Dica de série: Grace and Frankie

Os quatro protagonistas de Grace and Frankie: Martin Sheen, Jane Fonda, Lily Tomlin e Sam Waterson

A Netflix estreou no último dia 18 a quinta temporada da série Grace and Frankie, de Marta Kauffman, a mesma criadora da badalada Friends. A série, protagonizada por Jane Fonda e Lily Tomlin, conta a história de duas mulheres que, na terceira idade e depois de mais de 40 anos de casadas, descobrem que os maridos das duas, Sol e Robert, (vividos, respectivamente, por Sam Waterston e Martin Sheen), sócios em um escritório de advogacia, são gays e amantes há 20 anos. Os dois decidem sair do armário, pedem o divórcio e se casam um com o outro. Grace, uma sofisticada empresária do ramo de cosméticos acaba indo morar com Frankie, uma artista plástica hippie, ativista e deliciosamente ‘porra loca’…

Vou deixar a sinopse só até aí, para não entregar spoiler a quem nunca assistiu. E, se você faz parte do grupo que não viu ainda essa belezura e passou batida pela série no catálogo da rede de streaming, não perca mais tempo e agarre a chance de assistir uma das coisas mais divertidas e interessantes dos últimos tempos.

Os episódios, são 13 por temporada, são curtinhos, de menos de 30 minutos, ideais para maratonar e de bônus, lavar a alma. Um incentivo extra: nem bem a quinta temporada estreou, a Netflix já confirmou a sexta para 2020. E acredite, a cada episódio que termina, a gente sente saudade das personagens e quer mais.

O elenco é maravilhoso. Além de Jane Fonda, Lily Tomlin, Sam Waterson e Martin Sheen que estão magníficos nos papeis principais, os atores e atrizes que vivem os quatro filhos deles são fantásticos, com destaque especial para June Diane Raphael, que interpreta Brianna, a sarcástica filha mais velha de Grace e Robert.

Completam o grupo de filhos e filhas: Brooklin Decker, a romântica Mallory, caçula de Grace e Robert; Ethan Embry (Coyote) e Baron Vaughn (Nwabudike, chamado de ‘Bud’), os dois filhos adotivos de Frankie e Sol. O primeiro é um carismático dependente químico em tratamento, e o segundo, um sisudo e meio neurótico advogado.

Grace e Frankie tem personalidades bem diferentes, mas encontram o caminho de uma sólida amizade

Boa para espairecer e pensar

Grace and Frankie é cheia de vigor, refresca a cabeça, alimenta o espírito e de quebra nos coloca para pensar em várias questões que ainda são tabu, como a sexualidade na terceira idade e a ideia machista de que mulheres não podem ser amigas porque são rivais.

Grace e Frankie são senhoras beirando os 80, que têm vida social e sexual ativa, são despachadas, desbocadas, independentes e livres como só pessoas bem resolvidas conseguem ser.  As duas conviveram socialmente por décadas, porque os maridos eram sócios, mas não tinham uma amizade profunda. Com personalidades bem diferentes, são unidas inicialmente a contragosto, depois dos conturbados divórcios que enfrentam. Mas, aos poucos, descobrem uma na outra a inspiração para superar a crise e transformam-se em amigas-irmãs. Ver a construção da amizade e da cumplicidade das duas já vale a série.

Elas também enfrentam dilemas e questões ligadas ao envelhecimento, à forma como a sociedade trata as pessoas idosas – principalmente as mulheres -, com exigências em termos de comportamento. Cansadas das convenções, chutam o pau da barraca e não estão nem aí para o que é socialmente adequado na faixa etária delas. Querem mais é zerar a vida que lhes resta da forma mais intensa possível. São inspiradoras!

Sol e Robert. A química entre Sam Waterson e Martin Sheen é muito boa

O casal formado por Sam Waterston e Martin Sheen também quebra outros tabus como o do envelhecimento das pessoas LGBT+. Os dois vivem os dilemas de todo casal, com o adendo da surpresa e do encantamento pelas descobertas do universo gay, pois se reprimiram a vida toda e só tomaram coragem de sair do armário na terceira idade. Ou seja, naquele momento que entendemos como um dos mais frágeis da vida, eles enfrentam as ex-mulheres, os filhos, os clientes e as dificuldades do cotidiano.

