tenho com isso?
Tornar a vida um grande acontecimento público é cansativo e é uma armadilha. Além de ser fake. Soa falso pelo simples fato de que ao nos mostrarmos para os outros, conscientemente, buscamos sempre exibir nosso lado mais gente boa e tendemos a esconder o chamado dark side. A falta de privacidade cria uma sociedade de espelhos de narciso. Já repararam que somos sempre mais bonitos no espelho do que numa fotografia, por exemplo? Aprendi esse conceito nos tempos da faculdade. É o seguinte, relembrando as aulas do meu velho mestre: isso acontece porque o espelho nos reflete tal qual nos imaginamos, o espelho mostra o que queremos ver, e a fotografia nos mostra tal qual somos de fato, com nossos ângulos bons e ruins.
Só que agora existe o photoshop para dar uma melhorada no que a fotografia mostra e a fotografia se converte cada vez mais em espelho.
Nem é a essência das coisas que eu busco, porque acredito que as coisas tem mais de uma essência. Na verdade, todas as coisas são formadas pela mistura dessas infinitas essências. Ainda bem, porque ansiar por pureza me lembra nazismo. Deus me livre!
Confesso é que ando em busca de um pouco de retorno ao individuo, sinto falta do ser humano, único, pessoal, intransferível, secreto, privado, íntimo. Mas tudo o que vejo é sempre multidão…
*Andreia Santana, 37 anos, jornalista, natural de Salvador e aspirante a escritora. Fundou o blog Conversa de Menina em dezembro de 2008, junto com Alane Virgínia, e deixou o projeto em 20/09/2011, para dedicar-se aos projetos pessoais em literatura.
Uma estudante de jornalismo decidiu alugar um barraco na favela do Piolho, em São Paulo, a fim de reunir material sobre a vida no local para o seu trabalho de conclusão de curso. O resultado foi uma matéria que até rendeu publicação na Revista Rolling Stone de janeiro. A atitude da menina me fez refletir, e queria muito dividir isso com vocês.
Sou jornalista formada, estudei quatro anos a profissão que exerço atualmente. E algumas coisas sempre me incomodaram. Dentre elas, até que ponto estamos diante de uma apuração jornalística e qual o real significado da expressão “função social”, tão atrelada à atividade jornalística.
Na matéria publicada na revista, a menina conta os riscos por que passou, afirma ter visto a morte de perto, e foi até convidada para presenciar uma cobrança de dívida: ela assistiu ao pagamento com a própria vida do devedor. Confesso que me preocupa um pouco este tipo de atitude.
Não quero desmerecer a atitude da estudante, de forma alguma. Foi corajosa a menina, que passou um mês em um barraco alugado. Mas me pergunto até que ponto isso é jornalismo. Tenho pensado muito ultimamente sobre o assunto. Ainda não cheguei a conclusão alguma. Por isso, estou abrindo as portas para o debate.
Como vocês enxergam tal atitude? É assim que se faz jornalismo? Quando falamos em função social é sobre isso que estamos tratando? Será que não estamos confundindo as coisas? Vivemos um momento crítico, em que a exigência do diploma para o exercício da profissão tem sido motivo de discussão. É o momento de debater o assunto.
Penso que retratar essa realidade é válida (para quem ainda não leu, recomendo o livro Abusado, de Caco Barcellos). Mas me pergunto até que ponto isso é jornalismo. Questiono-me como um projeto desses passou pelo aval da coordenação do curso de jornalismo. Ainda estou amadurecendo as ideias, construindo minhas teorias… Quero muito ouvir a opinião de vocês.
Expulsão – O que levaria a Universidade Bandeirantes a expulsar Geisy Arruda, a jovem vítima do episódio de hostilidade pelo uso de um minivestido nas dependências da instituição? Ao ler a notícia anunciando a expulsão – embora no mesmo dia a decisão tenha sido revogada – me obriguei a refletir sobre o assunto. Não importa o que tenha motivado a decisão da instituição, considero que a medida foi um verdadeiro “tiro no pé”.
A princípio, imagino que a questão crucial tenha sido uma estratégia jurídica. Geisy não foi expulsa pelo uso do minivestido ou por ter assumido, como justificou a faculdade, uma conduta que teria provocado todo o tumulto. Se a atitude da jovem não condizia com os preceitos da instituição, porque a expulsão só veio depois do ocorrido? Para mim, foi apenas uma manobra da universidade que seria utilizada como fundamento de defesa na ação movida pela jovem.
Trocando em miúdos, a universidade poderia estar pensando em argumentar na sua defesa que a atitude da jovem não se adequava aos preceitos da faculdade. E que foi expulsa por esta razão. Não justifica. Não convence. O argumento é tão sem fundamento que chega a ser irritante. Tão sem fundamento que logo em seguida os diretores recuaram da decisão. Seria esse o tratamento que a jovem merecia depois de tudo o que sofreu nas dependências da faculdade?
Educação – E que exemplo uma instituição de ensino poderia dar em uma situação como essas? Um de seus alunos é vítima da ira dos demais por um motivo fútil. O que fazer? Primordialmente, o papel da universidade é promover a educação por meio das discussões. O que eu esperava daquela instituição era um papel de guardiã do Estado democrático de Direito, como todos devemos ser.
Por que, então, ao invés de buscar punir a jovem, a instituição não pensou em promover palestras para debater o assunto nas suas próprias dependências? Não é ali um local de formação de indivíduos, de seres mais humanos, de pensadores? Que exemplo a Uniban está dando com uma atitude mais hostil ainda que aquela apresentada por seu alunado diante da jovem? Que sociedade é essa que estamos construindo, em que a própria universidade, centro de disseminação do conhecimento, toma atitude tão reprovável e fica por isso mesmo?
Comportamento – Ninguém merece passar pelo que aquela jovem passou. Sair escoltada da própria sala de aula, coberta por roupas emprestadas pelos professores, cercada de policiais e apavorada com a possibilidade de ser agredida a qualquer instante? Ver sua vida virada pelo avesso, estampada nas capas de jornais e revistas… E o pior, a meu ver, é ler a opinião de alguns estudantes e até professores da faculdade sobre o episódio.
Muitos se posicionaram no sentido de que a roupa da menina e seu comportamento justificavam a reação dos colegas. Pergunto-me: usar um shortinho curto e apertado agora vai justificar o estupro? A vítima de assédio será considerada a verdadeira responsável pelo crime apenas porque é bonita e atraente?Teremos uma revolução legislativa que vai atenuar a pena daquele que estuprou uma mulher porque estava ela com roupas que despertaram o seu desejo?
Não consigo conceber que, em pleno século XXI, o uso de determinadas roupas seja aceito como justificativa para atitudes brutais e animalescas.
Espetáculo midiático – Chegamos a um momento em que é preciso refletir, promover o debate. Não dá para transformar a história em um espetáculo midiático, ganhar audiência com ela, sem que seja ela alvo de uma avaliação da própria sociedade. Todos exaltam o papel social do jornalismo, a ponto de tentar tornar absoluto o direito à liberdade de expressão, a ponto de considerar qualquer restrição um ato grave de censura.
Mas, nos momentos em que mais percebemos a necessidade desta postura de responsável pela formação da opinião de indivíduos esse papel parece evaporar-se diante da necessidade econômica. Tenho acompanhado a cobertura deste episódio desde o início. Salvam-se uns pela postura de seriedade e de indignação pelo ocorrido, a maioria, no entanto, entra de cabeça na história comovente da jovem de baixa condição massacrada por colegas.
Isso vende. O espetáculo vende. E se vende, é porque alguém tem interesse em comprar. Fato é que, recentemente, já foi noticiado o aplique colocado na estudante e a tintura no cabelo, ambos oferecidos por um cabeleireiro comovido (????) com a história da menina. E isso virou notícia! E a hostilidade dos colegas? E a postura da universidade? Que espaço teremos para discutir estas questões?
Quem dará voz a este debate, o mais importante de todos? É o que me pergunto diariamente.
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