Embora no começo a gente fique com a pulga atrás da orelha porque eles enganaram as duas mulheres por 20 anos, logo percebemos que a questão é muito mais profunda. Começamos a enxergar Sol e Robert pelos olhos de Grace e de Frankie e vivemos cada estágio do processo delas desde a descoberta, a revolta, a negação e a aceitação, até a compreensão da situação vivida pelos ex-maridos. É bacana ver como elas conseguem desconstruir o machismo de Robert, o que o ajuda também na autoaceitação enquanto homem gay.

Não se trata de compreensão compassiva, do tipo que sempre se espera que as mulheres tenham com os homens. E nem tampouco é caso de ‘passar pano para macho escroto’. A traição existiu e eles são cobrados por isso, mas existem diversas camadas nos relacionamentos prévios de Grace e Robert e no de Sol e Frankie que tornam possível para elas – e para as espectadoras – superar a traição dos ex e estabelecer novos laços.

Trata-se de uma forma de compreensão genuína, que nasce da empatia e de uma amizade construída ao longo dos relacionamentos de mais de 40 anos que os dois ex-casais tiveram. E nada é gratuito ou maravilhosamente resolvido do dia para a noite. O roteiro de Kauffman respeita, com competência, o fato da sexualidade humana não ser algo óbvio e rasteiro, que se decifra em um passe de mágica.

Quebra de paradigma

Os quatro idosos protagonistas – e já é uma quebra de paradigma uma série com o elenco principal todo na terceira idade – são pessoas querendo manter sua liberdade e independência em um mundo que é averso ao envelhecimento e que costuma tratar os mais velhos como incapazes, mesmo quando são ativos e perfeitamente donos de si.

Grace e Frankie chutam o balde e mostram o poder da maturidade

A série mostra também que, embora a chegada da velhice nesse mundo que cultua a juventude eterna seja cruel para homens e mulheres, existem hierarquias no tratamento que a sociedade dispensa a eles e a elas quando estão envelhecendo. Enquanto os homens são vistos como ‘distintos cidadãos experientes e sábios’; as mulheres acabam sendo tratadas com condescendência. Qualquer ato feminino em direção à liberdade e ao empoderamento na terceira idade é visto, de início, como ‘birra de velhinhas que estão ficando esclerosadas’.

Apesar das dificuldades que aparecem com a idade, como a adaptação mais lenta ao mundo hipertecnológico e as limitações físicas e de saúde, Grace e Frankie mostram sua força justamente ao abraçar suas limitações e aceitar o envelhecimento como mais um trecho da jornada pela vida. As duas sabem que já viveram bastante e que a longevidade tem um preço, mas não significa que seja hora de sentar em frente à lareira para fazer tricô.

Terceira idade com leveza

A velhice mostrada na série é abordada de forma leve, pois trata-se de uma comédia dramática que não pesa muito nas tintas do drama. Embora o programa questione várias coisas que atingem boa parte dos idosos, a opção é sempre fazer isso pelo viés do humor.

Nem todo mundo que assistir Grace e Frankie vai se identificar ou encontrar correlações imediatas com idosos do seu convívio. A história trata da realidade de idosos de boa condição financeira, norte-americanos e que não sofrem, por exemplo, de doenças demenciais. Mas existem questões do envelhecimento que são universais e fazem parte da cultura da sociedade ocidental e isso é o suficiente no programa para cativar a atenção.

Além disso, a série também não deixa de abordar problemas como o Mal de Alzheimer, a iminência da morte e o confinamento de idosos perfeitamente capazes em asilos, mesmo quando as famílias têm condições de criar outra estrutura para atendê-los.

Provavelmente, quem tem uma mentalidade mais conservadora e não pretende mudar essa visão, não vai gostar tanto assim quanto quem tem a cabeça mais aberta para a diversidade, porque a proposta é bem libertária e o máximo possível focada em desconstruir preconceitos. Os próprios personagens aprendem uns com os outros e com os próprios erros, pois Grace e Frankie também provam que nunca é tarde para evoluir.

Assista ao trailer oficial da série (legendado)

*Também publicado no blog Mar de Histórias

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